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Contos-->O Mínimo do Mínimo -- 06/05/2001 - 19:56 (Cleusa Sarzêdas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O MÍNIMO DO MÍNIMO
Conto

Justino e sua mulher, sentados diante da televisão na confortável sala do apartamento de dois quartos de frente para rua Francisco Otaviano, em Copacabana, adquirido pela Caixa Econômica, assistiam ao noticiário das vinte horas quando a repórter anunciou que o Congresso, naquele momento, estava em bulício por causa do baixo percentual proposto pelo Governo para o novo salário mínimo do ano que começava (ele se agitou na cadeira) e que, o Sindicato dos trabalhadores, descontente, organizava uma passeata geral para quinta-feira , quando seria votada a proposição e acrescentou: — “Em frente ao Congresso um grupo de aposentados e pensionistas (mostrou o grupo) diz que fará vigília esperando conscientizar os deputados e senadores a rejeitarem o oferecido, votando num valor mais justo que atenda as necessidades da classe trabalhadora.”
Justino tinha três filhos casados, duas moças, um rapaz e dois netos. Sua vida consistia em contar e recontar a minguada aposentadoria que recebia do INSS, esperando o milagre da multiplicação. No fim do mês era obrigado a recorrer aos filhos pedindo ajuda para cobrir despesas, principalmente com o condomínio cujas cotas extras não paravam de chegar. Sentia saudades do tempo em que trabalhava e ganhava bom salário como contador de uma construtora. Criou os filhos, deu-lhes instrução sempre em bons colégios; sua vida era confortável. Aos 70 anos a firma pediu sua vaga para alguém mais jovem alegando que ele estava na hora de se aposentar. No início não sentiu diferença quanto ao salário mas, no decorrer do tempo, ele vinha minguando. Após cinco anos não cobria as despesas necessárias para duas pessoas.
Todo início de calendário ele se revoltava ouvindo os noticiários na televisão, da discussão dos parlamentares e comentava com a esposa:
—É sempre a mesma lorota, nunca o governo tem condições de conceder um percentual maior para o trabalhador, alegando falência no sistema — se essa tônica fosse real, o Brasil já teria afundado — mas privilegia o empresariado que deve fortunas ao INSS e o povão é que se ferra. Recolheu-se com um sentimento de perda. Pela manhã, antes mesmo do café, calculou o que receberia caso fosse aprovado o percentual anunciado e verificou que não diminuiria sua dificuldade. Decidiu, então, refazer as contas, cortando as poucas guloseimas que ainda se dava ao luxo de tê-las, como queijo e presunto, esperando sobrar uns trocados que o permitisse comprar passagem de ônibus para Brasília e se juntar ao grupo lá formado, contribuindo assim para o enternecimento dos congressistas.
Após várias contas e recontas não conseguiu o valor necessário. Lembrou-se de um anel de ouro guardado. Deliberou vendê-lo —por uma causa justa— pensou. Mesmo assim, o valor arrecadado não supriu a necessidade. Apelou para os filhos sem mencionar a que se destinava a quantia.
No dia seguinte pela manhã, despediu-se da mulher e, munido de uma pequena maleta com objetos pessoais, biscoitos e sanduíches, partiu para a Rodoviária Novo Rio.
Entrou na fila em frente ao guichê número dez. Na sua vez, o bilheteiro pediu:
—Sua identidade. Ele mexeu e remexeu nos bolsos só encontrou o papel do INSS, esquecera a carteira sobre o móvel. Perguntou :
—Este documento serve? Eu sei o número da carteira de identidade de cor!
—Não senhor, respondeu o bilheteiro mal humorado. Justino remexeu os bolsos novamente, a fila se alongava e a reclamação tomava vulto. Ele se agitava confuso sem no entanto encontrar algo que o identificasse. Dez minutos se passaram. O bilheteiro, bufando, pediu rispidamente.
—Senhor, queira por favor, desobstruir o guichê.
—Mas eu preciso da passagem!.
—O senhor não tem identidade, não posso vender-lhe a passagem.
—E como vou fazer?.

—Não sei, esse problema é seu, não meu, estou aqui para vender passagem e não para solucionar problemas alheios. Por favor, queira se afastar senão chamo o guarda. Justino contrariado e sobre olhares acusadores afastou-se sentando-se num banco e retirando dos bolsos tudo que continha, mas não encontrou o que procurava. Aborrecido, recostou-se e ficou a imaginar como conseguiria a bendita passagem. Voltar a casa não daria tempo de alcançar o grupo reunido em frente ao Congresso. E assim ficou matutando mil maneiras de solucionar a questão. Uma senhora de boa aparência sentou-se ao seu lado, ele queixou-se:
—Imagine a senhora, um homem da minha idade não tem o direito de viajar só porque esqueceu a carteira de identidade em casa. Ninguém confia mais em ninguém. Dei-lhe o número, mas ele não acreditou. Agora estou aqui sem saber o que fazer para conseguir esta passagem. A senhora vai pra onde?.
—Vou para Brasília –respondeu - uma idéia iluminou a mente de Justino.
—A senhora já comprou sua passagem?.
—Ainda não, estou esperando o meu marido.
—A senhora poderia comprar a minha passagem? Preciso estar em Brasília, tenho um encontro de negócio e é muito importante. O próximo ônibus parte daqui a trinta minutos. A senhora faria esse favor? A mulher balançou a cabeça afirmativamente. Justino deu-lhe o dinheiro pedindo que comprasse bilhete de ida e volta. A mulher pegou as notas e dirigiu-se ao guichê. Era a quarta da fila. Ele aguardava sentado no banco e observava-a.
Um homem alto, vestindo calça branca e chapéu, tipo malandro, sentou-se ao seu lado e puxou conversa, distraindo-lhe a atenção. Quando Justino se lembrou da mulher não a viu mais. Levantou-se, foi até o guichê indagou das pessoas descrevendo-a, mas ninguém sabia informar nada. Andou por toda a rodoviária, desceu as escadas, subiu-as novamente, nada da mulher. Pediu ajuda ao guarda que lhe disse: “O senhor foi roubado, aqui isso é muito comum”. Justino atônito, tirou as últimas notas do bolso para conferir o que restava, contava-as quando um moleque as surrupiou num piscar de olhos e também a maleta, deixando-o com as mãos vazias. Ele, zonzo, correu atrás do garoto gritando pega ladrão, mas o menino desceu as escadas numa rapidez incrível desaparecendo em meio à multidão.
Justino, exausto e quase sem voz pedia: —Peega ladrão..., peeega..., e apontava na direção em que o garoto correra. Todos o olhavam sem no entanto verem nenhum ladrão e com ares de piedade rogavam:
—Vovô, o senhor não quer se sentar um pouco para descansar? Ele irritou-se.
—Não quero descansar e também não sou seu avô! Afastou-se e foi amargar sua desilusão junto à escada de embarque. Debruçou-se no balaústre desolado, nisso viu a mulher, que o roubara, acompanhada do homem que o distraíra, na fila do ônibus com destino a Brasília. Gritou angustiado.
—Peguem esta mulher, ela roubou meu dinheiro, peguem-na. Quis descer as escadas, mas foi impedido pelo apanhador de bilhetes. Um guarda aproximou-se:
—O que está acontecendo aqui?.
—Aquela mulher ali, —apontava para o casal— roubou-me!
—Como senhor? Aquela senhora está longe do senhor! Como poderia roubá-lo? Justino viu o casal olhar para ele, rirem da sua ingenuidade, entrarem no ônibus, a porta fechar-se e partir. O guarda ainda perguntava-lhe:
—O senhor está se sentindo bem, posso ajudá-lo?. Justino, lastimoso, respondeu-lhe.
—Não, o senhor já ajudou, obrigado. Afastou-se, desceu as escadas, alcançou a rua e viu o moleque que o assaltara comendo seu sanduíche e entregando o dinheiro a uma mulher com três crianças; sentiu ímpeto de chamar um guarda para prendê-lo mas desistiu, não tinha como provar. Entrou no ônibus que o levaria de volta para casa e pensou aliviado: “Felizmente não preciso pagar esta passagem, só restou-me cinqüenta centavos”. Acomodou-se no primeiro banco. O veículo seguiu pelo aterro do Flamengo e parou no primeiro ponto de Botafogo, um grupo de rapazes, descamisados, entrou e se posicionou na traseira do veículo, de arma em punho:
—Isto é um assalto. Justino precipitou-se pela porta que fechou-se rapidamente, e do lado de fora fez um gesto “dando banana para os ladrões”; depois bateu a mão no bolso e gritou:
—Este vocês não levam. O ônibus ia distante.

Cleusa sarzêdas
E-mail cleosarzedas@uol.com.br
E-mail cleonicesarzedas@yahoo.com.br
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