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Contos-->A Carroça -- 06/05/2001 - 20:01 (Cleusa Sarzêdas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A CARROÇA


Chovia forte numa manhã de segunda feira. Ao longe uma carroça, puxada por um único burro. Sobre ela um homem, tendo nas mãos as rédeas, atreladas ao animal. Grossa capa protegia-o. Sobre a cabeça, um chapéu de abas largas e arriadas, cobrindo o rosto.
Seguia lenta, no silencioso e longo caminho, em direção a um lugar distante. O vento frio enregelava. O burro andava com dificuldades sobre os buracos e a lama do sinuoso caminho estreito. Vez por outra parava e estremecia, espantando assim a friagem que machucava, apesar da grossa lona que o cobria.
Fim de tarde. A chuva cessou, o vento acalmou. No poente, o sol mostrou seus raios reluzentes. O burro nem se apercebeu da mudança, sua única “preocupação” estava no chão. Mais adiante, num campo verdejante, pararam para o descanso, prosseguindo, logo depois, por muitas horas mais.
Chegaram a uma cidade, no interior do Norte do país. Algumas casas esparsas, construídas em alvenaria, em um dos lados; do outro, vários casebres amontoados, dando a impressão de que um amparava o outro, tal a fragilidade das construções. Em frente à casa em cuja fachada estava escrito “HOTEL”, o rapaz desceu e puxou do interior da carroça grande baú, muito bem protegido. Cuidou do burro, levando-o para o pasto, por fim, entrou no recinto e os que lá já se encontravam saudaram-no:
—Olá! Há quanto tempo não aparece, ficou rico? Nunca mais voltou!
—Não..., não fiquei rico. Andei por outros caminhos, mas agora estou de volta. Como estão as coisas por aqui? O mercado está bom? Qual a maior procura no momento? Queimadinha ou clarinha? Todos riram.
—A coisa está mais ou menos, não tem um padrão, depende muito do grupo que estiver no mercado e também da mercadoria, claro. Houve uma época em que só queriam queimadinha, como diz você, mas hoje aceitam de tudo, acho que o mercado está mais liberado. Há quanto tempo não faz esse serviço?
—Oh! rapaz, há mais ou menos treze anos. Na época o mercado aqui não estava muito bom. Com o dinheiro que tinha montei uma lanchonete em minha cidade. Ganhei dinheiro com esse ramo, mas nos últimos anos a fiscalização apertou, o lucro diminuiu e surgiram dificuldades em pagar as contas. Decidi então fechar o comércio e voltar a minha antiga profissão de mercador. Aqui a gente não paga imposto, não tem fiscalização, não tem grande responsabilidade e nem chateação, é só saber negociar.
—É verdade, aqui ganha-se bem, se a sorte ajudar, né! Vamos descansar, amanhã o dia será longo, vamos em busca da melhor oferta.
Ainda era madrugada quando os mercadores saíram em várias direções. Genésio, o nosso personagem, era alto, magro, moreno claro, aparentando cinqüenta anos, cabelos alourados, grisalhos nas têmporas, olhos muito azuis. Falava macio, com muito poder de persuasão. Conquistava a todos que se aproximavam e obtinha, por meios nem sempre lícitos, tudo que desejava. Envolvia as mulheres em clima de falsa paixão quando sentia dificuldades no que almejava. Quando a situação extrapolava ao comercial, afastava-se dando lugar à outros mercadores.
A carroça rangia passando por ruelas, o burro caminhava cada vez mais lento. Genésio podia voltar no tempo e confabular com o seu passado. Lembrou-se da época em que conhecera a morena cor de jambo, a mais bonita da redondeza. Viveram dias muitos felizes, se amaram intensamente, até que numa manhã, ainda na cama, ela revelou sua gravidez. Genésio se alterou, deu um murro na parede e, com palavras grosseiras, distratou-a. Andou nervosamente pelo quarto durante algum tempo.
—Tem quanto tempo essa gravidez? — Ela não respondeu, só o olhava fixamente, recostada no espaldar da cama — Vou procurar alguém para fazer esse serviço.
Délia levantou-se devagar, vestiu-se, silenciosamente saiu do quarto, da casa e da vida de Genesio.
Ele a procurou por vários meses, arrependeu-se da atitude que tomara. Perdeu-a por pura estupidez. Com mais calma, poderia ter resolvido a questão.
— Onde estará nesse momento? E o bebê, será menino ou menina? Deve estar com quase 13 anos. Ah! se eu pudesse vê-los. E eu que pensei nunca mais voltar a esse lugar. As lembranças aqui são mais dolorosas.
Parou em frente a um casebre, onde crianças brincavam alegremente. O dono da casa o convidou para entrar. Saiu após trinta minutos, prosseguindo seu caminho. A mesma atitude se repetia em muitas outras residências. Quanto mais se embrenhava pelo mato, mais pobres eram as casas. Em nenhuma encontrou Délia, ninguém a conhecia. Quando a tarde se despedia e a noite despontava, parou junto a uma estalagem. Desatrelava o burro quando viu uma menina alta e magra, cabelos pretos e olhos muito azuis, rosto angelical, aparentando quinze anos. Figura muito interessante, pensou. Aproximou-se, conversaram bastante, marcaram encontro, despediram-se e, no dia seguinte, deu prosseguimento à viagem que duraria mais cinco dias. Fim da jornada, hora de voltar e recolher as mercadorias compradas.
Chegou ao hotel, onde se encontravam os outros mercadores, com a carroça abarrotada de preciosidades. Pernoitaram e, ainda madrugada, partiram em direção ao grande mercado. No centro da praça havia um grande palco onde a mercadoria era exposta para avaliação do preço. Genésio foi um dos últimos a negociar. Vendeu tudo que trouxera. Podia voltar a casa, sua missão estava cumprida. Só retornaria àquele lugar dois anos mais tarde.
Satisfeito, preparava-se para partir quando surgiu à sua frente uma mulher com uma espingarda apontando em sua direção, numa atitude ameaçadora. Todos se afastam temerosos. Só ele, petrificado, com os olhos arregalados, reconhece Délia, que atira, errando o alvo.
—Por que está fazendo isso? — Abaixa-se atrás da carroça. Outro tiro: o burro é atingido e cai em agonia, a carroça vira. O povo tenta conter a mulher em desespero. Mas mais um tiro. O cerco se abre, Genésio sangra no braço. Esconde-se em outro local, ela vai atrás. Insiste na pergunta:
—Por que está atirando em mim?
—Você vendeu sua filha, seu desgraçado! De alguma forma você a matou. Isso é por ela e por tantas outras meninas. Nunca mais vai vender ninguém. Suas pernas arquearam, passou a mão pela testa gotejante. O remorso apoderou-se dele. Cruzou a praça, não mais se importando com os tiros. Correu pela estrada atrás do ônibus aos gritos de pare, pare ... O sangue escorria-lhe pelo corpo. Dentro, uma menina de olhos muito azuis, com o rosto colado ao vidro traseiro, olhava a cena, cada vez mais distante, e despedia-se da sua cidade natal, rumo a algum lugar. Não se sabe onde.
Cleusa Sarzêdas
E-mail cleosarzedas@uol.com.br
E-mail cleonicesarzedas@yahoo.com.br


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