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Artigos-->Policiamento?! -- 19/03/2000 - 13:28 (Vera Lucia Soares da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A questão da segurança pública vem sendo intensamente discutida no Brasil e no Distrito Federal. O policiamento das áreas públicas é considerado como um dos pilares da manutenção dessa segurança. Contudo, não está sendo corretamente analisado.

O que é policiamento? O Aurélio registra cinco definições para a palavra; deixando claro, ao definir policiar, que se refere a policiar o outro e a si mesmo. Sendo assim, o policial, ao ser investido dessa função, deve observar ele mesmo o cumprimento da lei, para que possa compreender as tarefas para as quais foi contratado pela sociedade. É inadmissível que um policial possa descumprir a lei, pois, ao fazê-lo perde a competência para continuar a ser um policial.

Definindo

A primeira definição de policiamento é o ato de vigiar, em cumprimento de leis ou regulamentos policiais. Os policiais são indivíduos que têm a função de vigiar as pessoas, as cidades e a si mesmos, porque a lei e os regulamentos assim determinam. Sua ação se dá em obediência à lei e por delegação da sociedade. São pessoas a quem autorizamos que vigiem o nosso comportamento.

Os policiais devem vigiar o que acontece nas cidades com cuidado, interesse e zelo, eis a segunda definição de policiamento. Esse olhar policial é o olhar de quem cuida para que os direitos e as leis sejam respeitados; o olhar de quem deve providenciar a volta ao equilíbrio da lei, sempre que se deparar com o desrespeito. Note-se que é um olhar abrangente, pois envolve zelo: o policial também é depositário da lei, ele participa da sociedade e tem interesse no seu equilíbrio. Ele não é somente um delegado do povo, mas também de si mesmo, enquanto parte desse mesmo povo.

Como cidadão, pois, ele cumpre a terceira definição de policiamento - dar ou transmitir civilização a, civilizar. Cabe ao policial a função de educar o cidadão para o cumprimento das leis gerais. Cabe à polícia, por delegação, a função de orientar os jovens para a compreensão de que as leis regem o bem comum e, por isso, devem ser respeitadas. É, em síntese, um professor de cidadania.

Sendo assim também lhe compete impedir que se manifeste (o desrespeito à lei); reprimir, conter, moderar, uma quarta definição de policiamento. Enquanto vigia, o policial deve prevenir o crime, impedir a sua continuação e mantê-lo sob controle. O policiamento permitiria à sociedade manter seu equilíbrio organizacional, para que todos se beneficiassem dos ganhos sociais.

A quinta e última definição diz que policiamento é o ato de dominar-se, conter-se, refrear-se, evitando a indiscrição ou outra manifestação inconveniente. Neste ponto o dicionarista reflete a ética social em que se baseia o policiamento: o comportamento adulto de auto-controle e disciplina, essenciais para o exercício da cidadania, que cabe ao policial desenvolver. Um policial, durante seu treinamento, deveria ser observado quanto à sua ética pessoal, mais do que quanto à ética formal. O exercício do policiamento implica uso da ética pessoal, uma vez que é educativo em sua essência.

O que se vê

Ao nos preocuparmos com as definições de policiamento, ficamos com a certeza de que policiar não é encher as ruas e os locais públicos de policiais. Este é um dos casos em que quantidade não é qualidade.

As pessoas que trabalham na segurança pública devem ter consciência da ética do policiamento. Devem saber que exercem uma função delegada pela sociedade e que, em seu nome, devem agir para a preservação das leis que a sociedade elaborou. Não cabem, no ato de policiar, interpretações da lei. Somente aos juízes é dada essa delegação.

A seleção de pessoal para a segurança pública deveria ser baseada na avaliação de um perfil que a sociedade construiu como desejável. É na construção desse perfil que está o primeiro problema do nosso policiamento. Um dos erros do perfil é o nível de escolarização exigido. Não é possível que alguém que não terminou a sua instrução formal, o chamado ensino médio, possa sair em missão de policiamento, portar uma arma, relatar uma ocorrência etc.

Sem completar a instrução formal, o conjunto de informações de que a sociedade dispõe e que usa para funcionar não será do conhecimento do policial, inviabilizando a sua atuação como educador. Em outras palavras, este policial não terá uma compreensão ética da lei e da ordem.

Como o nível de escolarização do brasileiro é muito baixo, condicionou-se a exigência de poucos anos de escolarização para profissões de baixa remuneração e de pouca projeção social, fazendo com que os policiais de rua sejam recrutados entre aqueles de baixa renda e menos tempo de escolarização, que, no Brasil, infelizmente, são sinônimos.

A isto se soma a má qualidade do ensino no Brasil, que contribui também para o mau desenvolvimento da cidadania. Sem um desenvolvimento apurado do raciocínio abstrato, não é possível a compreensão do universo das relações sociais, inviabilizando o trabalho preventivo da polícia. Pessoas que compreendem mal o funcionamento de sua sociedade, não podem gerir corretamente os gestores da segurança pública, ficando a mercê de suas idiossincrasias e vícios.

Os exemplos dessa gestão deficiente se acumulam nas ruas. Freqüentemente vemos policiais comprando alimentos em camelôs; andando em transportes piratas; batendo papo, enquanto motoristas avançam sobre os pedestres e pedestres atravessam fora da faixa; passeando entre camelôs que vendem cigarros e comercializam tickets-refeição e vales-transporte; ignorando carros em fila dupla; conversando no celular, enquanto policiam; descumprindo as regras de trânsito ao volante de seus carros e até mesmo nos carros oficiais; ignorando as bancas de jogo-do-bicho; sendo apontados como agentes do crime; sendo filmados cometendo crimes etc.

O famoso modelo de tolerância zero com o crime tornou-se piada nos lugares onde foi aplicado, porque seus executores não têm a mínima compreensão do que seja respeitar a lei no cotidiano do exercício profissional. Como iriam estender isto aos seus programas de gestão de segurança? Modelos de comportamento não são maquetes, assim como as leis não são apenas palavras. Para que funcionem necessitam do dinamismo do dia-a-dia. É isto que os faz serem modelos, não o desejo de que funcionem como tal.

Para nossa vergonha, a imprensa brasileira consagrou a expressão "a lei não pegou", mostrando que nós, brasileiros, consideramos a disciplina uma coisa de momento, que pode ou não acontecer, ao sabor de nossa vontade. Não pensamos a sociedade como um conjunto de pessoas dispostas a preservar o direito coletivo com a mesma força e intensidade com que cada um luta pelo seu direito individual.

Dessa forma, perguntamos, qual será a utilidade preventiva de colocarmos mais policiais nas ruas? A mim parece que teremos mais maus exemplos para a juventude e mais desesperança para o cidadão. Será antes necessário repensar o policiamento, através de um trabalho de educação social dos policiais e da sociedade como um todo.

O trabalho de segurança pública é, antes de tudo, um trabalho de prevenção da criminalidade e sua execução deve ser debatida pela sociedade: alunos e professores, pais e filhos, patrões e empregados, homens e mulheres, crentes e descrentes. Não pode ficar restrito a contratar policiais, comprar viaturas e a construir prisões.

É preciso reeducar o cidadão para o respeito à lei e o policial para o respeito à sociedade, e, ambos, para exercício pleno da cidadania.



(Publicado em http://www.zip.net/indignacao, em 24/03/2000)
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