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cronicas-->UNIDADE NA DIVERSIDADE -- 16/11/2006 - 22:24 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 49ª. crónica da série*. São cronicas independentes não obstante formem uma sequência, na intenção de uma crónica de viagem contínua...)


(49)
UNIDADE NA DIVERSIDADE


Como é possível vida inteligente por detrás de bigodes como os de Carlos Fuentes? Não se questiona a inteligência do notável romancista e comentarista político, com obra e trajetória consolidadas, mas a convencionalidade típica de sua aparência. Podia muito bem ser a de um gerente de empresas -por exemplo, um editor - perfeitamente ajustado ao visual próprio de sua categoria, em que a seriedade faz parte do ritual.

Ora, Carlos Fuentes parece ser um homem vaidoso. Como pode e deve ser um intelectual com o seu talento. Os cabelos estão grisalhos, penteados no movimento natural de seu crescimento e umas discretas entradas na testa-- que ele nem disfarça - não parecem representar o perigo iminente de uma calvície irremediável. Grisalhos, sim. Um tom ligeiramente ocre parece querer disfarçar o envelhecimento. Será o efeito de algum produto químico suave ou é o resultado da poluição que tanto ameaça as cabeças dos moradores da capital asteca?
Mas, em que importa a aparência de Carlos Fuentes? Certalmente, no que o assemelha a certos grupos étnicos, a determinados grupos sociais que coexistem em nossa latino-americanidade.

E Carlos Fuentes nos fala da extraordinária capacidade de integração dos povos latino-americanos, atribuindo esse dom à nossa herança ibérica, em virtude de os nossos ancestrais espanhóis e portugueses terem convivido com os mouros e os judeus de uma forma ... Não explica qual. Se exem¬plar, se tolerante, se aberta à miscigenação mas acredita-se que seja esse o espírito de suas declarações, pois logo louva a nossa capacidade latino-¬americana pela convivência e fusão cultural a partir da colonização.

Usa a expressão coexistiram. Culturas cristãs, mouras e judaicas influenciaram-se numa região submetida a constantes invasões, forjando uma autêntica vocação pluricultural. É certo, porém, que os colonizadores não permitiam a entrada de mouros e judeus ...

Já li bastante sobre essa virtude. Nosso Gilberto Freyre foi o apologista desse pluriculturalismo de arcabouço ibérico que teria levado o Brasil à miscigenação (tipo melting pot) em vez da pausteurização cultural própria dos Estados Unidos da América, onde se consolidou um modelo cultural mais dirigido e com a supremacia de uma vertente única, de origem anglo-saxónica.

Mas nosso Gilberto Freyre, um gênio, não caiu na simplificação e esboçou um retrato do Brasil em que a miscigenação não levou à uniformidade, mas à variedade. O Brasil tem feições múltiplas, tem variedade, não é apenas pluricultural mas polifacético, uma curiosa diversidade na unidade - milagrosa - nacional. Baixando o nível do raciocínio, pode-se usar a metáfora de que a nossa unidade se dá pela mídia mais do que pela média (jogo de palavras, mas nem por isso destituído de sentido).

É pela globalização da mídia da TV e pela comunicação em português que essa diversidade no Brasil de hoje se nacionaliza, se assimila. Nossa tolerància está em aceitar mais as diferenças do que em buscar as nossas semelhanças, pois é com o contraste que lidamos e não com a nossa homogeneidade (que, aliás, nunca tivemos nem cultivamos). Nossa extraordinária capacidade de tolerància parece advir, portanto, da convivência com a multiplicidade, com a diversidade, com as diferenças e contrastes de nossa cultura.

Curiosamente, estaríamos forjando nossa identidade na própria diversidade de nossa cultura, em que não estranhamos os costumes e valores alheios e, em certa medida, chegamos a valores comuns pela nossa faculdade de ampliar os próprios conceitos, pragmaticamente.

O que é um brasileiro? Como tipifica-Io? Atribuem a um general brasileiro a anedota de ter chamado um capitão para formar um pelotão que os acompanharia a Pistóia. Iam buscar os restos de nossos pracinhas enterrados na Itália, para seu translado ao Monumento aos Pracinhas erigido no Rio de Janeiro. O militar queria um conjunto de soldados que fosse representativo do Brasil, para o desfile lá no cenário de nossa participação na Segunda Guerra Mundial. O capitão interpretou que ele queria "vender" uma imagem "positiva" do Brasil.

Naquela época, a Polícia do Exército, do Rio, era visivelmente sulista, com louros enormes treinados como cães de guarda. Belos, de olhos azuis, prussianos. Eram filhos de agricultores do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul. Descendentes de italianos, de alemães, de poloneses e ucranianos. Para o povão do Rio, eram os catarinas. A formação que o diligente capitão apresentou ao general era simétrica: todos acima de 1,80 m de altura, todos brancos, todos robustos e corados. O general mandou dissolver o grupo. Ele quis dizer com "brasileiros" um preto, um branco, um amarelo, um alto, um baixo, um magro, um gordo, um mulato, um ... Ele queria representar a diversidade na unidade.

Mas Carlos Fuentes é mexicano. Lá predominam os índios, seguidos dos descendentes de espanhóis. Não sei quantos negros, mas não devem ser muitos. Mulatos não, mestiços sim. Mas, para outros povos, mulatos são mestiços. Isso para mostrar como os países latino-americanos são compostos diferentemente, na suposta mestiçagem.

Mas há um outro fator, que o escritor mexicano não tocou: que não somos daqui. Nossos vizinhos argentinos (de Buenos Aires) vêm a si mesmos como europeus. Como não temos povos nativos com a presença marcante como no caso da Bolívia, do Paraguai ou do próprio México, nós brasileiros sabemos que estamos aqui nesta terra, uns trazidos à força, outros por opção, e fizemos aqui a nossa terra. Aos índios vemos como nativos, aborígenes. Os demais não são nativos. Estamos aqui, não somos daqui.

Como será no México, onde a maioria de índios e mestiços é nativa, enquanto os brancos são ibéricos?

Carlos Fuentes também participa de tal raciocínio: "Pues no hay valores separados del contexto cultural que los nutrió. Y el respeto, el conocimiento y Ia aceptación de lo "distinto", incluso lo que pretende negarnos. Lo "otro", lo que me niega, me constituye y me enriquece en Ia medida en que me muestro receptivo a todo lo que no soy yo. La resolución del uno en eI otro, mi transformación mediante el contacto con lo ajeno y diferente, es parte del apasionante desafío del mundo mestizo y multipolar hacia el que vamos irremediablemente."

Na América Latina, os brancos mandam. Fazem o discurso da igualdade, mas são os que estão no ápice da piràmide social. Certamente que há exceções.

Não há conflito racial porque há um reconhecimento tácito dessa supremacia das elites. Em Porto Rico, faz-se o culto da cultura negra mas é a branca que chega à Academia. No México, o legado asteca é recorrente, está presente na mitologia nacional. Mas não os índios descendentes da I mesma cultura. Houve como que uma apropriação da cultura pelas elites, independentemente de seus representantes imediatos. Carfos Fuentes representa esta cultura melhor que os índios que estão marginalizados. A isso Carlos Fuentes parece entender coerência entre cultura e nação. Não se pretende ver a Carlos Fuentes como um alienado. Ele está mais consciente da problemática ameríndia do que nós, apenas que o equilíbrio crítico em que vivemos coloca-nos (a mim, a Carlos Fuentes) numa posição de privilégio cultural, em que nos apropriamos da cultura alheia para o nosso discurso. Na medida em que conhecemos a cultura negra, ou a indígena, nos absolvemos de qualquer alienação, e podemos falar em seu nome,o fazer a sua defesa.

Cultura pelos próprios negros ou índios é racismo ...
Bom mesmo é cultura no museu, isolada da realidade que a circunda.

Mas os museus estão deixando de ser lugar, para ser um enfoque, uma forma de representar cultura.
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Preso numa ilha do Caribe, é o lugar de olhar as desigualdades da América Latina. Exatamente em Porto Rico, que resiste à pasteurização ianque. Resta aos ilhéus a ibericidade que, em certa medida, abominam; e a cultura indígena, que estão recriando a partir de interpretações literárias e artísticas, para efeitos de retórica. Ah, perdão, resta também a mestiçagem, que é tanto mais absolvida quanto mais se embranquece.

Voltando à questão inicial: certamente existe vida inteligente por detrás do estereótipo de um latino-americano de bigodes, chame-se Carlos Fuentes, Zapata ou Bienvenido Granda. Quem coloca em dúvida não sou eu. Na pergunta é possível perceber um preconceito, que é por demais comum entre culturas. Mas não é hora de entrar em discussões que mais caberiam num ensaio. Apenas arranho a questão, porque Carlos Fuentes andou por Porto Rico no ano passado e as suas idéias continuam sendo difundidas e discutidas entre nós.

Fui ouví-Io, para confirmar a minha admiração por sua obra literária. Antes, por ser um escritor de primeira linha, de vanguarda. Agora, porque virou comentarista de questões latino¬-americanas na imprensa mundial e suas idéias têm importància para a compreensão de nossa própria realidade, e para que o resto do mundo nos entenda. Ele foi eleito um de nossos intérpretes, embora não se classifique necessariamente como um porta-voz. E está mudando sua imagem de um imaginador e criador de realidades, para ser o comentarista de uma realidade. Tudo indica que vai acabar também no papel de político, como pretendeu seu colega Vargas Llosa. Aí o discurso é outro. O público é que vai ter que buscar intérpretes para entendê-lo.




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Próxima crónica da série: (50) RETRATOS

Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de cronicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as cronicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".

Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.
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