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cronicas-->CONDICIONAMENTOS -- 17/11/2006 - 17:57 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

(RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 52ª. crónica da série*. São cronicas independentes não obstante formem uma sequência, na intenção de uma crónica de viagem contínua...)


(52)
CONDICIONAMENTOS



Judith anda nervosa, trabalhando como uma condenada, que é a sua forma de ser feliz. Mas ela não é mais a mesma, embora continue sempre igual. Percebeu que sua rotina é uma forma de morte, não é uma maneira de viver. Mas não sabe como supera-Ia sem desmoronar-se por completo.

Reaproximamo-nos, sem maiores envolvimentos. Vemo-nos sempre nos corredores, cumprimentamo-nos com assiduidade, trocamos palavras sem maiores informações mas que são como símbolos de simpatia e companheirismo. Sabemos que de comum só temos a condição de estrangeiros. E é quanto basta.

Esta semana ela esteve quase às raias de um ataque de nervos.

Preparando um seminário, o que a coloca sempre em cheque, na berlinda. Uma aluna dela contou-me que, há pouco tempo atrás, encontrou-a dando uma conferência para um auditório vazio. Os porto-riquenhos não são pontuais. Quando ela estava terminando é que apareceram, para a atividade seguinte. Ela nem reclamou, saiu com a consciência do dever cumprido. Agora prepara um apresentação, com as minúcias de um plano de guerra, que revisa e revisa em aproximações infinitas.

O nervosismo deixa-a gaga e incomunicável. Quando não funciona o microcomputador sai em estado de desespero pelos corredores, em busca de socorro. Não pede, reclama aos gritos. Ninguém se perturba. Maura atende-a com uma paciiência tensa, polida. Ela o interrompe em qualquer circunstància, como se o mundo estivesse desmoronando. Quando tudo está em ordem, depois de superado o problema, vem pedir desculpas. Se ele não está, justifica-se com o primeiro que encontra, como se fosse tudo parte de uma mesma ópera bufa. Todo mundo sabe de que se trata e dá um sorriso de solidariedade.

Encontro-a entulhada entre papéis de um estudo encomendado pela administração. Excesso de dados. Ela transita da impaciência para o estado de desespero. Fecha e abre o cartapácio, quer deixá-Io mas o dever obriga-¬a a continuar na mesma obra. Olha-me com certa doçura, como pedindo socorro ou salvação.

Busca palavras, saem ruídos ininteligíveis. Digo-lhe "take it easy", tentando ajuda-Ia. Desiste de falar, reinicia. Entendo que deseja vencer aquela situação. Qualquer outra pessoa, em tais circunstàncias, "saía numa boa, dava a volta por cima". Ela, afunda-se. Percebi que queria minha ajuda. Não para a tarefa, mas para sair da rotina. Acabou revelando o seu desejo: ir comigo ao cinema. Disse que sim, quando quisesse, tentando salva-Ia. Mas, depois de um silêncio resignado, completou:

- Tem que ser no fim de semana, naturalmente .

O naturalmente soou anti-natural, pesado, queixoso.

Encontro o santo do Maura, igualmente afundado em tarefas burocráticas. Comento que Judith anda irascível e que, tentando dominar-se, coça as nádegas. Um reflexo condicionado, um escape. Ele fulmina, como vingando-¬se de seus acossos:
- Deve ter aprendido com os cães de sua estima.




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Próxima crónica da série: (53) ANTROPOFAGIA
Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de cronicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as cronicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".

Crónica do livro: Miranda, Antonio. Relógio, não marque as horas: crónica de uma estada em Porto Rico. Brasília: Asefe, 1996. 115 p.



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