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Contos-->As peripécias da minha irmã DETINHA -- 22/12/2011 - 12:05 (Ilário Iéteka) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AS PERIPÉCIAS DA MINHA IRMÃ DETINHA


Maria Odete era uma menina de cabelos loiros, branco como uma paina, com olhos verdes brejeiros. Seus cabelos cortados retos na altura da nuca, na frente aparados no mesmo estilo, muito usado entre as meninas do lugarejo. Polaca esperta estava ali, desde jovem gostava de aprontar, agarrada com papai e seu colo sempre foi dela. A menina era falante, observadora, nada escapava de seus olhos.
Para nós de casa, era conhecida como Detinha. A menina era a espiã do papai, quando à tarde se aproximava, a danada ficava na espreita. Fofoqueira, tudo que acontecia durante o dia, ia parar no ouvido do nosso pai, como era o peixinho e paparicada, aproveitava-se dos irmãos, qualquer deslize, estávamos fritos com a menina. Não tinha agrado ou suborno, a Detinha era terrível.
Num certo dia acabamos nos distraindo, numa brincadeira de mau gosto machucamos o filho do vizinho, a menina viu e nos ameaçou, dizendo:

- Vou contar tudo pro papai? Vocês vão ver só!

Foi o suficiente para deixar os irmãos em polvorosa. Como gostava de enfeitar o pavão, sabíamos que desta vez acabaríamos levando uma surra, ficamos com receio do que ela iria contar e inventar. Meu pai mal chegou do trabalho, a menina foi direto para seu colo. Começou a narrativa dos acontecimentos do dia. Papai ouvia as coisas mirabolantes que ela ia lhe dizendo e nós num canto da cozinha esperando por uma surra certeira. Para nossa sorte, papai não acreditou em tudo que ela falou, no fim meu pai disse:

- Filha, eu não acredito...
Ela estava tão entusiasmada com sua fofoca e respondeu:
- Eu também não acredito!
Foram só gargalhadas e escapamos de levar uma surra por pura sorte.

A Detinha sabia como fazer chantagens, inteligente e sapeca, tínhamos que ficar de olho aberto, nos cuidar, do contrário a coisa ficava preta. Com o tempo a menina começou fazer suas traquinagens. Ela e nossa outra irmã Lila encontraram um sapo morto, resolveram assustar os moradores. Próximo da nossa casa tinha uma porteira, muitas pessoas eram obrigadas a passarem por ali, para irem até o armazém. A Detinha que era cara de pau, pegou o sapo morto com a irmã, levaram para casa e lá fizeram o trabalho desejado. Costuraram a boca do batráquio com fio vermelho, fizeram um laço de fita preta e vermelha, colocando em volta da cabeça do bicho, pegaram dois tocos de velas e saíram a fim de testar a coragem dos vizinhos. Perceberam que não havia ninguém por perto, iniciaram a molecagem. Elas prenderam o sapo na tramela da porteira, colocando os tocos de velas ao lado, realmente ficou esquisito, parecia um feitiço de macumbeiro. O povo do lugarejo é supersticioso, tinham certeza que dariam boas gargalhadas dos corajosos e valentões.
Elas se esconderam num lugar próximo e aguardaram para ver no que iria resultar daquela coisa bizarra. Não levou dez minutos e chegou o primeiro homem montado em seu cavalo, não deu outra, o moço fez o sinal da cruz três vezes, apeou e ajoelhou fazendo uma oração. Ele montou em seu cavalo retornando por outra estrada, o pobre não teve coragem de tocar na tramela e abrir, fez um percurso de cinco quilômetros, deixando o destino a trezentos metros. Quando o rapaz chegou no armazém foi aquele alvoroço, fez um longo comentário sobre o espetáculo horroroso que encontrou na porteira do velho Felipe. Disse aos amigos:
- Preferi dar uma volta enorme, só para não tocar naquela maldição! Sou supersticioso, tenho medo destas coisas! Vocês que se acham corajosos? Então vão até lá e tirem aquele feitiço.

Ninguém se atreveu, como dizia a expressão “quem tem c..., tem medo”. Para as meninas foi o auge, riram tanto que faltava o ar para respirar. O pobre sapo permaneceu dois dias naquela porteira, as pessoas passavam a cem metros de distância, foi pândego, vizinhos passavam debaixo de fios de arames farpados perigando rasgar as roupas e machucar para não aproximarem da porteira.
Minha irmã depois de dois dias retirou o sapo do lugar. È incrível como se pode meter medo nas pessoas, uma pequena brincadeira assustou muita gente. A Detinha e Lila ficaram de bico calado, com medo de serem descobertas e levar uma surra de suas amigas. Depois disto permaneceram por um longo tempo sem aprontar peripécias. Fizeram outras pequenas safadezas, estas sem alvoroços.
Minha irmã Odete era curiosa ao extremo, queria saber qual a diferença entre um menino e uma menina. Meus pais sempre despistavam com respostas esdrúxulas, a danada resolveu descobrir sozinha uma maneira de solucionar a sua dúvida. Sabia que não era tão difícil, pois tinha três irmãos, iria achar um jeito para nos ver trocando de roupa e assim veria a diferença das nossas genitálias. Tentou de todos os meios e não obteve sucesso. Pensou, arquitetou e acabou com uma idéia maluca, disse:
- Já sei como vou ver! Estava tão fácil e eu nem me toquei, desta vez descobrirei o segredo, vai ser hoje mesmo. Vou esconder-me atrás da privada, quando meus irmãos vierem fazer suas necessidades fisiológicas, é só agachar e olhar para cima, por este buraco da para ver a parte de trás deles.

Apesar de todos seus cálculos, Detinha se esqueceu dos imprevistos. Jamais esperava uma fatalidade e esta lhe pregou um castigo. Ela não sabia que um dos irmãos estava com disenteria, para o seu insucesso este é que veio cair em seus planos. Ao perceber que o irmão vinha correndo para a casinha, não titubeou e deitou-se, preparou-se para colocar a cabeça no buraco logo que seu irmão sentasse na patente, não deu outra, ele sentou e ela enfiou a cabeça. A diarréia foi o seu pior desespero e recebeu uma chuva dela pela cara. Detinha não conseguiu ver nada, não pode gritar teve que sair as pressas toda lambuzada e tinha merda até nos olhos, sua blusa fedia mais que carniça.
Nós, os irmãos mais velhos, ficamos sabendo anos mais tarde quando ela nos contou, dizendo que ainda sentia o cheiro horrível daquela descarga. Disse:
- Depois daquilo acabou a minha curiosidade. Abandonei tudo para casar, deixei a vida do interior e vim morar na capital do Paraná.
Em Curitiba fez grandes amizades, mas não deixou o mundo das traquinagens na casa dos pais, trouxe o quite de aprontar junto com ela. Detinha sabia que suas vizinhas tinham medo, certo pavor de mendigo e assim achou o assunto, um campo fértil para reviver as brincadeiras. Para ela não era trabalho de se vestir de mendiga, mas pura diversão. Ela gostava de fazer estas surpresas no cair da noite, num horário apropriado, antes que as vizinhas recebessem seus maridos da volta do trabalho. Tinha um jeito todo especial para representar, colocava o vestido no lado avesso, fazia alguns remendos, amarrava um lenço na cabeça, colocava meia de nylon para cobrir o rosto, pois apertado contra a pele dava a sensação de defeitos faciais. Também usava óculos escuros, pintava a cara, fazia o diabo. A mulher deformada assustava qualquer um, enchia um saco com coisas leves e lá ia a dona Detinha pelas esquinas no meio do breu. Não escava ninguém de suas diabruras, parentes, amigas, vizinhas, todas eram visitadas e chegava pedindo dinheiro, roupas, pousada, dizia-se muito pobre, que não negassem um prato para uma pobre coitada. Abandonada pela família, com um disfarce perfeito, tom da voz irreconhecível, dificilmente alguém a reconhecia. Era insistente, xingava, fazia ameaças de invadir a casa, pedia tudo e deixava as pessoas malucas, fazia exigências absurdas, passava dos limites. As mulheres se enfureciam, xingavam maloqueira, vagabunda, diziam:

- Vai trabalhar!, Se não for embora agora mesmo irei chamar a policia!

Quando a coisa começava ficar feia, Detinha começava a dar gargalhada das amigas. Ao identificar-se muitas não acreditavam que era a sua vizinha Odete que estava fazendo tamanha arruaça. Depois de reconhecida, as vizinhas chamavam de desgraçada, safada, mas tudo acabava em festas, abraços e risos. Minha irmã fazia sucesso com estas brincadeiras.
Minha irmã parava por um tempo, mas com o intuito de planejar novas confusões. Dona Erondina veio morar em frente a sua casa, não sabia que minha irmã gostava de fazer tais brincadeiras, em pouco tempo a amizade entre elas fortalecia um vinculo fraternal, eram como se fossem duas irmãs. Morando sozinha na casa, os pais e irmãos ficaram no norte do estado do Paraná. Raramente seus parentes a visitavam. Minha irmã sabia tudo sobre a família da nova amiga, entre conversa vai conversa vem, decorou o nome de todos os elementos daquela pobre mulher, foi o suficiente para preparar um belo susto. Aguardou um dia apropriado para a safadeza.
Num dia chuvoso, frio, ao cair da noite, com pouca visibilidade, Detinha chamou uma de suas vizinhas, que já tinham passado por um trote, para uma ajudinha na fantasia de mendiga. Em pouco tempo, as duas estavam manipulando maquiagens, pintando as mãos e rosto de preto com pó de carvão, pintaram os lábios de vermelho vivo, o cabelo ficou armado como um ouriço acuado por um cão. Ate um tapa olho foi colocado, só que ficou mais para bruxa do que pirata. As roupas no avesso como era o costume, em cima de toda esta parafernália um casaco xadrez de cores vivas, ficava horripilante, com uma malinha pequena, dirigiu-se para a residência da Dona Erondina. Passava das dezenove horas, chegou no portão e meteu o dedo na campainha, não parou enquanto a dona não o atendeu, a pobre senhora com muito medo, apenas olhou através da janela. Minha irmã disfarçando a voz perguntou se era ali que morava a Dona Erondina, que morou na cidade de Jussara, no norte do Paraná. A senhora assustada respondeu:
- Sim, sou eu!
- Você não esta me reconhecendo? Eu sou a tua irmã Maria, a mais velha!
- Não pode ser! Não!! Na minha família não tem gente tão feia assim! Você esta enganada, você é louca, sai da frente da minha casa se não vou chamar a policia!
Minha irmã continuou insistindo:
- Mana? Não é possível você não reconhecer a própria irmã! Ficou rica ou está cega, porque está desprezando sua gente? Por favor venha abrir o portão pra mim, estou congelando aqui fora!

Dona Erondina, coitada, estava apavorada, tinha certeza que aquela mulher era uma impostora querendo lhe roubar. A Detinha sabia o nome de seus pais, para tentar convencê-la disse o nome do seus irmãos, contou que eles tinham mandado lembranças, que a saudades dela era muito grande, a dúvida aumentou quando minha irmã contou que o seu cachorro pingo morreu. A pobre mulher não sabia se acreditava naquela mulher, pensava como aquela mulher tão feia sabia tudo da família. Indagava que a irmã Maria era bem clara, e a mulher tinha a pele escura. A senhora não se conformava com a feiúra, afirmava para ela mesma que a mulher era feia demais para ser da família, parecia mais com o diabo. Perplexa, respondeu :
- A senhora vai me desculpar, deve haver um engano. Eu não posso te dar guarida, procure outro lugar pra pousar!

Para aumentar o drama da novela, minha irmã enfureceu e as duas começaram a discutir, a coisa começou a pegar fogo, Dona Erondina ameaçou chamar a policia. Para abrandar o ânimo da situação, a Detinha resolveu se identificar, mas mesmo assim ela não conseguia acalmar a amiga. Só depois que chamaram a vizinha para confirmar que realmente era sua amiga Detinha. Minha irmã disse:
- Agora pode abrir o portão sem medo, vamos dar boas gargalhadas deste episódio alucinante.
Meio assustada com todo o episódio, Dona Erondina disse:
- Espere um pouco. Primeiro, tenho que beber água com açúcar.

Ainda perplexa, a pobre examinou bem a amiga Detinha para depois abrir o portão. Minha irmã foi xingada de lazarenta, desgraçada, filha da p... porém um abraço forte veio acalmar as duas. Detinha sentiu que seu coração ainda pulsava em ritmo acelerado. A vizinha, coitada, falou que quase teve um chilique de susto e retrucou espontaneamente:
- Detinha você é uma sacana!,Foi uma loucura... pensei que desta vez iriam acabar comigo. Foi incrível, que idéia formidável, só poderia vir de você amiga. Como consegue uma interpretação dramática, você deveria trabalhar em teatros. Foi perfeita!! Jamais pensei passar por um susto desta magnitude. Principalmente quando você ameaçou arrancar meu portão, naquela hora não poupei palavrões.
As amigas não paravam de rir, Dona Erondina convidou as duas vizinhas que armaram a fantasia para tomar café, na esperança de espantar o terror daquela noite. Porém prometeu dar o troco para minha irmã, isto ficou só na promessa.
Passado um bom tempo Detinha foi convidada pelas suas amigas para ir na casa da Julia, participar de uma demonstração de produtos de beleza. Elas diziam com entusiasmo:
- Amiga, você não pode faltar! Venha é tudo de graça, queremos a sua presença. Venha contar suas safadezas porque você é um show a parte. Só vai pagar se ficar com os produtos que lhe agradarem, isto não é obrigatório. Venha contamos com você, vai ser neste sábado á tarde.

Minha irmã adorava estes encontros, não faltaria mesmo e gostava de um bom papo. Trataria da pele, sempre foi cuidadosa com a aparência. Se a profissional fosse educada, gentil, com certeza Detinha compraria alguns dos produtos, pois não era uma aproveitadora. Ás quinze horas lá estava o grupinho reunido, papo vai papo vem, algazarra corria solta, piadas de arrepiar os cabelos. A promotora faturando alto com suas massagens, limpeza de pele, batons, esmaltes e outros badulaques. Chegou a vez da minha irmã, toda faceira, desinibida, sorridente, fazendo gracinha para as amigas, sentou-se toda garbosa. A atendente, muito simpática, fez uma pergunta pertinente, perguntando qual era sua idade, todavia minha irmã era daquelas que não gostava de dizer quantos anos tinha. A profissional, percebendo a gafe, tentou contornar a situação, dizendo:
- Meus produtos variam de idade para idade, não quero estragar a pele de minhas clientes.

Minha irmã toda deslumbrada, pensou em mentir a idade para receber um elogio. Detinha tinha 35 anos, pensou em aumentar dez anos para ver o que a atendente iria comentar.
- Eu estou com 45 anos!
Na espera de um elogio, como sua pele está nova ou lisinha como ceda, não parece ter esta idade, só que ouviu outra coisa. A mulher foi enfática, dizendo:
- Por isto que sua cara está cheia de rugas e pés de galinha!!! Mas pode ficar tranqüila, com os produtos que tenho você vai rejuvenescer dez anos.

Isto foi pior que um tapa na cara, minha irmã perdeu a cor, foi como se a moça jogasse uma jarra de água fria em seu rosto. Detinha escutou uma resposta não desejada, teve vontade de dar um soco na cara da garota, perdeu o riso, sentiu-se ofendida, chamaram-lhe de velha por tabela. Como estava sentada deixou a moça acabar o trabalho, a vendedora estava eufórica pensando fazer uma boa venda, enganou-se, minha irmã mal agradeceu o serviço prestado. Detinha naquele momento, pela a atitude da profissional, achou a ação da vendedora sem escrúpulos, sem ética, se fosse inteligente de verdade, poderia ter usado argumentos mais qualificados e com certeza minha irmã faria boa compra de seus produtos. Pensava:
- Comprar por quê? Se ela disse que eu ficaria com a aparência de uma mulher de 35 anos. Se estou com esta idade não vi motivo para gastar. Foi uma das piores decepções que tive na vida referente a este insulto.
Chegando em casa, minha irmã acordou para a realidade, passando a mágoa, começou a rir da própria esperteza. Concluiu que na verdade ela parecia uma matuta querendo sair bem na foto. Resolveu contar para as amigas, desta besteira quase morreram de tanto rir da cara de Detinha que sempre se mantinha como a esperta da rua. Depois dessa feita, as vizinhas faziam piadinhas todos os dias de sua pessoa, como se no fundo se sentissem vingadas pelas travessuras que assustavam.
Maria Odete, Odete, Detinha...Na verdade, minha irmã era uma mulher geniosa, parceira para bagunças, uma eterna adolescente reivindicando atenção de todos. Apesar das dificuldades da vida, nem a tristeza tirava sua alegria, levava a vida brincando, porém sua morte prematura, em uma fatalidade automobilística, foi o desfecho de suas histórias mirabolantes que são muitas pelos anos de vida que esteve ao nosso lado. A sua ausência nos deixa uma grande lacuna. Porém ao falar de Detinha não lembramos dos últimos momentos de vida, mas das peripécias da nossa irmã que marcaram a geração da minha família.

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