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Artigos-->Festa Aviatória -- 04/02/2003 - 08:37 (J. Eduardo P. Pontes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Festa Aviatória





Prólogo



Eram tempos difíceis, 1965, a revolução comendo solta e o nosso Aeroclube

de Bauru meio abandonado porque aviação parecia ser uma coisa imprópria

devido à caça às bruxas.



O aeroclube era tocado pelo "Orlando do DAC", fiscal, guarda-campo,

instrutor de avião e rebocador; pelo "Massa", secretário, motorista, galo

de briga, feitor, rebocador e instrutor de planador; e eu, que ajudava

como podia, limpando e mantendo os planadores e implorando aos poucos

alunos os quais eu recolhia na cidade com a "jardineira" do aeroclube para

que pudesse voar um pouco dando "instrução" e até levando "passageiros".



Foi quando um iluminado da direita, percebendo a mudança que viria na

aviação civil, decidiu promover uma festa aviatória no mês de Abril,

aniversário do aeroclube.



Em Bauru sempre foi muito fácil atrair público para o "campo de aviação",

um dos esquemas era decolar com qualquer avião, sobrevoar a cidade a uns

300 metros, cortar a mistura fazendo o motor dar alguns estouros e voltar

para o campo, em pouco tempo aquilo enchia de gente, uma vez combinamos a

operação botando fogo em alguns pneus, perto da pista, e, além de muita

gente, vieram também a polícia e os bombeiros.



Desta vez contudo a coisa era mais séria pois deveriam vir aviões de

outras cidades, autoridades e políticos e era necessário "tirar a poeira" da

frota além de fazer muito movimento e alguma coisa sensacional como

acrobacia com planador. Para tanto foram feitos os contatos com São José

dos Campos para convocar os "azes" ficando combinado que nós

providenciaríamos os traslados com a devida antecedência sendo o "Massa"

encarregado dos reboques nos quais eu iria como "saco" para qualquer

eventualidade.



A ida



Os preparativos para o primeiro vôo a São José dos Campos foram feitos com

a seriedade requerida pela importância da missão além da emoção da visita

ao "Olimpo". Na véspera eu me encarreguei de preparar o avião, um

Paulistinha P-56 com potente motor Continental de 95 HP e hélice de passo

fino, prefixo PP-HMU, o qual eu limpei por fora e por dentro, com o

aspirador de pó da minha mãe, além de abastecer "até a boca" e acomodar a

carga que era composta de grandes pacotes com folhetos de propaganda, da

festa é claro, que deveriam ser jogados em algumas cidades da rota; a

missão secundária.



Madrugada da partida e lá estávamos o "Massa" e eu, vestidos a caráter com

camisa branca, gravata preta e calça azul-marinho, meu antigo uniforme de

colégio que se transformou em roupa de aviador, exigência do "Massa" que

além da indumentária trazia debaixo do braço um enorme mapa, uma

régua de plástico de uns 60 cm bem como esquadros, transferidor e, nos

bolsos, lapiseira e lápis vermelho, instrumentos indispensáveis para a

importante navegação.



Abordamos a aeronave e nos acomodamos, eu muito mal sentado em cima de uma

camada de pacotes , com a cabeça entalada na ferragem da cabana e

segurando com os cotovelos a pilha de pacotes no bagageiro sem poder amarrar o

cinto de segurança quando ouço o "Massa" dizer - " Livre !!!"- ao mesmo

tempo que percebemos que não há ninguém para dar hélice e eu tenho que

descer para a tarefa. Voltando para dentro me acomodo pior ainda, com os

pacotes se espalhando, e lá vamos nós .



Proa de Agudos, nosso primeiro alvo, e logo descemos fazendo uma

passagem bem sobre a praça principal, à altura de “meia torre”, quando eu

começo a atirar os maços de folhetos lutando contra o vento e as manobras

do "Massa" para desviar da igreja voando tão baixo que parecia ter a

idéia de que eu ia entregar os folhetos nas mãos das pessoas que olhavam

para cima com curiosidade e algum espanto.



Mais umas passagens e eu disse para o "Massa” prosseguir para Lençóis

enquanto eu tentava dar um pouco de ordem no bagageiro e no meu banco.

Pouco tempo depois olhando no horizonte vejo Bauru (?), aviso o "Massa" que

imediatamente inicia uma curva e diz com sabedoria - " Eu estava

checando..." - e assim continuamos passando por São Manoel, Botucatu, e

outras até que em Piracicaba acabaram-se os folhetos e iniciamos a

navegação propriamente dita tomando a proa mais provável para Campinas .



Avião estabilizado no céu azul da manhã com o sol forte na frente e uma

porção de cidades no horizonte das quais o "Massa" escolhe uma e apontando

diz - " Campinas na proa..." - e assim continuamos apreciando a paisagem em

direção à grande cidade da qual vamos nos aproximando para sobrevoar com

precisão a estação ferroviária com sua esplanada de trilhos e o grande

armazém em cujo telhado estava escrito Jundiahy acompanhado de uma seta e

a inscrição 6km.



Continuamos na mesma toada deixando a inconfundível São Paulo à direita até

encontrar a Via Dutra a qual acompanhamos em todas as curvas além de uma

de 360 graus sobre Jacareí a qual o "Massa" explicou tecnicamente - "É

para checar o ângulo....”, daí seguimos até o trevo da estrada que ia

para o litoral a qual tomamos com uma curva para a direita seguindo até

encontrar a pista do ITA/CVV entrando imediatamente no tráfego e pousando

com vento de cauda. Taxiamos até a cabeceira oposta onde já estava o

"Olympia" PT-PBM sendo preparado por um pequeno grupo de pessoas entre as

quais o "Ekki".



A Volta



Após os cumprimentos de praxe e uma breve ida até o matinho atrás do hangar

iniciamos os preparativos para a volta e, enquanto o avião era

reabastecido, o "Ekki" fazia um longo "briefing" com o "Massa" combinando

os detalhes da "navegação" e eu entreouvia frases como -" Não, não,

Campinas é pra lá...." e outra - " Você não precisa se preocupar, eu puxo

a sua cauda e você mantém a proa, é simples.....". Finalmente ficou

definido que faríamos uma parada para reabastecimento em Campinas e daí

direto a Bauru.



Decolagem sem problemas seguida de longa curva para a esquerda que

continuou até o primeiro puxão do "Ekki" ajustando a proa para “Campinas” e

continuamos subindo com leves correções do "Ekki" até o ponto em que o

"Massa" tirou os pés dos pedais passando a cuidar apenas dos ailerons e do

profundor.



Quando sobrevoávamos Campinas já na vertical do Campo do Amarais

provavelmente a uns 1.500 metros sentimos um leve tranco e, após alguma

hesitação, olhadas para trás e um pouco de debate, chegamos a inevitável

conclusão de que o "Ekki" havia desligado, assim o "Massa" reduziu o motor

iniciando uma descida. De repente percebemos à nossa esquerda o "Olympia"

emparelhando em uma picada que foi seguida de um "looping" e daí em diante

um verdadeiro ensaio geral para a festa.



O "Massa", por sua vez, tomado de entusiasmo incontrolável iniciou uma

série de reversões e, de "G" em "G", perdemos toda aquela altura pousando

em tempo de continuar assistindo à demonstração do "Ekki" sendo que o

"Massa", com ares de entendido, explicava aos locais cada manobra - " Agora

ele vai fazer um "reversemanche" para a direita....." e lá vinha um estol

de badalo, e assim por diante.



A última manobra foi um rasante seguido de um "peel off" suave matando a

velocidade em baixa altura continuando na mesma curva para entrar em uma

reta final muito curta parando subitamente e exatamente no início do

terreno da pista, com uma pequena nuvem de pó, sem mesmo deixar cair as

asas. Eu fiquei extasiado muito embora achando que ele deveria ter esticado

a corrida até perto do hangar para maior efeito, mas, humildemente, corri

até lá para ajudar.



Bonito e triste; na última curva, que foi muito baixa, o meu herói cruzou

com um par de fios telefônicos de uma linha que corria paralela à pista e,

graças à inclinação e muita sorte, os fios atingiram exatamente o centro

das asas pelo lado esquerdo da fuselagem quebrando o "plexiglass" na parte

alta do capô e deixando uma marca de corte no bordo de ataque antes de se

partirem. O obstáculo causou brusca redução da velocidade seguida de uma

bela placada exatamente no início do terreno da pista como já disse.



Decisões e ações rápidas lá fui eu pela oficina do aeroclube adentro com a

cabine na mão e, com uma tesoura, um pedaço de contra-placado de 1:32 e um

pouco de fita crepe dei a minha contribuição para a indústria aeronáutica,

eu era aeromodelista dos bons, repondo o pedaço de "plexi" na forma de uma

aba que não prejudicaria a visibilidade e daria uma sombrinha na cabeça do

piloto, afinal o "Ekki" merecia.



De volta à pista, planador em posição, recoloco a cabine e ouço do outro

lado a filosófica expressão do "Ekki" - "Arrêgo ..... ". Na raiz da asa,

do lado esquerdo junto ao bordo de fuga uma rachadura vertical de cerca de

30 centímetros , o suficiente para cancelar qualquer vôo.



Rabo entre as pernas, arranjos para guardar o planador, e viva discussão

para provar que caberíamos os três no Paulistinha, que peso não era

problema pois havíamos decolado de Bauru com cerca de um "Ekki" e meio em

folhetos e que o avião era forte, com hélice especial e coisa e tal até que

algum bom-senso prevaleceu e lá foi o "Ekki" de carona para a cidade e eu

com o "Massa" decolando na direção geral de Bauru.



Com a história toda já era o fim do meio da tarde e o horizonte para o

Oeste tinha a cara meio torta com algumas bigornas aparecendo a distâncias

indefinidas e o fundão das nuvens já ficando escuro. Eu sentia frio e

fome prestando atenção aos detalhes do vôo e ouvia o "Massa" perguntando para ele

mesmo em voz alta - " Vamo por cima ô por baxo ô vamo entrá nisso aí

?...... " - decisões de piloto. Foi quando o avião deu a sua colaboração

inestimável começando a falhar e recusar o ajuste de mistura e lá fomos

nós para a primeira, e única, pista visível onde pousamos e fizemos um

escândalo danado com o "Massa" checando mistura e magnetos com o motor em

alta rotação naquela de tentar tirar a pane pelo escape. Pelo sim pelo não

avião no chão e nós, após descobrir onde estávamos sem perguntar a ninguém,

eu achei o nome da cidade na placa de inauguração do hangar, e disse

baixinho para o "Massa", - " Eu aaacho que é Aguas de São Pedro." -



Avião guardado, guarda-campo enérgica e devidamente recomendado pelo

"Massa", debaixo de chuva forte fomos de carona em um jipe até Torrinha

onde tomamos o trem da Paulista chegando em Bauru de primeira classe

pontualmente as 22:42 hrs.



Epílogo



A festa foi realizada normalmente na semana seguinte conforme a data

prevista nos folhetos, o avião por sua vez foi reparado e resgatado a

tempo de participar da festa. A turma de São José colaborou trazendo com

algum esforço um BN-1 e outro Olympia que foram pilotados, se não me

engano, pelo Claudio Junqueira e pelo Guido Pessoti que faziam

demonstrações de acrobacia em "dueto" que eram famosas por terminarem com

os dois pousando em sentidos opostos e parando frente a frente. O "Ekki"

não foi na festa porque estava de "gancho" provavelmente devido a alguma

das muitas injustiças que se faziam aos mais jovens naquela época.







"Massa" - Benedito Pinedo, de origem humilde porém orgulhosa, filho do

"seu" Bicas que era mecânico dos bons, com muito esforço foi piloto e

instrutor de avião e planador, seu irmão mais velho Oswaldo Pinedo foi

também aviador tendo morrido em um acidente antes do meu tempo. O "Massa"

foi muito importante na minha juventude em vários aspectos além da

instrução em planador. Ainda jovem teve uma morte muito triste e quero em

Deus que ele já esteja bem e que possa de vez em quando estar comigo em um

dos meus vôos.



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