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Contos-->AVÔ TOZÉ, PESCADOR E POETA -- 18/08/2012 - 12:22 (Gabriel de Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

AVÔ TOZÉ,

PESCADOR E POETA

 

A

ntónio José era um pescador muito popular na sua terra. Toda a gente gostava das histórias que ele contava, descrevendo os momentos de perigo que passara no mar durante a faina da pesca. A mulher, os filhos e a nora ajudavam-no na reparação das redes e na venda do pescado. Tozé, como todos o conheciam, passava os momentos livres a fazer versos sobre tudo e sobre nada, quadras que ele imaginava com enorme facilidade e que pedia aos amigos para escrever naquilo que estivesse mais à mão, fosse a margem de um jornal, uma toalha ou um guardanapo. Quando chegava a casa, metia os pequenos fragmentos de papel numa velha caixa de sapatos. A mulher, como ele, também não sabia ler nem escrever. Os filhos tinham a instrução primária. De vez em quando, pedia aos filhos para lhe lerem alguns versos.

 

Q

uando nasceu o seu neto Tiago, o coração do Tozé quase explodiu de alegria. Era como se fosse pai pela terceira vez. A “caixa dos versos” continuou a encher-se de bocadinhos de papel, agora em ritmo mais acelerado.

Toda a família jurou que Tiago, contrariamente ao resto da família, iria estudar. Os tempos tinham mudado e uma pessoa sem instrução tinha muita dificuldade em arranjar emprego. Logo que o “Tiaguinho”, como ele lhe chamava com ternura, foi para a escola, o avô perguntava-lhe frequentemente se já sabia ler. Um dia, a resposta há tanto esperada fez brilhar os olhos de António José:

- «Já comecei a ler, avô, mas porque me fazes essa pergunta tantas vezes? E há tanto tempo?».

- «Tenho uma caixa cheia de versos feitos por mim. De vez em quando, vou pedir-te para me leres alguns, pode ser?».

- «Está bem avô!».

Assim aconteceu e, passados alguns anos, até o Tiago já escrevia poesias que o avô ouvia embevecido.

 

Q

uando chegou a hora de António José partir para a viagem sem regresso, a caixa lá ficou, abandonada, mudando de sítio ao acaso das limpezas da casa. Um dia, Tiago resolveu colocá-la no sótão, não fosse ela perder-se. Quando já tinha completado o 12º ano e entrara na faculdade, lembrou-se um dia de ir revisitar a caixa do avô Tozé. Que saudades tinha dele. Da sua calma, do seu carinho e da sua bondade. Releu algumas quadras e, a partir daí, lia quase todos os dias algumas, atando com um elástico as que já tinha lido.

 

N

um frio domingo de Dezembro, em que não apetecia sair de casa, Tiago, depois do almoço,  deitou-se um pouco com a intenção de dormir uma sesta. Olhou, porém, para a caixa do avô, que agora estava na estante do seu quarto, e logo saltou da cama para a ir buscar. Remexeu os bocados de papel de todos os tamanhos e feitios, que ainda não tinha lido, e chamou-lhe a atenção um, escrito com letras grossas de uma caneta de feltro verde. Pegou nele e leu:

«A poesia aqui deixada,

Obra dum analfabeto,

Talvez seja publicada

Graças ao meu querido neto.».

Um ano depois, pelo Natal, aparecia nos escaparates das livrarias o livro “António José Seabra – Quadras de um poeta esquecido”. Onde quer que ele esteja, Tozé sentiu decerto uma alegria quase igual àquela que sentira quando o neto nasceu. Era um poeta esquecido, mas finalmente relembrado. Só agora podia repousar em paz.

Gabriel de Sousa

 

NB: 2º Prémio nos 42ºs Jogos Florais Internacionais de Nossa Senhora do Carmo – 2012 (Fuseta)

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