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Contos-->HORAS OU MOMENTOS -- 18/09/2012 - 16:04 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Insone, a cidade cochilava sob o manto da escuridão. Caiu a noite sem luar e sem estrelas, nenhum ser luminoso brilhava no céu. Vez por outra, o breu da noite era riscado pelo clarão de foguetes, sinalizando a chegada de drogas ou a aproximação da polícia. A luz de emergência de uma viatura passa em grande velocidade seguida do som ensurdecedor da sirene. Biba e Leonardo se escondem nos escombros de um prédio em ruína. A sombra da morte os perseguia. Eles precisavam adquirir mais drogas para o consumo.

 Na esquina o cachimbo aceso liberava fumaça de cor indeslindável tal era a mistura de substâncias em combustão. Eles ocultavam seus vultos cambaios visivelmente exaustos, enquanto se  afastavam da cena do crime.Tília nunca foi presa por pequenos furtos. Sempre alegava que acontecera apenas um esbarrão e se dizia estudante, exibindo um livro que nunca lia. Cresceu de cima para baixo como rabo de cavalo e, quando se envolveu com tráfico de drogas, o corporativismo do pai não prevaleceu. Foi apanhada com a “mão na botija” pela ronda do tenente Duran. Não adiantaram os protestos: “Sou filha de oficial.” Era verdade, a informação constava em sua identidade e esse registro em época de ditadura, salvou a pele de vários filhos de militares, envolvidos em crimes menores. Mas o tenente Duran era aroeira de sete cascas...Por causa do tráfico, ela curtiu meses de cadeia em presídio feminino do Rio de Janeiro, até conseguir, a custa de muito dinheiro, provar que a quantidade de drogas que portava não era aquela informada no processo. Não negou a droga dos bolsos, alegou que tinha pequena quantidade, o suficiente para alterar seu enquadramento de traficante, para usuária. Conquistou a liberdade mediante o arrolamento de falsas testemunhas e a contratação de um advogado de porta de cadeia, conhecido por Diabo Louro. Ela escreveu com mão canhestra a história de sua vida e deixou a imagem gravada em monumento de cera. Associou-se ao tráfico de drogas e entregou-se à prostituição. Dividiu,  com outra prostituta, as imundices e depravações de uma cafua de bordel na Vila Mimosa. Comeu do fruto proibido e bebeu água do Nilo, ferida pela a vara de Moisés.

A notícia de sua morte  foi divulgada na “Folha da Madrugada”, um jornal de poucas páginas, desses vendidos no sinal de trânsito por um quarto de real: 

 

Uma mulher de nome TíliaHabran, conhecida na VM por Conchita, foi encontrada morta, na madrugada de ontem, em um quarto-e-sala da rua Ceará, com um tiro no peito, dois na cabeça e um na perna... Segundo versão dada por populares, a vítima explorava a venda de bebida alcoólica e drogas, e teria sido morta pela amante. A polícia suspeita de Biba, que vivia um triângulo amoroso com Tília e Leonardo. Biba e Leonardo não foram localizados pela polícia.

 

Robert soube da morte de Tília por informação de Talita, que, ao noticiar o fato, pediu uma audiência com ele.

— Quero convidá-lo para um sarau.

— Sarau?

— Uma tertúlia literária. Tenho um projeto e gostaria que você o examinasse.

—Bem, então este é o sarau?

— Não exatamente. O sarau na verdade, será na chácara de Alice em Petrópolis. Ela fará o lançamento de seu livro “Horas ou Momentos”. Estarão presentes convidados da alta sociedade e do mundo das letras na circunscrição  literária do Rio, Petrópolis e São Paulo.

— Alice? Nossa ex-professora do Marista?

— Sim ela mesma.

– Menina, veja para onde está me levando...

— Por quê?

— Ora, eu como livro, me alimento de livro.

— Então, você é o verme gordo que roeu os sete livros do Velho Testamento?

Riu.

A semana passou devagar como se os dias escorressem numa ampulheta. Finalmente, quando Robert tocou o interfone, Talita, já o esperava.

Surpreso, viu o livro de Alice na mão de Talita.

— Que privilégio é este?

— Amizade, meu amigo! Amizade. Alice goza de minha amizade e conhece meu projeto literário. Sabe até que você me acompanhará nesta jornada e ofereceu a chácara. O lugar é sossegado, muito bom mesmo. Já estive lá algumas vezes.

A casinha branca no pé da serra tinha uma ponte serpentiforme, bem no pongo do córrego onde a princesa Mariana, outrora se banhava. Lá embaixo, lambaris deslizavam nas águas cristalinas do ribeiro e fora da baia o garanhão negro cobria uma égua no cio.

— Linda! Disse Robert.

— Obrigada. Ouvir um elogio com o sol ainda baixo eleva a autoestima.

— Estou falando da chácara, boubinha.

Ela ficou sem resposta. Linda é uma palavra que não precisa de arranjos, diz tudo por si mesma. Sentiu a mão dele fazendo gracejos na bochecha dela e pensou no garanhão negro que vira na manga roçando o pescoço na crina de uma égua.

Na estrada, Talita contara que o sítio fora de Júlio César e quando ele partiu deste para o outro lado da vida, a família colocou o imóvel à venda. A própria Alice encarregou-se de anunciar  em jornais a venda do sítio de seu falecido irmão, tomando como anúncio um texto atribuído a Olavo Bilac.

 

Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer; com extenso arvoredo, cortada por cristalinas e marejantes águas de um ribeiro.  A casa banhada pelo sol nascente oferece a sombra tranquila das tardes, na varanda.

 

Logo de manhã cedo Alice comprou o jornal.

— Rui, leia isto!...

Ele colocou a xícara sobre a mesa e recebeu o jornal aberto na página dos classificados.

— O sítio é bonito assim?

— Muito mais!

—Por que nós mesmos não o compramos?

— Eu gostaria muito, disse ela.

 Nem sempre as visitas conhecem a propriedade por inteiro, ficam em torno da sede, em volta da churrasqueira e do congelador cheio de cervejas. Acham o cavalo encilhado na porta da casa, volteiam o pátio e se dizem quebrados e descansam numa cadeira preguiçosa com uma lata de cerveja aos pés. Rui não conhecia bem o sítio  que era quase uma fazenda. Terra bastante para criar  manga-larga em confinamento.

— Basta comprarmos dez matrizes e um garanhão, daí a dois anos, com a venda das crias, só isto será suficiente para a manutenção da fazendola: pagar caseiro, comprar ração e ainda sobrar uma ponta de dinheiro para os gastos extras nos finais de semana.

 

Era um dia lindo e ensolarado. Na serra, onde fica a propriedade, estava uma temperatura agradável...(Alice Nassif)

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