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Contos-->Santa Tartaruga! -- 02/11/2012 - 16:49 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Santa Tartaruga!

- Eu não quero essa coisa no meio da minha sala!

A sala agora era dela? Quando foi preciso lambuzar as paredes de latex terracota, a sala não se recusou a ser só dele. Assim que é! As gotas de saliva saltavam da boca da mulher e ele era capaz de dizer que um pingo atingiu o olhinho puxado do jabuti que aguardava, imóvel sobre o piso frio, o desfecho da fight.

- Calma, mulher. Ele nem vai ficar aí no meio da sala. Deve arrumar um canto perto do sofá para se enfiar.

- Piorou! Se rasga o meu sofá, vou fazer sopa dessa tartaruga!

- É um jabuti!

Onde já se viu? Chamar jabuti de tartaruga? Jabuti era um negócio mais complexo.

- Vai ficar aqui dentro só até parar de chover...

- Por quê? Tartaruga não pode tomar chuva?

A pergunta dela, emitida no meio do piti, sem pensar, acertou o centro nervoso da razão dele. Podiam tomar chuva?

- Elas não têm uma casa nas costas?

Lembrava que não era bem assim. O casco das tartarugas não era um lugar onde elas moravam. Eram elas mesmas, parte delas, uma continuação. A casa dele nem era dele, uma vez que a sala e o sofá não eram. A tartaruga era, ela mesma, sua própria casa. A mulher continuou a ladainha até perceber que ele não a ouvia mais. Nessas horas, ela era a mestra do silêncio estratégico. Quando berrar não funcionava mais, calava a boca e abria mais os olhos. Mesmo fingindo que mirava o casco, sabia que havia um par de grandes olhos tentando forçá-lo a prestar atenção  nela.   O que sempre acontecia. Virou a cabeça, mais lentamente que o jabuti, e encarou os faróis da inquisição.

- Afinal, homem, por que você comprou esse cágado?

Cágado? Deixou-se desanimar. Por que ele comprara aquele cágado, jabuti, tartaruga? Quando viu o bichinho na vitrine do pet shop, achava também que era uma bichinha. Nunca tinha pensado em ser dono de coisa com casco. Mal se via como cuidador de cachorro ou acarinhador de gatinhos. Foi a atitude da tartaruga que o deixou balançado. Quem diria: atitude de tartaruga? Ela caminhou na direção dele, até mais rápido do que seria de se esperar. Parecia que flertavam pelo vidro. Aquele ser pré-histórico cumpria a jornada com os rasguinhos de olhos apontados para ele.

- É um belo jabuti, não?

A voz do vendedor interrompeu o transe esquisito. Jabuti?

- A maioria confunde mesmo, mas é diferente. Veja bem...

A explicação merece, no máximo, um resumo: tartaruga não dobra o pescoço como o cágado, o cágado vive na água doce e não na terra como o jabuti e o jabuti  tem patas parecidas com as do elefante diferente dos outros dois. Algo assim e não necessariamente nessa ordem.  

- Entra que eu mostro um livro para o senhor.

Pouco adiantou dizer não precisa, fica para a próxima, estou sem tempo. Quando viu, estava com um pacote de ração numa mão e uma caixa perfurada contendo um exemplar quase gigante de jabuti na outra.

- Afinal, por que você comprou esse cágado?

Por não saber a resposta, pegou o jabuti no colo, abraçou-o como se fosse um bebê.

- Comprei porque... porque não consegui não comprar.

A mulher seguiu nas pragas. Ele saiu com o jabuti em direção ao quintal. Ficou quase uma hora abraçado ao casco do animal em plena chuva de outono.  Os vizinhos que passavam, seguros embaixo de seus guarda-chuvas, olhavam a cena insólita. Olhavam porque não conseguiam não olhar. Quem resiste a uma tartaruga gigante? 

 

Jefferson Cassiano é professor e publicitário. Ocupa a cadeira 31 da Academia Ribeirãopretana de Letras

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