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Cronicas-->Sulforosos -- 31/01/2007 - 13:04 (Hamilton de Lima e Souza) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




O professor de química entrou na sala. Papéis voavam por todos os lados, uma confusão normal para os padrões de escolas públicas da cidade. De todas as cidades para dizer bem a verdade. A celulose adicionada ou não com tintas onde a representação de bichinhos enfeitava cantos de páginas era transformada em lixo, última fase da complexa operação de remoção de carbono da natureza para atender aos caprichos dos homens.
Um dos alunos, Aloísio, gostava de incrementar as pelotas de papel com fita adesiva, de tal forma que poderia servir tanto de arma como bola de futebol para brincadeiras no pátio. Foi uma dessas coisas que atingiu o olho do professor.
Aluísio, inteligente, porém indisciplinado, recolheu-se rapidamente, mas num ímpeto de moral pediu desculpas. Foram aceitas naturalmente na sala da diretoria pedagógica, junto com o comunicado de suspensão.
Outubro, época de exames finais, um momento ruim para obter uma suspensão. Faltava eliminar alguns detalhes em física, química e biologia. Um tripé científico de encher a paciência para os adolescentes que gostam mais de educação física e longas horas ouvindo músicas barulhentas acompanhadas de "baseados" e pedras de crack. O grupo de Aluísio não esboçou qualquer reação de solidariedade. Queriam logo passar para o terceiro ano e abandonar a escola. Uns tinham sonhos de prosseguir. Outros precisavam apenas do diploma para concursos menores na prefeitura e empregos de pouca expressão.
Conseguir uma ocupação de ofice-boy já diminuiria a despesa dos garotos. As garotas desejavam vagas como caixa de supermercado ou vendedoras de pequenas lojas. Ambições gigantescas para o universo de qualquer cidade de médio porte.
Uma semana de afastamento e a volta seria em grande estilo, com exames finais das matérias pendentes. Um banquete de livros e sermões desabou sobre o jovem.
O afastamento da escola não foi tão ruim. Aproveitou as manhãs livres para fazer sexo com a empregada, já que seus pais não estavam em casa.
Durante a tarde estudava e fazia sexo novamente, até o horário em que Geiseleusa se retirava com seu namorado, um cobrador bem sucedido do bairro.
Ali no amontoado de textos pode revisar conceitos de gametogênese, inércia, alcalinos, alcenos, alcanos, alcalóides (gostou dessa parte), radicais livres e partenogênese. Misturou conceitos aleatoriamente. O gosto pelas ervas fornecidas na vizinhança tinha certo peso na assimilação de conhecimentos.
De um jeito ou de outro foram devoradas 600 páginas de material obrigatório para os exames finais. O professor Aderbal ainda ostentava uma mancha de sangue coagulado no olho direito no dia em que se viram novamente.
As provas foram marcadas todas no mesmo dia. A professora Luiza ia de minissaias, mas tirando as pernas espantava os alunos. Havia um excesso de nariz naquele corpo. Os cabelos vermelhos mal apanhados também não ajudavam. Cercas de arames farpados eram mais bonitas.
O professor de física era meio cego. Poderia colar durante sua prova.
Para incrementar o exame de química o professor Aderbal inovou naquele ano. Parte da prova consistiria em realizar experiências no laboratório do colégio, com algumas peças inteiras apesar do uso indevido para fabricação de produtos etílicos pela turma do terceiro ano.
Aderbal apreciava os produtos etílicos, mas isto era segredo de Estado. A professora de biologia apreciava o professor de física, que enxergava mal e era poeta.. Aloísio apreciava o fim das aulas e tudo que tivesse fim rápido naquele desfilar de conhecimento científico. Apreciava a lei da gravidade, o princípio do repouso, a hibernação e a extinção de espécies obsoletas. Gostava de Darwin.
A prova experimental foi marcada para um sábado. Um intervalo estratégico para que o professor Aderbal se recuperasse das experiências com vodka brasileira consumidas religiosamente às quintas-feiras. Um dia inteiro separava o rebelde do passaporte para o terceiro ano.
No caminho de casa encontrou um colega rastafári muito bem intencionado. Juntos foram verificar o efeito de uma fumaça que subia por trás do muro do cemitério. A suspeita foi confirmada. Um grande evento acontecia em pleno dia. Viagens metafísicas estavam sendo elaboradas por gente nova na cidade, um grupo de descendentes de polacos e alemães. Gente de hábito estranho. Traziam mochilas com erva, material musical hardcore e lanches compostos por comidas à base de repolho e molhos sofisticados.
O entrosamento foi rápido. Santa Madre era o apelido que eles atribuíam à velha maconha, algum tipo de nova concepção existencial. Foram destruídos artesanalmente muitos quilos da erva, principalmente por que havia o risco do delegado local surgir com os policiais e surpreender seu filho no meio do fumacê. A destruição consistia em embrulhar a erva em papéis finos e acendê-los, bem diferente do tipo de destruição que a polícia costuma aprontar nas fundições.
Os jovens ficaram todos inspirados com as drogas e a comida à base de repolho. Acabaram decidindo em assembléia metafórica prestigiar o exame final de Aloísio no laboratório de química. Assim, ao chegar a manhã de sábado um grupo significativo de simpatizantes do jovem estavam presentes à minúscula sala do laboratório.
O professor Aderbal vendo o número grande de pessoas com jeito um tanto estranho, otimistas, alegres, alienados, até pensou em chamar a diretoria para retirá-los. Mas não sentiu medo, de forma que encaminhou o estudante para a prova prática, que consistia em lidar com elementos sulforosos, de forma a liberar gás sulfídrico no ambiente.
Aloísio não estava muito bem, talvez por causa da erva excessiva do dia anterior, talvez por causa dos repolhos fermentando em seu estómago. O sentimento do jovem parecia ser compartilhado pelos outros integrantes do grupo.
Mal começou Aloísio a proceder com os instrumentos e o ar foi se tornando irrespirável. Todos os participantes do ritual da queima de drogas e ingestão de repolhos começaram a liberar gases fortes para atmosfera, tornando o ambiente quase insuportável. Quando Aderbal correu para as janelas tentando melhorar o ambiente aconteceu um acidente terrível.
Um dos jovens, com a última porção verde do dia anterior, resolveu acender um bico de Bunsen. A chama atingiu os gases combinados e o laboratório foi seriamente danificado. Os jovens foram atendidos logo depois por serviços médicos, mas tontos, liberavam mais gases, impedindo concentração do corpo de saúde da cidade.
A direção reprovou Aloísio e dispensou o professor descuidado. A polícia deteve o filho do delegado, ferido como os outros e abriu um inquérito. Prenderam o agricultor que forneceu os repolhos e liberaram o filho do delegado e os demais jovens.
Finalmente foi proibido o consumo de repolhos e molhos fortes antes das aulas de química.
A professora de biologia teve um filho do professor de física. Alguns acharam que a criança não era muito parecida com o pai. A cidade nunca mais foi a mesma.
Aloísio fugiu para um país andino para se especializar em comércio exterior de drogas exóticas. Dizem que é assessor de um presidente recém empossado.
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