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Contos-->VAVÁ, O APOSENTADO -- 19/01/2013 - 10:07 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VAVÁ, O APOSENTADO

Mote 1

Gumercindo Dumont ainda pode se considerar jovem. Mas a lei não o julga tão. A legislação brasileira tacha o homem de sessenta e cinco anos inapto para continuar trabalhando. Ou quase isso. Em certos setores, porém, existe o compulsório pontapé no traseiro, quando o trabalhador atinge os setenta anos. Gumercindo, cujo pai lhe dera esse segundo prenome por conta de ter nascido no mesmo dia de Santos Dumont, o pai da aviação, ainda bate uma bolinha. Coincidência ou não, sua filha mais velha nascera cem anos depois do nascimento do homem do 14-bis. Supersticioso que só ele, costuma ir à missa aos domingos com a “patroa” e diz que não se ajoelha para não machucar suas rodilhas de emérito pebolista.
O pai, que trabalhara durante muito tempo na REFESA, se chamava VAVÁ e por uma questão econômica, os amigos dele, incluindo o padrinho, um vereador do tipo “não-larga-o-osso”, homologaram a alcunha. Foi ele que fizera questão de chamar o pequeno prodígio Gumercindo, de VAVÁ, também para homenagear o pernambucano das Copas de 58 e 62. O nome de família, só para variar é Silva, esse antigo brasão dos tempos da Roma antiga. Teimoso que nem jumento empacado, VAVÁ se aposentou um pouquinho antes, por tempo de contribuição e por ter trabalhado na linha viva, numa companhia de energia elétrica, em atividade de alta periculosidade. Nem por isso perde o entusiasmo pela aposentadoria.
Obstinado, ainda permaneceu no emprego por mais uns três anos, imagina por quê? O bate-bola nas quartas e sábados, mesmo no inverno. A mulher de VAVÁ, denominada por ele, dona Salvação, tem o nome nada incomum de Maria do Amparo, em honra de uma dessas santas, tantas que as há. Mas foi professora primária e caía muito bem o nome que desde sempre lhe deram todos, incluindo os alunos: dona Amparo. No futebol, VAVÁ joga em qualquer posição e até de juiz; mas na cozinha... água na chaleira ele é capaz de colocar. E só isso. Dominozeiro por adoção, vai todo dia à praça em frente de casa, à procura de algum trocado, mas diz que joga por puro hobby. VAVÀ joga bem, assim mesmo. Não é lá nenhum Pelé do dominó, mas dá suas (re)batidas. Acorda cedo, dá xerém às galinhas no quintal e fica esperando dona Amparo acordar, ela que tem problema de tireoide e anda ansiosa pra resolver com uma cirurgia. Ele varre o quintal cheio de folhas da mangueira-mor, que é um nome que ele andou aprendendo num desses jornalecos lá no salão do cabeleireiro, Oscar. Cantarolando alguma música de Orlando Silva, de quem ainda possui uns discos de acetato, gira que nem peru no quintal da casa, um pequeno duplex, no subúrbio. Depois desse ritual no primeiro expediente, corre pra garage e vira o motor do Ford Escort, que não vende por dinheiro nenhum. Passa uma flanela fina sobre a pintura que brilha mais do que catarro na parede, no dizer dele próprio, VAVÀ. O vizinho, ZECA da bomba, ouve o ronco do motor da velha bólide vermelha e grita pelo nome do amigo e parceiro de dominó, já que no bate bola o ZECA não consegue fazer cinco embaixadinhas. Os dois levam um papinho breve e meio seco por sobre o muro do quintal, um duplex conjugado. Ainda é segunda-feira e no domingo anterior, o Santa andou empatando com algum desses times lá dos cafundós do judas, que sequer VAVÀ conhecia. ZECA é um rubro-negro doente, ao que VAVÀ mordazmente diz que está troncho, porque ele é Santa Cruz sadio que nem o galo Sarney, criado no quintal. Às vezes, inadvertidamente, puxam aquela pequena discussão do tipo não leva à nada, mas sabe como é rubro-negro, o Sport é o maior é campeão brasileiro, isso e aquilo. VAVÀ nesse ponto, como todo tricolor que se preza, prefere interromper a refrega, tirando o seu de fininho. Chega à mesa, tudo pronto. Cuscuz com leite, inhame quentinho, café com pão integral, porque o médico lá da esquina, que puxa por uma perna, advertiu VAVÀ, que pão francês tem caloria demais e sal à beça.
VAVÁ, um tanto obediente e um pouco hipocondríaco, leva a sério a recomendação do médico que nos tempos de adolescente, fraturou a tíbia no futebol de várzea e até hoje guarda na lembrança física. Dona Amparo anda muito calada nesses dias. Levanta-se da mesa, chama a velha amiga de muito tempo, CECI, que ajuda Amparo nas segundas-feiras, arrumando a casa, lavando os banheiros e preparando o tempero pronto. Palitando os dentes de novo, VAVÁ leva aquele esporro de Amparo que sai da sala pra não ter que aguentar esse velho teimoso, cheio de pantim.
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WALTER DA SILVA
Camaragibe-PE, 02.01.2013

(qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência)
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