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Cronicas-->VOLTANDO A CONVIVER -- 21/02/2007 - 11:49 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

VOLTANDO A CONVIVER
Crónica

João Ferreira
21 de fevereiro de 2007

Estavam todos reunidos na sala. Ainda perfilados, me disseram diretamente, bem ao jeito deles:
-Tu nos reuniste aqui. Estamos secos de esperar. Por que nos deixas eternamente esperando?
-Antigamente, conversavas conosco. Vinhas nos visitar com frequência. Sentávamos à mesa todos juntos e com alegria. Havia vida. Tu nos estimavas e nós te estimávamos a ti. Éramos praticamente uma comunidade. Agora, resolves ir para a Europa, e nos deixas, sem grandes avisos, nesta solidão. Depois, regressas e mesmo perto de nós, não nos dás quase nenhuma importància, bem diferente da que antigamente nos davas.
Estas palavras soaram duras no meu ouvido, mas elas partiam de uma realidade. Tinha que reconhecer.
-Olhei para eles. Estavam ainda perfilados. Mirei-os, um a um, com um olhar de muita ternura e de muita gratidão. O que eu lia na dureza das palavras deles era apenas dedicação, fidelidade, carinho. E meu dever era ler o pensamento deles com humildade, tentando entendê-los naquela palavra seca mas meio angustiada. Tinha que ser um ouvir inteligente. E mais do que isso. Assumir. Tinha que assumir a verdade do que disseram. Não podia agravar sua solidão.
Ainda estava tentando digerir o discurso franco que ouvira, quando, bem na minha frente, vovozinho levantou a mão. Era um velhinho muito querido, um profissional letrado emigrado da Itália, mais concretamente, das terras da Lombardia. Daquela grande capital que se chama Milão. Estava no Brasil há várias décadas. Olhou para mim e disse:
- Olha, João. Sabes que tenho o maior respeito por ti. És amigo de todos. Te adoramos. Mas pensa um pouquinho só. No geral, eles são bem mais jovens do que eu. Entretanto, na maneira de sentir não há muita diferença entre nós. Temos várias sensibilidades e maneiras diferentes de ver o mundo. Mas nossa linguagem vai toda bater no mesmo. Todos somos escolarizados e fazemos parte de um grupo que podemos chamar grupo de elite. Portanto, meu caro João, aceita o desabafo deles com verdade e humildade.
Para dizer a verdade, Vovozinho me comoveu. A pele de seu rosto já tisnada pelo tempo não conseguiu abafar a lucidez de sua inteligência- flama aguda que me atingiu em cheio.
- A palavra deles é apenas a manifestação de uma franqueza rude, disse ainda o Lombardo. Mas verás que eles têm razão. Demoraste demais lá pelas Europas. Sempre viveste conosco e agora não suportamos tão longa ausência. Sempre foste da família. Repara bem. Ainda está ali a tua cadeira de jacarandá. Sentavas perto de nós quando fazíamos nossas tertúlias literárias. Mais ali, o violão. No canto de esquina, a Korá da Guiné-Bissau. Lembranças. Tudo como deixaste. O sofá. Ali as estantes. Vinhas, sentavas, pegavas um de nós ao colo. Sempre gostavas de chamar para mais perto uns dois ou três e logo-logo começava aquela conversa, começavam aquelas histórias com que nos deliciávamos e que cada um de nós sabia contar. A turminha ficava satisfeita com esta tua atitude familiar. Tu mostravas gosto e ternura. Isso nos agradava. E pouco a pouco fomos ficando grudados neste nosso modo de existir, uma coisa muito rara aqui no condomínio. Eis a razão por que sempre te adoramos. Fizeste de nós gente. Pessoas com individualidade, carinho e utilidade!
Sendo assim, João, podes entender melhor como é difícil que eles aceitem ficarem ali sem diálogo, sem ninguém que converse com eles como antigamente. Foram meses, sem atividade. Sem movimento. Sem ação. Não suportam que os deixes. Querem a tua companhia, ouviste, meu bom amigo? Tornamo-nos quase família, habituaste nossas vidas a isto e agora não há como virar nossas cabeças que têm grandeza e hábitos próprios. Este é o rumo que lhes deste. Um rumo de orgulho, de personalidade e grandeza. Acho que entendes.
As palavras do meu querido vovozinho me tocaram a alma.
Olhei para eles todos e disse:
-Está bem, vovozinho e rapazes queridos, vamos voltar à vida, vamos fazer reviver nossa tertúlia.
-Podem convocar para a próxima quinta-feira as estrelas que sempre deram charme e movimento à nossa sala de reuniões e à nossa biblioteca. Olhem, desta vez, quero mostrar a todos uma novidade interessante, muito brasileira. Chamem o Eça de Queiroz. Digam a ele que o tema da tertúlia, nesta quinta-feira será a famosa carta dele a Eduardo Prado datada de 1888 sobre a construção de um Brasil novo, o "Brasil Brasileiro" que tem ainda hoje toda a atualidade para os que sonham com um Brasil mais ao jeito brasileiro. Esse ano de 1888, por incrível coincidência, é a data de nascimento de Fernando Pessoa. Chamem também para a tertúlia o Almeida Garrett, o Teixeira de Pascoaes, o Leonardo Coimbra, o Jaime Cortesão, a Agustina Bessa Luís, o António Quadros, o Antonio Braz Teixeira e outros lusos de cepa. Chamem outrossim o Saramago, para ver como ele se adapta a ouvir o grito lusitano das raízes! Vai ser uma reunião que dará nova vitalidade à nossa tertúlia.Disso eu tenho a certeza
-Espero que esta seja a forma de homenagear a enorme fidelidade que li em vossos rostos e a maneira de continuar a buscar a vida que faz falta a todos nós!

João Ferreira
21 de fevereiro de 2007

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