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cronicas-->Resgates da Memória...A Onça... -- 21/02/2007 - 19:55 (Lenine de Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


RESGATES DA MEMÓRIA





A Onça



Lenine de Carvalho





Vou freando suavemente a velha Variant e saio da rodovia asfaltada, virando à direita e tomando uma estradinha de terra.

Meu amigo Mauricio, companheiro de mil acampamentos, caçadas e pescarias, desce para abrir a porteira, sobre a qual esta escrito: Fazenda Liberdade .

É a fazenda de meu tio Nelson, nos confins do Mato Grosso, havíamos viajado a noite inteira, para chegarmos de manhãzinha na fazenda, onde pretendíamos passar muitos dias de nossas férias.

A fazenda era imensa, com muitas partes de matas intocadas, cerrados e pastagem para criação de gado.

O rio Verde, lindo de águas translúcidas, correndo sobre um leito de pedras cortava a fazenda.

Dourados, pacus, piaparas, pintados, jaús e toda espécie de peixes habitavam aquele rio.

No cerrado havia caça abundante, porcos do mato, cervos, perdizes e também onças, que não pretendíamos matar nenhuma, pois estão rareando cada vez mais e mais, como toda a natureza assassinada pela mão do homem.

Na sede da fazenda meu tio nos recebe com alegria, alto e muito forte é um poço inesgotável de bom humor.

Na hora do almoço, sentados à mesa meu tio nos diz:

__Estamos com um sério problema aqui na fazenda...

__Que tipo de problema, eu lhe pergunto.

__Uma onça.

__Uma onça? Deve haver muitas ainda aqui.

__Sim, há bastante porque eu não deixo ninguém caçar nem pescar aqui, só vocês dois, mas esta onça anda atacando e matando novilhos e potros.

__Não esta matando apenas para se alimentar, tomou gosto pelo matar e esta atacando e matando acho que por diversão.

__Mas, já matou quantos novilhos, pergunta meu amigo Mauricio.

__Apenas esta semana foram 3 novilhos e um potrinho lindo. É questão de tempo para começar a atacar pessoas, principalmente crianças, filhos dos empregados.

__E o que você pretende fazer , eu lhe pergunto.

__Eu estava pensando em contratar alguém para matá-la, mas já que vocês chegaram, ficam incumbidos dessa tarefa.

__Não gostamos de matar onças Nelson, esse bicho além de muito bonito esta em extinção, seria um pena matá-la.

E além disso deve haver muitas onças aqui, como saberíamos que estaríamos matando a onça certa?

__Concordo com você, faço de tudo para não matar nenhum bicho aqui na fazenda, mas já vi isso acontecer antes, logo ela estará atacando pessoas, crianças, cachorros da fazenda, etc... E quanto a matar a onça certa, vou levar vocês onde ela matou e escondeu o potrinho, para comer mais tarde, é só ficarem de tocaia lá a noite que ela vai aparecer.

O potrinho era realmente lindo, malhado, com manchas brancas sobre a pele marrom clara, estava semi coberto por folhas secas e galhos, numa parte de mata fechada, para onde a onça o havia arrastado.

No pescoço quebrado, as marcas de poderosas e afiadas garras, uma parte do quadril esquerdo havia sido devorada.

Olhei com pena para o pobre potrinho, imaginei o terror e desespero dele ao ser atacado e sentir que ia morrer... A natureza é cruel... O mundo é cruel e torna-se cada vez mais cruel e perverso pela intervenção humana.

Havia duas grandes árvores próximas uma da outra, frondosas e bem perto de onde estava a carcaça do potrinho, coberta de folhas e galhos.

Construímos então um jirau, estaleiro, de galhos amarrados com cipós em cada uma das árvores, a uns 10 metros de altura, de onde por entre as folhas podíamos ver o potrinho morto e escondido.

Como ia ser noite de lua cheia, uma linda lua amarela que iluminaria tudo, não precisaríamos de lanternas para vermos a onça se ela aparecesse, o vulto seria bastante nítido para apontarmos e atirarmos.

Um pouco antes de anoitecer, armados com duas carabinas winchester calibre 44 de 12 tiros, subimos nos jiraus e nos preparamos para uma longa e silenciosa espera...

Com as costas apoiadas no tronco principal da árvore, sinto a mata ao redor...os ruídos tão familiares da floresta...a magia da lua cheia, como uma imensa moeda de ouro levantando-se no horizonte e a luz dourada iluminando tudo....

O canto triste dos pássaros noturnos... O assovio tímido de uma capivara perto do rio....deixo meu espírito flutuar...naquela mágica luz dourada....flutuar sobre a mata...sobre o rio....o momento eterno....o instante infinito...Deus meu, como isto tudo é tão bonito....os olhos se enchem de lágrimas sob o céu claro onde as estrelas conversam entre si, a linguagem do Universo....

Como tudo isto devia ser mais bonito ainda, antes da chegada do homem....

Mas, o cansaço começa a cobrar seus tributos... Eu havia dirigido a noite anterior inteira, chegamos na fazenda e não havíamos dormido nada, tanta coisa para ver, gente para cumprimentar, histórias para se ouvir educadamente...

Imagino que meu amigo Mauricio na arvore ao lado também deva estar com muito sono.

Os olhos começam a arder... Fecho-os por breves instantes e volto a olhar o ponto onde esta a carcaça do potrinho, uns dez metros abaixo de onde estou... Nada de aparecer nenhuma onça...

Fecho os olhos novamente... É uma sensação agradável fechar os olhos... Qualquer ruído lá em baixo eu escutarei... O rifle Winchester esta com uma bala na càmara... É só engatilhar e atirar... Que sono meu Deus...

Acomodo-me melhor no jirau que agora me parece muito estreito... O rifle atravessado sobre minhas pernas... Os olhos se recusam a ficarem abertos... A noite esta fresca, o ar agradável de se respirar...

Então o primeiro golpe atingiu-me o lado esquerdo do rosto, o segundo e mais violento acertou as costelas do lado direito do corpo, sem entender ainda o que estava acontecendo fui sentindo as pancadas cada vez mais fortes dos galhos batendo em todo meu corpo até que caí estendido no chão embaixo da árvore!

O estampido forte ecoou pela mata... A pesada bala calibre 44 acertou o chão a um palmo de minha cara, jogando terra em meus olhos e boca e com um assovio assustador ricocheteou passando zunindo a centímetros por cima de minha cabeça!

Então ouvi o "clack...clack" de meu amigo Mauricio manobrando a alavanca da carabina e colocando outra bala na agulha....o primeiro pensamento que me ocorreu foi... "o próximo tiro ele acerta"!

__Não atire! Filho da puta! Você quase me acertou!

__Lênin?

__Claro que sou eu idiota, quem mais poderia ser?

__Pensei que fosse a onça, por isso atirei!

__Acha que a onça ia fazer todo esse barulho, seu retardado?

__Mas, o que você esta fazendo aí embaixo da árvore?

__Eu dormi no jirau e caí...

__Caiu lá de cima?

__Caí...

Alguns segundos de silêncio e então a estrepitosa gargalhada ecoou por toda a mata...

__No dia em que você também cair vou rir muito!

__Você se machucou?

__Ainda não sei, mas acho que não...

Então meu amigo Mauricio desceu de sua árvore e veio até onde eu estava sentado no chão e com a cara suja de terra, apalpou meus braços e tórax e doía tudo...

Depois, já na fazenda tirei a roupa e havia vergões, alguns cortes e esfolamentos por todo o corpo, mas aparentemente não havia nada quebrado.

__Grandes caçadores de onça vocês me saíram, diz meu tio Nelson.

__Vou limpar e desinfetar esses machucados seus com creolina.

__Com creolina?

__Sim, uma solução de creolina com água, é o que usamos aqui na fazenda.

__E isso vai doer, arder?

__É claro que vai! Aguente firme, teve muita sorte em não ter quebrado nada, principalmente o pescoço, caindo daquela altura...

Mais tarde meu amigo Mauricio disse:

__Lênin... Fico contente por a onça não ter aparecido... fico contente por não termos matado a onça...

__Eu também... A gente iria se sentir muito mal se tivéssemos matado a onça, sabendo que já existem tão poucas...

__Viva a onça!

__Viva!

__Então amanhã vamos pescar!

__Vamos!



21/02/2007





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