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Cronicas-->CUIDADO COM AS MOSCAS -- 21/02/2007 - 23:15 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


CUIDADO COM AS MOSCAS

"Fatti di miele e ti mangieranno le mosche": -"Se fores muito melífluo, as moscas te comerão".
Provérbio popular italiano


Crónica
João Ferreira
21 de fevereiro de 2007

Dia de festa em Brasília. Roberto acertou com Túlio, Geraldo e Paulo Vinicius, seus amigos, para irem até ao Minas Clube, na Asa Norte, tomar um banho de piscina. O sol estava convidativo e a manhã tinindo de bonita!
Para descontraírem, antes da piscina, resolveram beber uma cervejinha e botar a conversa em dia. Escolheram mesa e chamaram o garçon. No grupo, o mais jovem era Geraldo, um estudante de engenharia da Universidade de Brasília. Os amores do mancebo andavam meio em baixo. Stella, sua namorada era tremendamente autoritária e trazia Geraldo de rédea curta, armando bronca com ele a toda a hora. Alguns amigos estavam a par das dificuldades do casal. Na hora em que a cerveja já crepitava nos esguios copos, Túlio, que era descendente de uma família italiana com residência em S. Paulo, achou por bem colocar o problema na mesa. Jovem muito independente e já com boa experiência de vida, era de opinião que Geraldo estava sendo mole demais. Lembrava-se de seus pais dizerem muitas vezes lá em casa, em S. Paulo, que amor não pode gerar despersonalização. Para bem do lar, num casal, um não pode anular o outro. Esta é que era a fórmula correta lembrada pelos historiadores que escreveram sobre os mais famosos amores da história da humanidade. Ou seja, o verdadeiro amor ensina que duas pessoas enamoradas devem buscar se entender ao nível de interesses mútuos. Elas têm de se colocar no mesmo patamar. Devem se consultar, se auto-ajudar. Devem ser gentis, e respeitar mutuamente a personalidade de cada um. Por outras palavras, ninguém é dono de ninguém, ninguém é patrão de ninguém. Don Giuliano, pai de Túlio, sempre repetia que era contra a moleza de certos rapazes que se despersonalizam diante de suas namoradas e perdem boas oportunidades de tentar criar o clima positivo que pode tornar sadio o namoro Ee o amor. A sabedoria popular diz claramente que duas pessoas que se amam só têm uma porta de entrada: o diálogo amoroso e respeitoso. Se isso não acontecer, virá a destruição, o desconserto e o fim. É clara a voz popular dos italianos: "Fatti di miele e le mosche te mangieranno". Don Giuliano repetia muitas vezes para Túlio este provérbio italiano lá na sua casa, em S. Paulo. Provérbio que com sabedoria lembra a todo o humano, jovem ou não, que "se ficares muito mole ou fores exageradamente doce, as moscas vão te comer, na certa".
Geraldo ouvia com interesse a conversa dos amigos. E começou a admitir que se a voz do povo é a voz de Deus, tinha de ir pensando em mudar alguma coisa na sua vida. Se tudo continuasse assim, não passaria de um jovem chateado e frustrado. Parece que só lhe restava ganhar coragem para encarar o problema e conversar a sério com sua namorada.Os amigos, agora pela voz de Paulo Vinicius, insistiam com ele: "Não morde a abelha a não ser a quem trata com ela". Geraldo sabia que não era fácil. Mas, como dizem os franceses, "quem tem medo de pisar na folhagem, não entra na mata"(Qui craint les feuilles, doit éviter le bois" . E os espanhóis: que "El que non quiere balazos, que non vaya a la guerra", ou por outras palavras, "quem vai à guerra tem de se preparar para as horas de tiroteio cerrado". Geraldo, de uma maneira ou de outra, só tinha como saída, enfrentar as coisas com realismo. Não podia viver assim sofrido, sem discutir o caso com a própria namorada, tentando tornar o processo mais coerente e mais humano. Tinha de mentalizar Stella, para algo mais que poderiam construir juntos, se fosse o caso, e sempre longe dessa neurose de mando e de posse que Stella mostrava ter. Quando o clima se mostrava inteiramente doutrinário, na mesa do clube, chegaram duas amigas. Talvez fosse o momento ideal para amenizar, mas só o decorrer da conversa o diria.
- Oi, disse Bruninha, amiga de Túlio, acabada de chegar.
-Oi, querida, como vai?
Bruninha vinha acompanhada de Raquel, estudante de Medicina.
-Oi, oi, oi, clamaram todos. Vai uma cervejinha? - disse Túlio para as duas.
Sentaram-se junto dos três rapazes e a conversa pareceu de início ficar mais amena.
-Encontrei a Stella, quando vinha para o clube, disse Bruninha para Geraldo.
-Um silêncio pesado caiu dos lábios de todos...
A conversa não desviou a direção. Falando-se em Stella, todo o mundo lembrou o estilo imperial da moça. Pelos modos, Geraldo era meio fraco e não se mostrava pessoa apta para levar Stella a uma moderação de gênio e de comando.
Sua cabeça era calma. Destacava-se como um rapaz bondoso, pacífico e, portanto, pouco chegado a brigas e desacertos.
-Pela minha maneira de ser, acho que amor é mais compreensão, respeito e entrega, disse. Amor não pode conviver com a neurótica mania de impor uma vontade em desfavor da outra. É desastroso alguém aceitar se despersonalizar para deixar o outro tomar todas as decisões. É isto o que penso. Imaginem, hoje, quando se pregam as liberdades individuais e a autonomia de opinião, de expressão e de vida, o comportamento de Stella está inteiramente fora dos paràmetros...
Todos ficaram com vontade de bater palmas, mas se contiveram. Foi Raquel que rompeu o silêncio, enfim:
-Geraldo, meu amigo. Acho que você está certo em seu pensamento. Mas tem de rever sua prática, meu anjo. Não vou pregar moral para você. Mas olhe, meu bom amigo, você terá de decidir hoje ou amanhã, e só se agir rapidamente, uma questão que poderá ser essencial na sua carteira de títulos: tirar o certificado de prevenção anti-psiquiátrica. Só para não cair no banco do psicólogo, em tempos próximos. Você pode se prevenir hoje contra isso. Sabe como? Ganhando firmeza nos seus ideais, aclarando suas ligações amorosas em favor de sua vida!
Neste momento, os amigos aproveitaram a palavra de Raquel e deram um apertão em Geraldo. Agora avançavam as vozes masculinas:
- Você parece mole demais, Geraldo. A Stella é conhecida na capital e arredores como uma moça que tem uma neurose clara. A de mandar, comandar, vigiar, espiar e não dar descanso ao homem que escolheu para vítima de seus desmandos. Será que você não vê isso? Nossa, está na cara! É público, Geraldo!
-Geraldo ouvia atento, e a esta altura, já quase meio aterrorizado, mas sentindo que se produzia nele uma reação salvadora.
Por dentro tentava ganhar forças para se sacudir. O que desejava mesmo, era mudar. E por isso, tudo o que estava sendo dito lhe parecia razoável. Talvez porque estava vivendo uma tortura psíquica que poderia acabar por se tornar numa angústia, num medo e até numa covardia. Teria que evitar isso, custasse o que custasse.
O momento parecia propício para uma mudança. Aproveitar a amizade sã de seus amigos e conselheiros e partir para uma conversa séria com Stella era o que intimamente parecia sentir.
Mas...para essa conversa, teria de ir seguro e bem armado de argumentos. Teria de treinar uma dialética firme. Stella não era fácil. Estava convencido de que se fosse brando e muito melífluo a neurótica namoradinha se transformaria naquela mosca terrível que o devoraria.
Meio inquieto, mas já com uma certa firmeza, pediu licença aos amigos para se levantar. Queria aproveitar a luzinha que nascia nele. Iria ao encontro de Stella, pronto para conversar. Sua tendência era mais do que uma simples conversa. Estava determinado a acabar o namoro. Pensava que era difícil pedir a Stella para mudar. Sabia que não se pode mudar a natureza de certas coisas. Se Stella era aquela neurótica que precisava de mando e posse para se auto-afirmar, Geraldo sentia com muita clareza que Stella não era a pessoa apropriada para sua convivência atual e futura. Muito menos para seu amor. Teria de encontrar rapidamente alguém que tivesse uma mentalidade de diálogo e de respeito pelo outro. Depois de falar com Stella, ficaria disponível para encontrar alguém que gostasse dele por razões naturais de amor e não para satisfação de neuroses de dominação.
Dois meses depois, Geraldo já frequentava o Minas com outra namorada. Seu rosto mudara. Era outra pessoa. Estava confiante e feliz. Mudara tudo. A própria rotação da terra, que não tinha mais o eixo dominador de Stella.
Os amigos se reuniram no clube para comemorar com Geraldo e a nova namorada, a renascente vida do estudante de engenharia da Universidade de Brasília, que agora encarava o futuro com a confiança de quem acabava de descobrir o novo rosto do amor.


João Ferreira
21 de fevereiro de 2007

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