Usina de Letras
Usina de Letras
60 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62309 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22541)

Discursos (3239)

Ensaios - (10398)

Erótico (13576)

Frases (50697)

Humor (20047)

Infantil (5466)

Infanto Juvenil (4789)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140835)

Redação (3311)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6218)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->Cultura moderna da violência -- 10/02/2003 - 10:22 (BRUNO CALIL FONSECA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Cultura moderna da violência



Um jornalista norte-americano foi bisbilhotar no Paquistão. Queria descobrir ligações espúrias entre o terrorismo internacional e alguns ocidentais. Seqüestraram-no. Mantiveram-no encarcerado num lugar qualquer durante muitos e muitos dias. Pretendiam trocá-lo por companheiros capturados. O governo americano, finalmente, admitiu que o repórter estava morto. Uma cena dantesca, filmada. mostrava o moço sendo degolado depois de se dizer judeu. Mais adiante, o cadáver teria sido decapitado à moda dos frangos. O filme, enviado a um jornalista paquistanês, foi reconhecido, finalmente. Era real.

por Paulo Sérgio Leite Fernandes



A decapitação não é privilégio daquele país. A história está repleta de cenas assemelhadas, recolhidas na mais remota antigüidade. Cerimônias terríveis são relatadas por sobreviventes visitadores de tribos especializadas em imolações afins. Aliás, Marcos Cláudio Acquaviva, jurista dos mais eméritos que o Brasil tem, escreveu livro sobre rituais encontradiços na Colômbia. Conta, à margem dessas coisas horríveis, espetáculos extravagantes dentro da anomalia. Por exemplo: a família dos mortos ilustres era sacrificada concomitantemente (Primeiro iam as mulheres, para desespero das nossas feministas).



A decapitação tem significados múltiplos. É forma de humilhar, pois desidentifica o cadáver. Facilita o transporte do troféu. E reduz o mutilado à condição de animal inferior, impedindo, segundo crendice, o retorno da alma para assombrar o algoz. Havia povos rústicos, a par disso, que detinham a técnica de mumificação e redução das cabeças de inimigos mortos em combate . Levavam-nas amarradas à cinta. Pensava-se, entretanto, que o costume havia sido relegado às calendas. Engano profundo, porque há alguns meses apareceu a notícia de guerrilheiros das bandas do Paquistão exibindo, penduradas pelos cabelos, cabeças de antagonistas degolados a facão de mato.



Dir-se-á que isso não acontece na América Latina. É mentira. Ainda se degola um ou outro por aí. E não temos, no Brasil, o privilégio da repulsa a tal comportamento. Já fizemos isso oficialmente, por sentença, com Tiradentes, embora lançando a culpa aos portugueses. Espetamos num poste a extremidade superior do mártir da Inconfidência. O resto foi pendurado à margem das estradas Aliás, naquela época., escaparam os moços de boa estirpe, mandados ao exterior para degustar bons vinhos até que as coisas esfriassem. Afirma-se que a manobra foi imitada há poucos anos.



Noticiam os jornais, após a última rebelião em presídios organizada por um comando central da delinqüência, cerimônia concretizada numa cela de penitenciária qualquer :paredes pintadas de preto, inscrições dramáticas postas no teto, tudo iluminado à luz de velas, mistura tenebrosa de vodu, cachaça, álcool de batata, casca de frutas, maconha e drogas diversas. Vapt! Vapt! Vapt! Vai-se a cabeça do infeliz. O rito exibe ligação atávica com os selvagens de antanho, guerrilheiros paquistaneses, nativos colombianos e presídios brasileiros, sem perda de atenção para certas execuções consumadas à beira das estradas vicinais. É tudo igual? Não, é pior. Hoje, mandamos homens ao espaço. Usamos computadores maravilhosos. Clonamos bichos ( e gente também, tenham certeza). Colocamos o dedo nas chagas de Cristo, tentando decifrar o mistério da criação. Mas continuamos cortando cabeças aqui e ali, cooperando, inclusive, para que as cortem quando permitimos aos marginais explicação consistente na repulsa aos maus-tratos que lhes dispensamos nas prisões...



O repórter decapitado é, no pavor em que vivemos, apenas uma cabeça a mais. O presidente dos Estados Unidos da América do Norte faz melhor. Não precisou recolher restos. Triturou-os, misturados nas montanhas do Afeganistão. À sua moda, é caçador de cabeças. Pragmático, pulveriza-as, enquanto coopera decididamente para o término da recessão e o reequilíbrio da economia interna americana.



* Advogado criminalista em São Paulo há quarenta e dois anos e Presidente, no Conselho Federal da OAB, da Comissão Nacional De Defesa das Prerrogativas. Retiro meus títulos. Esta crônica é personalíssima.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui