Verba indecente
Themístocles de Castro e Silva
JORNAL O POVO - FORTALEZA/CEARÁ
OPINIÃO - 03/03/2007 14:17
Lamenta-se que a Fundação Getúlio Vargas, de tanto conceito e prestígio no País, empreste seu nome para justificar aberrações na Càmara dos Deputados, como, por exemplo, a tal "verba indenizatória", que não passa de um salário indireto.
Podem jurar que, dos 513 deputados, nenhum gasta os R$ 15 mil "com combustível e despesas dos seus escritórios políticos nos Estados".
Dos 22 do Ceará, qual o que montou escritório? Nenhum.
Outra pergunta: qual o deputado que sustenta duas casas, em Brasília e no seu Estado, com R$ 12.800? Também nenhum.
O que se sabe, porque manchetes de jornais de vez em quando, é que a despesa é justificada com notas frias de posto de gasolina.
Por que o contribuinte pagar despesas de escritório de deputado? Se ele viaja em nome da Càmara, tem passagem e ajuda de custo. Isso é rotina no serviço público. Mas se ele percorre dois ou três municípios, realizando visitas eleitorais, fá-lo em nome de seus interesses eleitorais. A Càmara não tem nada com isso.
Os deputados já dispõem, como dinheiro do povo:
1 - Fundo Partidário.
2 - Horário gratuito do TSE, que as emissoras descontam do Imposto de Renda. Em 2006, mais de R$ 200 milhões.
3 - Emendas de parlamentares, instrumento de chantagem e grossa corrupção envolvendo prefeitos e deputados.
4 - Financiamento de campanha, outra excrescência em andamento na reforma política que ameaçam votar logo mais.
5 - Verba "indenizatória" mensal de R$ 15 mil, isenta do Imposto de Renda, apesar de funcionar como salário indireto.
Por essas e outras é que a qualidade da representação parlamentar caiu assustadoramente com a "democratização". Como candidato, o deputado tem tudo de graça; se vai eleito, movimenta milhões, ora se vendendo ao Executivo, tipo "mensalão", ora recebendo propinas das emendas que apresenta e consegue liberar. Claro que os desonestos não são maioria.
O trabalho da Fundação Getúlio Vargas, que custou R$ 140 mil, recebeu o nome pomposo de Análise e recomendações - Racionalização das cotas das despesas relativas ao exercício parlamentar.
A Fundação propõe aglutinar as cotas e reduzir o valor final em 20%.
A recomendação da FGV pode valer sob o aspecto financeiro. Sob o aspecto moral, oficializa uma indecência e amplia privilégios.
Na década de 50, quando fui repórter na Càmara, o deputado recebia apenas seu salário. Quando fui deputado, em 1973, no final do mês só recebia o contra-cheque de dez mil cruzeiros. Não tinha verba para nada. A Càmara pagava meu hotel, mas o dinheiro não passava pela minha mão. Sob esse aspecto, era uma casa séria. Saíram os militares e tudo degenerou, com Severino Cavalcante dando as ordens. Foi ele o criador da tal "verba indenizatória", como pagamento do apoio do chamado baixo-clero à candidatura Aécio Neves.
Basta o pobre servidor ganhar R$ 30 mil por ano para o IR tomar-lhe 27%. O deputado recebe R$ 15 mil por mês (R$ 180 mil por ano) e não paga nada, pois foi "indenizado".
A sede do Congresso é em Brasília. Quem se candidata a uma de suas cadeiras sabe que tem de comparecer à s sessões. Por que quatro passagens, por mês, para cada estado, incluindo uma pelo Rio de Janeiro?
Faz pena a pobreza dos deputados. Nem comprar jornal podem. Como as Assembléias têm 75% dos federais, até no Ceará os deputados dispõem dos três jornais de graça, pagos pelo contribuinte.
Em nome da dignidade do parlamentar, a "verba indenizatória" deve ser extinta, porque é imoral, indecente, expondo o deputado ao constrangimento de conseguir notas frias para justificá-la.
O legal e decente é dar um salário digno ao deputado e ele que se cuide com suas despesas de campanha, transportes, correios etc. Ou o Congresso faz isso ou será eternamente uma casa com focos de corrupção a corroer-lhe o conceito, a dignidade e o prestígio, sem os quais é melhor não existir.
O novo presidente da Càmara, Arlindo Chinaglia, disse que ainda não tomou conhecimento do trabalho da FGV. Bom sinal...
Em tempo: O deputado Henrique Alves, um dos veteranos da Casa, com dez mandatos pelo Rio Grande do Norte, filho de um velho amigo, ex-governador e deputado Aluísio Alves, justificou sua "indenizatória" no recesso dizendo que pagou uma página de jornal sobre sua eleição.
O jornal é de sua família e seu diretor é ele próprio.
Com a "indenizatória", quem é honesto está sendo obrigado a deixar de sê-lo. Nunca se viu isso em nenhum parlamento do mundo.
Obs.: Recentemente, um jornal inglês referiu-se a nosso Congresso como um "chiqueiro". Não há melhor definição para essa gentalha - obviamente salvando-se uns poucos porquinhos decentes que andam meio perdidos por lá, sem saber direito para quê foram eleitos... (Félix Maier)
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