Usina de Letras
Usina de Letras
137 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62182 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->CARINHO COM AS PALAVRAS -- 08/03/2007 - 21:41 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

CARINHO COM AS PALAVRAS
João Ferreira
8 de março de 2007

Vou começar esta crónica lembrando o texto de um autor brasileiro, que pessoa amiga, algum tempo atrás, me lembrou. É um texto de Rubem Alves que diz:
"Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E, contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: ` Eu te amo, eu te amo...´ Barthes advertia: "Passada a primeira confissão `eu te amo´ não quer dizer mais nada´´.
É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatómica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: `Erótica é a alma´. ´´
A citação tem algo a ver com o que tratamos em nossa crónica anterior "Presos a um lugar e a um tempo". É uma crónica que acentuava a poética do devaneio centrada no sonho e na construção de utopias e de castelos interiores. Rubem Alves, por sua vez, fala-nos de "carinho com as palavras" onde o corpo, em vez da sua natural nudez anatómica se mostra em sua "nudez poética". Trata-se de uma realidade natural de diária vivência e atualidade nas relações entre as criaturas humanas. Carinho é a forma mais pessoal de as pessoas se manifestarem em suas afeições, alegrias, desejos e prazeres. Afeições, gestos e prazeres que têm sua origem na própria alma, pois como bem diz Adélia Prado, todo o erotismo vem da alma: "erótica é a alma".
Para o expressar seu carinho, o ser humano utiliza várias formas que passam a ser porta-vozes da alma. São utilizados gestos de agrado, de afago, de ternura, através dos olhos, das mãos, da mímica, de sinalização específica ou dos movimentos do corpo. O carinho é um sentimento nobre e mostra a aproximação, a proximidade, a emoção, a homenagem, o conforto, o gosto, o prazer, o desejo e a vontade. Talvez mais complexo, porque menos racional, e mais direto, o carinho do corpo tem na afetividade humana uma notável transcendência. Jovens e adultos se entregam a esse tipo de carinho, inteiramente natural, e mais apelativo e direto, para expressar amizade e amor.
Nesta crónica, porém, gostaríamos de falar do outro tipo de carinho, lembrado por Rubem Alves: "o carinho com as palavras". O destaque que damos a esta temática é porque vemos na palavra um outro poder, paralelo talvez, diferente do poder direto do corpo. Talvez seja até um poder mais forte, por ser mais variado, e por poder contar com uma estratégia mental menos atingida pela emoção, em certas situações. A palavra tem uma capacidade e uma força específica que pode ir se revelando dia a dia. É, normalmente, uma expressão onde o racional pode superar o emocional. Não sempre, claro, nem talvez tão frequentemente. Mas tem um estoque variado, numeroso e forte para ser racional. Acima de tudo, caracteriza-se pela força secreta, seja falada seja escrita. A palavra pode ser sinalizada, criptografada, anunciada, segredada. Ela pode entrar pelos ouvidos, pelos olhos. Durante o dia ou durante a noite. Pode revelar-se manuscrita ou digitalizada. A palavra tem asas. Tem ocasiões. Tem esperas. Tem segredos. Pode ser dita em edições públicas ou em edições privadas. Pode fazer revelações e declarações de amor. Por isso é que tem essa força toda. A palavra pode ir ao encontro de alguém que está esperando ansiosamente por ela. Pode ser mandada de mansinho, em passos silenciosos, mas sempre com a certeza de que ela vai chegar ao seu destino. A palavra carinhosa toca a intimidade, numa linguagem misteriosamente espiritualizada. Ela vai como virgem vestal, direitinha, intacta, com a missão de ser só para aquele ou aquela que a espera. O carinho da palavra assume rostos simbólicos. Ela caminha assim como se fosse um tipo de mensagem de noivado sem anel. Algo que parte da alma e se encaminha para outra alma. Uma alma que gosta, que espera, que ama, que aceita como forma de alimento a palavra. Por vezes com uma profundidade erótica anexa, não revelada, mas sutilmente subjacente. Por vezes, apenas como um apelo gentil, como uma palavra de companhia, ou palavra de saudação, mas sempre palavra de comunicação de sentimentos e palavra afetiva. Nos escaninhos da alma, a palavra também tem asas, como Cupido, filho de Vênus. Em suas estratégias, como na Ilha dos Amores de Camões, nos Lusíadas, Cupido e sua mãe colaboram na preparação da alma receptora. As ninfas foram preparadas por eles para receberem os nautas lusos. Por isso, a palavra alada, leva com ela a alma do emissor, voa animada pelo cosmos, e sabe descer no espaço exato, por instinto fotométrico e levar e entregar a mensagem. A palavra chega ao destino. Ela é mais do que um signo escrito. Ela tem uma voz, una "phoné". Essa voz tonifica a expressão. E então, a palavra torna-se rainha da mente e do coração. Diz. Fala. É lida. Ouvida. E transforma-se num fio de água que vai formar o grande rio afetivo da comunicação. É uma água de natureza anímica, por vezes erótica, como diria Adélia Prado, uma água que vai da nascente, se converte em caudal, vira rio e desce até ao mar. Esse mar é a junção afetiva de todas as energias que se juntam de um lado e de outro. O oceano do banquete das duas almas em comunicação. Neste contexto é que se revela o veio essencial das "palavras com carinho". A sutileza da chegada e a capacidade que têm de serem "mensageiras"! As palavras, por isso, terminam por ter o privilégio de pertencerem a um celeiro onde o estoque é amplo e variado. Nessa variedade ganha espaço a espontaneidade, e a gama indefinida de expressões afetivas e carinhosas. Espontaneidade que pode marcar a bela cena de comunicação que a palavra proporciona a quem mais ansiosamente por ela espera. Depois da palavra, "mula" do carinho, é a hora ontológica do carinho mesmo, agora recolhido em seu reino de emoção transcendente, secreto e vivo. Só carinho!

João Ferreira
8 de março de 2007
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 73Exibido 1028 vezesFale com o autor