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Poesias-->Sessenta Minutos -- 20/09/2016 - 00:20 (MARIA CRISTINA DOBAL CAMPIGLIA) |
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SESSENTA MINUTOS
Conto as horas e desconto
porque no fundo não acredito nelas.
Elas não devem acreditar em mim,
por isso desgastam-se comigo
tentando me obrigar a fazer coisas "úteis".
Eu faço. Não por elas, filhas do Tempo,
faço por outras questões como por exemplo
a coisa toda da sobrevivência
de não morar numa casa suja
de tentar educar os filhos...
eu faço.
Mas tenho a clareza de que odeio as horas
com suas cínicas miradas de passar
fazendo de conta que a exclusividade
as torna mais do que possa ser uma mente
ou um coração de gente.
Eu sei que elas são exclusivas : uma hora,
depois que aconteceu, nunca mais.
Não é fácil ter que entender
que depois que passaram-se sessenta minutos,
nunca mais eles vão se repetir: essa hora é única
no Tempo todo de nossa existência..
Por isso mesmo é que não gosto das horas.
Alguém poderia afirmar : é a mesma coisa
então, dizer que "não gostas do minuto,ou do segundo..."
Claro que não é o mesmo: o segundo, e mesmo o minuto,
tem a humildade de passar tão rápido
que um pode ser igualzinho (ou quase) ao outro,
eles não fazem questão no entanto, de se acharem "únicos".
Para nossa existência, um minuto realmente pouco significa,
porque o estado em que nos encontramos
pode (praticamente) repetir-se no seguinte minuto.
A hora não. Com a sua arrogância fantástica
junta sessenta dos coitados e efêmeros minutos
(que dirá dos segundos!) e faz deles o corpo dela.
Simples assim.
Se você tiver que esperar, uma hora
torna-se personalizada, problemática,
um minuto, ou mesmo alguns deles, jamais
Já sessenta deles
não são mais "sessenta minutos",
são "uma hora".
Os fatos que provocam a morte
podem se concretizar num minuto
mas dificilmente surgem e acabam em um minuto:
geralmente suas raízes estão nos muitos deles
que ficaram para atrás
uma guerra, um assassinato por paixão,
uma briga, uma parada cardíaca,
um suicídio, uma traição, uma dor...
As horas não tem culpa mas tingem os fatos:
elas fazem questão de construir as características
de tudo que acontece
de tudo que não acontece
de tudo que somos...
"Sem os segundos não haveria minutos,
sem minutos não haveria horas..."
Engano.
Poderiamos sumir com os minutos e os segundos,
e o que aconteceria em "uma hora"
seria suficiente para mudar as coisas...
Nesse sentido é que digo:
as horas são arrogantes, porque significativas.
Um louva-deus parou na minha janela.
Para ele sim, provavelmente,
o que vier a acontecer em um minuto
tem um valor incrivelmente diferente
ao minuto seguinte... Quanto vive um louva-deus?
A nossa separação (sim, a nossa separação!)
não começou num minuto.
Mas podeter começado em umahora...
Ela começou certamente em horas de distância
que fomos alimentando.
A sua despedida não foi possível em um minuto,
ela ocorreu arrastada em horas a fio
entre a elaboração da idéia
e a concretização da mala
foram-se as horas que nunca mais
voltarão.
"Foram dias..!" Não : foram horas
que viraram dias...
Viu? As horas...
Elas são exclusivas nelas mesmas...
Sei que aquelas horas não voltarão
porque fui navegando com as noites
voando com os dias, que começaram com as horas
e fiz do nosso conto uma história
memória e bagagens suaves,
memória e crueldade a dois...
Recordações e caminhos imperfeitos.
Doces, amargos, insípidos:
caminhos os nossos cruzados num ponto
do Tempo das horas alucinadas e traidoras
que vieram dizendo "agora vamos ficar"
e como isso é impossível,
elas foram-se
e outras vieram. Duras, desconhecidas.
Nas que chegaram, fomos nos desconhecendo...
Não é por isso que não gosto das horas,
não simpatizo com elas porque somem.
Os segundos não existem. Quando os vemos, já morreram.
Os minutos, quase isso.
Mas as horas não. E embora queira que elas continuem
muitas e muitas vezes,
sei que passam para o nada
ou para o todo
e que nunca vão se repetir.
Sim, eu digo:
voe se puder, cante. Grite a alegria de existir,
exista mais do que nada
porque sim :
o Tempo é uma ilusão que vende-nos as horas
como faz o palhaço com os risos no espetáculo...
Mas nem ligue se voce achar
"que está ficando velho":
Já estamos velhos num ponto do espaço
onde o Tempo ainda não nos deixa ver...
Ainda somos a criança curiosa que não vemos mais...
E na linha que nos sustenta encima do precipício
equilibramos entre medos e entusiasmos
para cruzar o universo.
O que importa se aqui, lá ou sabe-se lá onde...
estamos misturados ao que somos
somos o que cremos e o que não sabemos
e então, meu amigo:
vamos equilibrar na corda bamba, vamos dançar
porque as horas empurram os corações
e a Vida é isto, é passar!
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