A saideira sempre foi a última chance para que a bebida vencesse o embate como o relógio. E costuma vencer. Principalmente quando vem acompanhada de alguma música do Roberto Carlos. Mistura imbatível. A primeira rodada da saideira começa com o clássico “Emoções”. A farra caminha até chegar em “Amor infinito”, passando pela fase Roberto e Erasmo. Então, é batata (acho que me empolguei com o Roberto. Ninguém mais usa essa expressão desde Nelson Rodrigues).
Foi o que aconteceu com o Dagoberto naquela noite. Saiu para beber com os amigos do escritório, uma cerveja chamou outra, a saideira chamou o Roberto. Enfim, ele não tinha como encarar sua mulher, pois já passava das duas da manhã de uma quarta-feira.
Como todo bêbado culpado, ele resolveu inventar uma história. Chegaria em casa na ponta dos pés, entraria pela janela, deitaria na cama como se nada tivesse acontecido e diria à mulher que tinha ficado em reunião até um pouco mais tarde. Era perfeito. Como ele não tinha idéias tão boas quando sóbrio?
Chegou em casa, agarrou-se à janela – achou-a mais alta que de costume. Provavelmente pelas limitações físicas que o álcool e o sedentarismo o tinham imposto – e entrou no quarto fazendo o menor barulho possível. Tirou a roupa vagarosamente e deitou-se.
Passada meia-hora ele é acordado naquela parte do sono em que você está fazendo a maior força para sonhar com a Feiticeira.
- Bonito, heim?
- Reunião no escritório, amor.
- Que reunião, Alberto?
- Bem, querida... o quê? Você me chamou de Alberto?
- Não lembra nem seu próprio nome? Essa cachaça deve ser da boa! Coisa feia, heim?
Dagoberto acende a luz do abajur e percebe sua confusão. Estava de ceroulas azuis na casa do seu vizinho. E o que é mais assustador, com um ET de cara verde e melenta ao seu lado:
- Martinha?
- Dagoberto?!?
- Ahn, hum, hmmm, sim, ohm, ahm, ram.
- O que você está fazendo na minha cama?
- Ahm, rom, rum, rahm, grums.
- E quase nu? Vamos, quero uma explicação.
E ele, sem ter nada mais o que dizer:
- “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi...” – era um incorrigível.