Estranho país o Brasil: é o único onde as pessoas são indenizadas ou recebem pensão por terem sido comunistas. Nem na Rússia do marechal Stalin isso acontece. O processo de indenização e aposentadoria das vítimas da ditadura (onde se inclui um bom milhar de comunistas) transformou-se numa anarquia que, como todas as bagunças de Pindorama, engorda o andar de cima em nome de uma política destinada a beneficiar o de baixo.
Fraudes, privilégios e absurdos estão poluindo uma questão justa, honesta e necessária.
O que seria uma das belezas do processo político nacional tornou-se mais um capítulo da crônica do avanço sobre a bolsa da Viúva. Coisa de R$ 500 milhões neste ano, podendo-se projetar um cenário catastrófico de diversos bilhões.
Os benefícios são de duas ordens. Há aposentadorias e indenizações. Começando pelas pensões, nela agrupam-se desde pessoas que perderam os empregos, penaram, e recebem uma aposentadoria de pouco mais que R$ 100, até doutores que também ficaram desempregados e chegaram a receber mais de R$ 13 mil mensais.
Esse era o caso do dramaturgo Dias Gomes. Em 1964, Dias Gomes foi demitido arbitrariamente da Rádio Nacional. Os oficiais das Forças Armadas receberam suas promoções e pensões. Os marinheiros gramaram por mais de dez anos.
Na lista das vítimas aposentadas, estão o atual presidente da República (R$ 2.500 mensais) e seu ilustre antecessor (R$ 6 mil). Uma farra do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro espargiu aposentadorias no radical-chic carioca. Em 1996 o criminalista Modesto da Silveira aposentou-se como jornalista do semanário comunista “Novos Rumos” (R$ 7.593,30), sem nunca ter posto o pé na sua redação. Para desdita de seus jornalistas, “Novos Rumos” nunca pagou salários desse tamanho.
Há casos de pessoas que se tornaram pensionistas porque, tendo militado em organizações destinadas a derrubar a ditadura dos generais para colocar no seu lugar uma ditadura de sua vanguarda revolucionária, passaram tempos na clandestinidade. Foram criminosamente perseguidos pelo Estado. Milhares deles, quando presos, foram torturados. Centenas, assassinados. No seu direito, esses ex-militantes que conseguiram escapar à prisão entenderam que deviam pedir uma aposentadoria. Se o Estado não tivesse saído por aí torturando gente, esse problema não existiria. Isso não tira a esquisitice da figura de aposentado de clandestinidade.
Há ainda exemplos de pessoas que se aposentaram como vítimas da ditadura e hoje, por suas qualidades, estão na folha de pagamento da Viúva. Entendem que não devem abrir mão do benefício. Noutro grupo, ficaram aqueles que, tendo sofrido pelos crimes da ditadura, receberam indenizações. Os presos que a ditadura baniu, por exemplo. A eles somaram-se cidadãos massacrados e parentes de mortos e desaparecidos. Em alguns processos, essas indenizações diminuíram os infortúnios materiais de suas famílias. Em pelo menos dois casos, familiares que não precisavam do dinheiro acharam justo cobrar ao Estado o crime praticado, e repassaram o dinheiro para ONGs que oferecem serviços à comunidade.
Infelizmente, em episódios como o da guerrilha do Araguaia, foram indenizadas as famílias de todos os combatentes vindos das cidades. A maioria dos filhos da terra ficou a ver navios. Estão a ver navios os camponeses que tiveram suas roças queimadas.
Há hoje 23 mil pedidos de indenização, e estima-se que o número de postulantes chegue a 40 mil. Há um pedido de indenização de R$ 4,5 milhões.
Uma boa maneira de começar a revisão da farra poderia vir do presidente Lula. A Viúva lhe dá salário, casa, carro, comida e roupa lavada. Pode devolver a parte que lhe coube nesse latifúndio.