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Contos-->O NETO, O AVÔ E O CORETO -- 12/09/2013 - 12:34 (Gabriel de Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O NETO, O AVÔ E O CORETO

 

 

F

oi como que uma bênção de Deus. Passados alguns meses de se ter reformado, Tiago viu nascer o seu primeiro neto. Foi uma das maiores alegrias da sua vida. O pequeno Rafael veio preencher-lhe os dias, que passaram a ser menos vazios. Apesar do filho e da nora não morarem perto, todos os dias pegava no carro e ia visitá-los.

Afeiçoou-se de tal modo àquele ente pequenino, que já não poderia viver sem ele. O seu sangue estava lá e algumas parecenças também. Assistiu ao balbuciar das primeiras palavras, aos risos, aos choros, ao gatinhar e, em breve, aos primeiros passos. Rafael, além de “papá” e “mamã”, já sabia dizer “vovô”.

O tempo passa rápido, embora por vezes nós o tentemos agarrar. Chegou o dia em que os pais o inscreveram num infantário, ali perto, onde ele poderia brincar com meninos e meninas da sua idade, enquanto os pais iam trabalhar. Teria ocasião igualmente de aprender coisas que lhe seriam úteis, tanto para a escola como para o seu futuro.

 

T

iago passou a vê-lo somente em alguns fins-de-semana. As saudades eram imensas. Mimava-o com tudo o que ele pedia e sentia-se rejuvenescido quando observava a sua alegria. Desejava agora que Rafael crescesse depressa para poder ingressar na escola e ter férias várias vezes no ano. Tiraria então a barriga de misérias, como se costuma dizer.

Quando os pais o matricularam no 1º ano, o avô rejubilou. O seu Rafael ia finalmente trabalhar a sério (quem disse que o estudo não é trabalho?), mas também teria férias.

Três meses passam num instante e chegaram as férias do Natal. Como combinado com os pais, Tiago ocupava-se do neto todos os dias da semana. De segunda a sexta-feira, ia buscá-lo a casa ao princípio da manhã e só voltava ao fim da tarde. Cada dia arranjava um programa diferente. Experimentaram todos os meios de transporte, o que para Rafael eram verdadeiras descobertas. Ao longo dos primeiros seis anos de vida, praticamente só conhecera os carros dos pais e do avô.

Andaram de comboio, de eléctrico (agora já bem raros), de elevador (no da Bica, no do Lavra, no da Glória e no de Santa Justa), de autocarro e no metropolitano, onde Rafael entrou de olhos muito abertos pois nunca lhe passara pela cabeça que havia comboios por baixo do chão. A travessia do Tejo num cacilheiro não podia igualmente faltar, bem assim como as iluminações de Natal na Baixa lisboeta. Quando não chovia nem fazia demasiado frio, deixava-o brincar num qualquer parque infantil por onde passavam. Almoçavam onde calhava e Tiago “aconselhava-se” com o neto sobre o que iam comer. À tardinha, metiam-se no carro e rumavam à casa dos pais, aguardando que eles chegassem.

Quando recomeçaram as aulas, Rafael sentia-se mais informado sobre o mundo que o rodeava. Aplicado nos estudos, ficava no entanto, como o avô, a aguardar ansiosamente as próximas férias. 

 

C

om o rodar dos tempos, o avô passou a levá-lo a diversos espectáculos. Foram várias vezes ao cinema, viram peças de teatro infantis e, um belo dia, levou-o ao Jardim Zoológico. Rafael viu alguns animais pela primeira vez na sua vida e fez alguns comentários jocosos que muito divertiram o avô:

- Oh avô, quando a mãe pergunta ao pai se ele «está de trombas», está a chamá-lo elefante, não está?

- Dizem que o Homem descende do macaco, mas avozinho, eu sou mais bonito do que ele, não sou?

 - Os pinguins fazem-me lembrar aqueles fatos de gala que se vestem nas cerimónias… Copiámos deles, não foi?

- Porque razão tenho o desenho daquele (crocodilo) na minha camisola?

            Enfim, foi uma manhã e uma tarde muito bem passadas e motivo de conversa durante vários dias.

            Noutra ocasião, foram ao circo e, sensível como era, Rafael não deixou de perguntar:

            - Os palhaços são tão cómicos. Eles só riem? Nunca choram?

            - Eles têm, como toda a gente, os seus desgostos e momentos menos bons mas, honrando a sua profissão, muitas vezes riem para não chorar…

 

N

outra ocasião, Tiago perguntou ao neto se queria conhecer o sítio onde tirara o curso de liceu (actuais 5º a 11º ano). Logo Tiago lhe disse que sim.

Mostrou-lhe o exterior do Liceu, contando-lhe algumas peripécias que ali tinha vivido. Relembrou também alguns professores e colegas, que por variados motivos nunca mais esquecera.

- Quando saíamos das aulas, ficávamos por vezes a brincar neste jardim em frente. Enquanto jogávamos ao berlinde, ao pião, às caricas ou à bola, vários velhotes – como eu sou agora – jogavam às cartas e ao dominó em mesas de pedra que ali existiam para o efeito. Para as crianças, as coisas mudaram muito. Agora, vocês têm os telemóveis com jogos, os “IPad”, outras aplicações informáticas e, mesmo quando jogam futebol, é com vistosas bolas e não com as “bolas de trapos” que nós próprios fazíamos com peúgas e panos velhos.

- E o que é aquela cobertura metálica ali no meio?

- É um coreto. Servia para abrigar bandas musicais e diversas festas. Há-os espalhados por todo o país, dizendo-se que os primeiros apareceram no século XVIII na Grã-Bretanha. Alguns são verdadeiras obras de arte da metalurgia. Eu ainda assisti a alguns espectáculos.

- Então, e agora?

- Se bem que existam alguns projectos de reanimação dos coretos, a maior parte deles serve apenas para embelezar praças e jardins, à espera que alguma coisa aconteça.

 

N

a manhã de um sábado de Abril, Rafael telefonou ao avô, marcando-lhe um encontro para o dia seguinte, às 15 horas, junto do liceu onde ele estudara.

- Mas tu, como vens?

- Vou com os pais. Temos uma surpresa para ti!

No domingo, Tiago dirigiu-se ao local cerca do meio-dia. Não vendo nada de especial, foi almoçar tranquilamente num pequeno restaurante chinês que havia ali perto. Deslocou-se depois para o jardim e sentou-se num dos bancos virados para o Liceu. Veio-lhe à memória velhos tempos. Relembrou um professor que o iniciara na língua francesa; um outro, de Religião e Moral, que lhe incutira o gosto pelo desporto, em virtude das competições que organizava; um outro ainda, de Canto Coral, que lhe ensinara os primeiros rudimentos musicais.  

Viu aproximar-se um autocarro, de onde saíram muitas crianças e alguns adultos com instrumentos musicais. Dirigiram-se para o coreto, na companhia de um senhor, que lhes facilitou a entrada no mesmo. Tiago lobrigou no meio daquela criançada o seu Rafael. Que estariam eles a tramar? Acomodaram-se no interior. Um indivíduo que, soube-se depois, pertencia à Câmara Municipal, tomou a palavra para dizer que, a partir daquela data, o coreto estaria à disposição da população para espectáculos musicais ou outros, Só teriam que endereçar os pedidos e os projectos aos Serviços Culturais da Câmara.

Seguiu-se, no uso da palavra, uma outra personalidade que, dirigindo-se às muitas pessoas que entretanto se tinham juntado, informou:

- A pedido do aluno Rafael Silva Medeiros, que desejou assim agradecer todo o amor que tem recebido do seu avô Tiago, a nossa escola vai fazer actuar neste coreto o seu Coro Infantil, que dará assim o primeiro espectáculo público. Os nossos agradecimentos à Câmara e aproveitamos para dedicar as nossas canções a todos os avós que estejam presentes, cientes que vão relembrar tempos idos e que – julgavam – não iriam mais voltar.

Ouviram-se então várias canções populares, algumas muito conhecidas, interpretadas em coro, de madeira magistral, o que demonstrava a mestria com que tinham sido ensaiados.

Tiago não pôde suster as lágrimas que lhe afluíram aos olhos. Elas deslizaram pela sua face e, certamente envergonhadas, esconderam-se por baixo da sua barba branca. Só tinha olhos para o seu Rafael. Os olhares cruzaram-se por momentos e mandou-lhe um beijo. Entretanto, nem reparara que – atrás – estavam o seu filho e a nora. Quando os viu, finalmente, abraçaram-se emocionados. Que mais não fosse, para ter uma família assim, tinha valido a pena ter vivido!                                                                                  

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