"Massada. Como fortalezas, as cidades resistem. Aqui, no ano 72, mil judeus se mataram para não cair nas mãos dos romanos. Cervantes narra algo parecido na pela Numància. Nesta cidade celta-ibérica, 200 anos antes de Massada, todos também se mataram para não cair nas mãos de Scipião. Como Stalingrado, as cidades resistem. Há que resistir.
O diabo é que os inimigos não estão mais fora, mas dentro de nossos muros, de nossas casas.
Hoje subimos de teleférico para Massada. O sangue de ontem vira turismo hoje".
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"- Onde está o muro construído por Sharon para interditar os palestinos?
- Não é muro, alguém explica, é muro de proteção . Depois de sua construção, os atentados diminuíram 80%".
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"Curiosa conivência de fronteiras. O guia nos diz que, de um lado e outro, judeus e árabes se vigiam e dialogam através de binóculos. No tédio da vigília, o jordaniano, pelo binóculo, flerta com a soldada israelense, pedindo que ela levante a blusa e mostre os seios. Ela sinaliza para ele baixar primeiro a calça. Ele, pressuroso, obedece. E ela, atrás do binóculo, faz um sinal com o polegar pra baixo, como quem diz é pequeno, não funciona ".
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"Efraim conta: o milionário americano manda dizer antes de chegar a Israel que quer contratar seus serviços de guia. Mas tem que providenciar uma limusine preta e tirar todoso os assentos. Não tem problema , diz Efraim. O milionário acrescenta que o guia deve também vestir-se de preto, com sapatos pretos de verniz. Não tem problema , diz Efraim. O milionário, todo de preto, desembarca com dois cães pretos enormes, uma pasta misteriosa e manda tocar para o deserto. Chegam, saem do carro preto. A situação está preta. Chegando a uma montanha de pedra, o milionário abre a pasta preta, tira um saco de cinzas de sua mulher morta. Era o desejo dela.
Enquanto lançava as cinzas no deserto, os cães, lembrando de sua dona, ganiam para a eternidade".
Affonso Romano de Sant Anna, in "Fragmentos de uma viagem a Israel", Correio Braziliense, 25/3/2007, Caderno C, pg. 8.
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