Alegria na tristeza
(Rubem Alves)
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"Dez e meia da noite. Cruzamento da rua Benjamin Constant com a Avenida Júlio de Mesquita. Duas crianças, um menino e uma menina. Entre sete e oito anos de idade. Vendiam balas de goma com olhos tristes. Minha vontade era levá-los para minha casa, servir-lhes uma sopa, tomar conta deles.
Não fiz nada disso. O sinal ficou verde e acelerei o carro. Mas as duas crianças dormiram comigo, acordaram comigo e ainda estão comigo. Mas não é proibido o trabalho à s crianças?
Como celebrar a páscoa, em meio a risos, bacalhoadas e ovos de chocolate, quando há crianças assim?"
Na páscoa judaica as comidas eram servidas com ervas amargas.
Absinto, losna... Acho que deveríamos misturar losna com nossas comidas e bebidas. É preciso beber o amargo da vida para se ter noção da doçura, ausente, distante...
Paul Tillich, em um dos seus sermões, contou a seguinte história: "Nos julgamentos por crimes de guerra em Nurenberg, compareceu uma testemunha que havia vivido por um tempo num túmulo num cemitério judaico. Era o único lugar onde ele e muitos outros podiam viver, escondidos, depois de haverem escapado das càmaras de gás. Durante esse tempo, ele escreveu poesia, e um dos seus poemas era a descrição de um nascimento. Numa sepultura próxima, uma jovem mulher deu à luz um menino. O coveiro, de oitenta anos, envolto num lençol de linho, foi o parteiro. Quando o menininho recém-nascido deu o seu primeiro grito, o velho homem orou: Grande Deus, será que Tu finalmente nos enviaste o Messias? Pois quem, além do Messias, poderia nascer numa sepultura?"
"O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza! Só assim, de repente, na horinha em que se quer, de propósito - por coragem." (Guimarães Rosa)
fonte: texto extraído do "Quarto de badulaques XXII", Rubem Alves, 2004
postado por Heleida
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