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cronicas-->Compadre Tião -- 31/03/2007 - 15:55 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Compadre "Tião"

Antes de ser propagandista de laboratório fui garçom num restaurante de Barra do Piraí por vários anos. Ali o meu tio Pedro dava ordens. No armazém Barboza, que ficava ao lado, havia um negro gigantesco a quem chamavam de "Compadre Tião". O cara frequentava assiduamente o local e parecia ser um sujeito legal, estava sempre jogando conversa fora e dizia ser membro da LBV, uma igreja nova fundada pelo radialista Alziro Zarur. O negro se considerava compadre de todo mundo na Barra do Piraí, inclusive do meu tio Pedro. Já pertencia à comunidade barrense, entrava e saía do restaurante como se fosse o dono, tinha um sorriso fácil, de dentes branquíssimos. Seus lábios eram firmes, bem desenhados, curvos, e me impressionavam porque lembravam uma moela de galinha gigante. Quando sorria, o pescoço do negro se avolumava e um som metálico vinha das profundezas do seu pulmão de aço, era o Minotauro em pessoa. Eu tinha um medo mórbido dele.
O "Compadre Tião" trabalhava de ajudante geral num armazém à moda antiga, ali na rua da Estação. O seu patrão era um italiano boníssimo, conhecido por "seu" Carrusso, cuja mulher o corneava bastante. Mas isto é uma história proibida que não ouso contar. Volta e meia o "compadre" entrava sorrindo no restaurante contando histórias engraçadas de bicheiros (que chamava de contraventores). Segundo ele, os bicheiros fugiam e davam muito trabalho à polícia. Nesse tempo havia por lá um bicheiro maneta, de nome Neném, que usava uma prótese de madeira. O pobre Neném passava vendendo seus bilhetes e tinha que aguentar as gozações do "compadre", que contava para a platéia de imbecis que o Nenem "esquecera" a mão na cadeia durante uma fuga cinematográfica. O povo ria bastante daquela história tola, na qual o contraventor teria dispensado a mão como se fosse um grilo, fugindo maneta e deixando atordoados os policiais de plantão. Todo mundo ria, exceto eu que não gostava do "compadre", nem o Neném que era o maneta da história. O meu tio Pedro, "gerente da casa", era um homem politizado e pertencia ao "Grupo dos 11", -um esquema clandestino criado por Brizola para defender o governo fraco de João Goulart. Um certo dia, logo após o almoço, vi meu tio gesticulando e rangendo os dentes. Perguntei: "Está nervoso, tio?... O que houve?"
O meu tio espumava e tremia, aparentemente de raiva e medo e disse: "O compadre Tião é um dedo duro da polícia, acabo de descobrir. Ele é do CCC (comando de caça aos comunistas), foi ele mesmo quem me disse. O pior é que só agora me revela isso, e esteve esse tempo todo entre nós, a serviço da Ditadura Militar. Mas eu lhe digo: se ele me prender e me torturar, quando eu sair de lá acabo com ele, mato ele!"
Dito e feito, a Ditadura recrudesceu e prenderam o meu tio. Porém, como ele era um homem trabalhador e nada tinham de concreto contra ele, logo o soltaram. Algum tempo depois "o compadre" Tião foi pescar junto com um amigo e apareceu morto numa curva do Rio Paraíba, boiando feito uma rã, já no município de Vassouras. O beiço de moela do negro tinha sido comido pelos peixes e o seu corpo apresentava várias lesões profundas e feias. A morte do crioulo é um mistério até hoje e ninguém na Barra do Piraí chorou a morte dele. Afinal era um falso "compadre", espião e torturador.
O meu tio Pedro, homem bom, ainda vive e está velhinho, com quase oitenta anos, gozando de boa saúde. A polícia nunca conseguiu descobrir o misterioso companheiro de pescaria e provável assassino do "compadre" Tião. Eu não tenho certeza, nem posso provar, mas acho que quem estava com ele era o meu tio Pedro.

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