Usina de Letras
Usina de Letras
144 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62181 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140792)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->AOS CAÇADORES DE NUVENS -- 08/04/2007 - 14:13 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


AOS CAÇADORES DE NUVENS
João Ferreira
28 de março de 2007


São doze horas e trinta minutos do dia 28 de março de 2007. Nesta hora, muitas pessoas no mundo estão preocupadas com a cozinha e a mesa. Ou preparam a comida ou lancham ou almoçam ou tentam enganar a fome de alguma maneira, com uma bolacha, por exemplo. É muito natural. Mas também é verdade que nesta hora nem todas as pessoas estão almoçando. Aqui, na Biblioteca Central da Universidade de Brasília, só para variar, houve um apagão total, um black-out.Silencioso, sem indignação externa. Todos os que foram à Biblioteca para pesquisar, ler ou trabalhar seus textos ficaram completamente às escuras. Impedidos portanto de ler e de pesquisar. De circular, até. Numa ala da sala de leitura voltada para norte, porém, um pequeno grupo de leitores dispõe de algumas carteiras voltadas para a claridade externa. Esses não interromperam a leitura nem a pesquisa. Continuaram concentrados trabalhando. Eu estava entre as estantes de livros, quando se deu o apagão. Fiquei sem luz que me impossibilitava a identificação de um simples título de livro pela lombada. A situação mexeu comigo. Era uma situação nova, rara no meu quotidiano. Era um toque que atingia minha percepção e que me tirava da rotina do dia-a-dia adormecido. Algo que me despertava e que me pedia alternativas. Fui para junto do grupinho que ocupava algumas carteiras voltadas para a claridade externa. Havia por ali uma cadeira perdida. O que tinha a fazer era colocá-la estrategicamente e criativamente voltada para a luz. E usufruir do talento da luz para me manter vivo e desperto. Fiquei com dois paredões altos de concreto perfilados diante dos olhos, com aberturas largas rompendo pelo espaço externo. Na esgueirada franja do bloco maior de betão, dominava o espaço um belo e pujante corpo de pinheiro bravo, de caruma verde e pinhas esvaziadas de pinhões. Era um exemplo de vida, de ramos abertos e tronco de resinosa essência.
Em outro plano aberto pela franja de luz, olhando
pelo amplo espaço do campus, alguns exemplares de árvores originais do cerrado. E agora, mais ampla ainda, a larga e ampla moldura do Minhocão e do parque anexo, já com algumas unidades acadêmicas de recente construção se mostrando aos olhos. Há buritis com seus leques abanados pelo vento. Há eucaliptos altos. E também angicos. Mais longe, o bambuzal verde e compacto, móvel e diverso, de boa sombra, apontando na direção do setor de garagens. No estacionamento, alguns carros ao sol. Em alguma sala do prédio, bem próxima, vozes divertidas e alegres eram ouvidas, numa pausa para almoço.
A contrastar, firme e paciente, a turminha que tinha sido contrariada pelo escuro do apagão na Biblioteca, não arredou pé. Continuava concentrada e fiel ao projeto que a trouxera até ali. Mais feliz agora, que a luz já voltou. Exatamente, quando batem no relógio as doze horas e cinquenta minutos. Aproveito o embalo, deixo a minha cadeira solitária e passo pelas estantes da Literatura Brasileira. Visito meus preferidos autores clássicos modernos, os monstros sagrados da modernidade brasileira: Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Morais, Manuel Bandeira.Apenas uma visita de reconhecimento. Sempre andando e olhando, amigo de novidades, me deparei com um livro diferente, até pelo título. Estava diante do "Armorial de um caçador de nuvens", da autoria do poeta pernambucano Ângelo Monteiro, admirador e amigo de Suassuna. Fiquei animado com o livro. Ia ler, mas o apagão voltou. Toda a Biblioteca novamente em trevas rigorosas. E agora? O remédio foi regressar à minha cadeirinha voltada para norte, junto à janela da franja dos betões e ao perfume resinoso do pinheiro bravo. Quando armei minha barraca, havia o alento de um ceú aberto que cobria a campina verde e certinha tratada por habilidosos jardineiros do campus.
Sentei-me e passei a julgar que aquela era uma situação que devia aproveitar. Mergulhei na leitura do livro, já transformado em caçador de nuvens. Na leitura, encontrei um Ângelo Monteiro solto que sabe escrever poesia, como dizem os textos "O Galope dos mágicos", dividido em vários poemas. Entre eles, a "Pedra do Reino", do gosto e do elenco literário de Suassuna. Depois encontrei "cantigas de fingimento", inspiradas em Fernando Pessoa: "O Poeta é um fingidor". E o livro terminava mesmo em "Revelação do Maravilhoso". O livro de Angelo Monteiro mostra a base animada da vida e da poesia. Ora olhando, ora sentindo, ora nos inspirando, ora nos seduzindo, num vai e vem singular. Uma vida que é ondulada, variada em seu percurso, itinerante, no diálogo com as coisas que nos "dizem", "nos encantam" mas que também "nos encobrem" muito! As coisas que nos sorriem, que nos fazem companhia, que provocam nossos desejos e ansiedades, que nos distraem com seus gestos e que se aproximam de nós pelo olhar, pelo ouvido e pela palavra.
Encerrei a leitura do "armorial de um caçador de nuvens" e como leitor interessado na poesia passei a acreditar que também eu, pelo gosto da poeticidade e da leveza poética do mundo, estava me inscrevendo na lista dos caçadores de nuvens!

João Ferreira
Brasília
28 de março de 2007
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 73Exibido 641 vezesFale com o autor