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Artigos-->Era uma vez... -- 14/02/2003 - 16:50 (Márcio Filgueiras de Amorim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era uma vez...



Márcio Filgueiras de Amorim



Os povos antigos davam grande valor aos contadores de histórias. Em geral função dos mais velhos, os anciãos, muitas vezes as mulheres. Eles preservavam a memória do grupo, Triste o povo, a nação que perde sua memória e identidade. Suas histórias, crenças e valores que se mantinham quando a volta da fogueira, sob a luz da lua se escutava e depois indo dormir, com tudo aquilo se sonhava. Steiner diz que o aprendizado compreende aprender, esquecer e aprender de novo, cada vez de forma mais profunda e internalizada. Hoje se esqueceu a importância de se passar noções formativas como valores, ética, moral no sentido mais inteiro e menos hipócrita do termo, neste momento antes de adormecer e sonhar. Época de sábios costumes que nos tempos de hoje estamos perdendo em função da correria, das relações superficiais e pouco afetivas. De repente percebemos que os valores dos nossos filhos não são os nossos, que a família se desintegra e que quem educa nossos filhos é a televisão. Nossos velhos perderam a função e o respeito com todo o conhecimento sendo descartável, mutável, reciclável, passageiro e superficial. Embora os velhos percam a força laboram conservam a memória a experiência e a sabedoria. Qualidades inestimáveis que se temperados com o carinho de ensinar aos mais jovens nenhuma família deveria desperdiçar a oportunidade única de incentivar tal troca.

O filósofo Rudolf Steiner em sua Pedagogia Waldorf defende uma educação de almas. Neste processo o contar histórias, pela família ou pela escola, é um dos mais importantes instrumentos. Aconselha que na família se estabeleça o hábito de contar uma história todas as noites. De preferência memorize a história, conte-a de cor, ela ganha em veracidade e força se sair da boca dos pais sem apoio de um livro. Quem aprende a memorizar está treinando sua própria memória, evitando os danos à memória que o envelhecer pode provocar. Está mantendo sua emoção viva e exercendo o amor que quem ensina aprende a praticar. A voz deve ser harmônica e suave, a história tem a sua própria força, não precisa ser exageradamente dramatizada. Não se analisa a história, ela é uma semente viva plantada em solo fértil esperando para germinar, crescer e dar flores e frutos. Todo conhecimento que entregamos pronto completo, está já um pouco morto e, portanto esclerosa com seu excesso de intelectualidade, o que se ensina contando histórias está vivo e vai provocar crescimento, desabrochar. Respeitemos o tempo certo e individual que cada um vai precisar para isto fazer.

É importante respeitar a história, não a simplifique ou lhe tire os aspectos desagradáveis, neles podem estar os aspectos mais profundos e de maior valor arquetípico. Uma avó me confessou que contava a história de João e Maria numa versão em que eles não eram abandonados, mas se perdiam na floresta e logo, logo, achavam o caminho de casa. Esta história é muito mais tola e ansiosa que a história original, que entre vários tesouros de imagens psíquicas ou arquetípicas, trabalha o medo universal de abandono. Com a preocupação compreensível de poupar sofrimento ao netinho esta vovó o privou de vivenciar a sensação de abandono em uma experiência segura e com final feliz. Que o capacitaria para viver no futuro suas próprias situações de abandono com uma estrutura psicológica ampliada. O atraso do pai ao busca-lo na escola ou o rompimento do namoro na adolescência seria talvez mais fácil de suportar se desde cedo, a emoção que o tema suscita, começasse a ser trabalhado. Vemos as vezes os desenhos animados ou filmes do cinema e da TV banalizarem mitos gregos ou contos de fadas tirando os aspetos conflituosos ou dúbios dos personagens, pasteurizando e superficializando enredos, originalmente muito mais ricos, complexos e capazes de provocar reflexões e percepções muito mais profundas.

Que não se conte demasiadas histórias, a pressa e o afobamento, também aqui é inimiga da perfeição. Uma criança as vezes expressa o desejo de escutar a mesma história por meses e isto deve ser respeitado.O contador de histórias está numa dimensão mágica e atemporal e trabalha com imagens, poéticas, essenciais, arquetípicas, visando formar e alimentar a alma ou se preferirem o psiquismo de alguém. Busca formar a consciência do bom, do belo, e do verdadeiro, destino último mesmo que inconsciente, do homem. Contar e ouvir histórias com o conseqüente aprofundamento emocional, espiritual, intelectual e a troca afetiva que acarreta é um excelente antídoto para o bombardeamento de informações tolas, superficiais e descartáveis com que nossa sociedade de consumo nos sobrecarrega diuturnamente, aumentando cada vez mais nossa sensação de solidão e vazio.

Nas antigas sociedades, durante milênios, os mais velhos contando histórias transmitiam oralmente seus conhecimentos para as novas gerações. Antes de a voz reverberar pelo ar até ouvidos atentos transitava pelos pensamentos e emoções do contador. Isto criava elos, fazia que se sentisse uma identidade de grupo, mantinha a tradição e alimentava com belas imagens o inconsciente ou a alma, como queiram. Permitir o desenvolvimento de um rico pensar imaginativo é um dos atributos da literatura em geral e da literatura oral em particular. As narrativas permitem que se pense sobre a vida e a morte, sobre a relação do homem com a natureza e com o divino, favorecem a formação moral e ética, estimulam a percepção dos vícios e virtudes, da solidariedade, da compaixão e de tantos valores tão necessários a um viver consciente. O germe das futuras reflexões e ações do adulto se baseia nestas primeiras imagens que se começa a formar na infância.

Nos primeiros sete anos deve-se utilizar os contos de fadas. Ensinando com eles as crianças, por meio da imaginação, de forma lenta, repetitiva, porém progressiva, a representar imagens conceituais. Estes momentos de alegria, comunicação e confiança estreitam os laços entre pais e filhos que vão perdurar por toda a vida.

Dos sete aos 12 anos, segundo a Pedagogia Waldorf, recomenda-se a narração de contos de fadas, fábulas, lendas dos santos, histórias do velho testamento, mitos nórdicos, hindus, persas, egípcios, gregos e romanos, além de contos e lendas folclóricos brasileiros, africanos e latino-americanos. Neste período intensifica-se o desenvolvimento de qualidades ligadas ao sentimento, à imaginação e a emotividade. Deve-se trabalhar muito o elemento rítmico, tanto na música quanto na cadência própria da literatura oral.

Dos doze aos quinze anos a ênfase recai sobre as narrativas de biografias de grandes homens e mulheres da história. Isto permite incentivar os ideais e dá substrato para as difíceis escolhas deste período.

Exercer atividades inerentes a espécie como: pensar, imaginar e relembrar permite ao homem se tornar único, individual e consciente. Por estas capacidades o homem se liberta do determinismo dos instintos, sendo lhe possível refletir sobre os pensamentos, sentimentos e ações do passado, do presente e do futuro, bem como decidir com liberdade o que é melhor para ele. O animal, predeterminado pelas características da espécie, não tem essa liberdade de escolha. Contar histórias, antes atividade em volta da fogueira, hoje esquecida no corre, corre da vida moderna, merece retornar como forma de se agregar a família, estreitar os laços e permitir aos pais retomarem o papel de educadores primeiros de seus filhos. Lembremos a frase de Sócrates que diz que “o homem deve ser descrito e definido segundo sua consciência”. Schiller por sua vez diz que “o homem só brinca enquanto é homem no pleno sentido da palavra, e só é homem enquanto brinca”. Quem não for capaz de sonhar acordado na infância terá, como adulto, dificuldades no que diz respeito à flexibilidade e espontaneidade, ou seja, terá uma inabilidade para fazer contatos reais com outras pessoas, isolando-se. Vamos, portanto unir o lúdico do contar histórias ao amoroso interesse pela formação maior de nossos filhos e alunos, retomemos a milenar tradição da literatura oral.

Ditados populares nos ensinam que: ”a palavra é de prata e o silêncio é de ouro” alertando para o risco de se falar sem refletir. Outro nos diz que ”em boca fechada não entra mosca” sobre o risco e a responsabilidade do falar.

Ao denominarmos as coisas, no mundo, criamos representações mentais de todas elas. Nos distanciamos da realidade objetiva criando nosso mundo mental. Uma mesma palavra pode ter diferentes significados para diferentes indivíduos, pelos diversos conteúdos pessoais a ela associados. A palavra casa deve evocar imagens diferentes para um arquiteto, um índio, ou um “sem teto”. Lembremos do mito bíblico da Torre de Babel e da confusão que diferentes compressões podem provocar.

A escrita evoluiu dos ideogramas como do Egito antigo ou do Japão atual para nosso atual alfabeto. O pensamento analógico exigido pela escrita por ideogramas mudou, ao mesmo tempo, para nosso pensamento mais lógico. Hoje fazemos o caminho de retorno ao valorizarmos um pensar mais integrado e analógico com livros, cursos e seminários na linha de “Inteligência emocional”.

As palavras vão sendo usadas e vai-se perdendo seu significado original. Companheiro vem do latim “cum panis” significando os que compartilham o pão. Simbólico representa aquilo que une a uma compreensão arquetípica. Diabólico é o oposto pois é o que separa do sentido arquetípico. O sexo seria simbólico quando unido ao amor e diabólico no estupro. O fogo tinha primitivamente um sentido de lar, pois para a fogueira da caverna voltava o homem pré-histórico. O mito de Prometeu furtando dos deuses do Olimpo o fogo, para ofertar ao homem, mostra a importância do fogo para a civilização. Na Grécia antiga para uma nova colônia que se fundava seguia uma tocha do fogo da cidade fundadora, Nas nossas casas do interior de Minas reúne-se na cozinha em volta do fogão de lenha.

Diz-se que os vitrais das nossas catedrais recordam os raios de sol, que se infiltravam pelas copas das árvores, nos cultos primitivos sob as florestas Algumas expressões surgiam por deformação no entendimento. Os imigrantes italianos falavam “esculpido em (mármore) carrara” e foram entendidos “cuspido e escarrado” no sentido de um filho por exemplo se parecer com o pai. Os imigrantes portugueses falavam “quem canta mal os fados espanta” e foram entendidos “quem canta seus males espanta”.

Uma crônica do Stephen Kanitz diz que dos 36 livros que o casal leu sobre educar os filhos o que mais aproveitaram foi “A auto estima de seu filho“ de Dorothy Briggs que alertava sobre palavras duras destruindo a auto imagem dos filhos. Ele brinca dizendo que Jean Jacques Russeau errou ao dizer que “o homem nasce bom mas a sociedade o corrompe” na verdade os próprios pais se encarregam de fazer o estrago. Quantas vezes brigamos irados e despejamos uma série de catastróficas críticas que tanto rebaixam a auto estima dos filhos que tanto amamos. Como seria importante corrigir sim, mas com palavras melhor escolhidas.

Dos mitos ligados a comunicação o de Hermes responsável pela comunicação entre o Olimpo e a terra, mas que tanto comunicava como enganava, trapaceava. Assim são as palavras que podem funcionar como símbolos de união e compreensão entre os homens ou de forma diabólica confundindo, separando menosprezando as pessoas. Cabe refletir melhor sobre o que se fala e valorizar a importância da comunicação com o mundo simbólico e arquetípico de nossos filhos e alunos.

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