PARENTE DE ONÇA
Por S.Kalil Botelho
A historieta era conhecida e contada por todos na pequena cidade de Abelhas, às margens do Rio Grande.
Capitão Sizínio, fazendeiro rico e pai de prole robusta, fizera-se mais popular pelos costumes pouco liberais em matéria de economia doméstica, que pelas centenas de cabeças de gado que criava nas infindáveis pastagens naturais de que se apropriara e governava com mão de ferro.
No exercício das práticas habituais a criadores da região, comprara, segundo ele para melhorar a raça, algumas novilhas de amigo e compadre seu, que ocupava a outra margem da ilha, à cerca de cinco léguas da própria fazenda.
Ao final da tarde, chamara seu vaqueiro de confiança e recomendara que partisse cedo, no dia seguinte, para ir buscá-las.
Pela manhã, ao levantar-se e sair para inspecionar as cercanias, hábito diário a que se não dispensava, encontra o vaqueiro, vestido de gibão, perneira e peitoral, encostado preguiçosamente ao cavalo selado e amarrado num dos esteios de sustentação da varanda da casa.
Que é que houve seu Pedro? Ainda está por aqui a estas horas? O que está esperando?
O frito da viagem, capitão, responde-lhe o serviçal.
O frito da viagem!?... O frito da viagem!?...Repete, vezes sem conta, o capitão. Só sendo parente de onça! Conclui, inconformado.
E continua: Ora seu Pedro, o senhor deve ter terminado de comer uns ovos fritos, com pirão de farinha d água regado a leite tirado diretamente do peito da vaca. Isso nunca faltou aos meus vaqueiros e aderentes.
Depois, quando o senhor mal acabar de sair do pátio da fazenda, estará subindo a Chapada do Engano onde encontrará o chão coberto por pequis maduros que quase lhe atrapalharão a passagem.
O senhor sabe, seu Pedro, que o pequi é o requeijão do vaqueiro? Pergunta Sizínio ao empregado relapso. E volta a resmungar: "Só sendo parente de onça"!
Mais tarde, seu Pedro, quando o senhor acabar de descer a chapada pelo outro lado, estará às margens do Santa Luzia que, por esta época, costuma mostrar o ouro de mil pés de juazeiros carregados. Um verdadeiro regalo para qualquer um que não tenha certos luxos.
Além de fazer mais uma refeição saudável, o senhor ainda pode até se refrescar nas águas do Santa Luzia, coisa de deixar um cristão muito feliz.
Então, é só andar mais um pouco e chegar à casa do compadre Antonino, que é como se o senhor chegasse à nossa própria casa.
Vamos andando, seu Pedro, conclui o capitão Sizínio.
E, levantando-se, sai para a inspeção de costume, balançando a cabeça e repetindo baixinho: "O frito da viagem!..." "Só sendo parente de onça!..."
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