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Contos-->A BELA DONA DA PRAÇA -- 17/03/2014 - 12:46 (Roosevelt Vieira Leite) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Certo dia eu estava na Praça Fausto Cardoso como era de costume. Eram nove horas da manhã e o sol implacável estava como naqueles dias, dias quentes de Sergipe Del Rei. A praça estava decorada com bandeirolas juninas; era época de São João. Muitos que passavam carregavam o espírito junino. Sempre gostei da nostalgia da Praça Fausto Cardoso. É um local onde as pessoas se encontram, contudo, as pessoas se perdem no anonimato das cidades grandes, são como águas engolidas pelos seus bueiros. Ás vezes alguns homens de idade se reúnem com sua sabedoria. Falam de tudo e sobre tudo. Outros passam por ela sem sentir sua história. Mas naquele dia minha atenção voltou-se para alguém que se sentou em um de seus bancos como eu havia feito. É certo que não temos mais a tranqüilidade de outrora, as coisas mudaram muito ao longo dos anos; a praça é a mesma, mas os personagens são outros. Pela noite adentro, varando a madrugada aparecem fantasmas, vampiros, vaga-lumes que fazem do local trajeto de suas caminhadas.

Bem, como dizia, era manhã; era um dia de sexta-feira. Alguns engraxates faziam seu trabalho. Muita gente bonita passava e nem notava minha humilde presença no lugar. Os pardais faziam uma festa com os restos de comida dos seres humanos que apreciavam estar ali. A razão; não sei se era igual a minha; cada cabeça tem seu mundo, portanto, sua praça. Disse eu para mim mesmo observando as aves: “Elas nunca voam para muito longe de seus ninhos”. Naquela manhã os deuses conspiraram contra mim, pois já cansado de meus dias, vi com meus olhos velhos e turvos de tanto enxergar as coisas, uma mulher de meia idade, muito bonita, na verdade, uma bela dona sentar-se a três bancos distantes do meu. Seu vestido era belíssimo, um tecido de gente rica, todo decorado de rosas de cima a abaixo, era como se fosse uma peça só trabalhada por mãos de artista. Seu perfume me encheu o peito de saudades do meu povo, o povo de minha mãe África. As silhuetas de seu corpo apareceram quando ela sentou-se e cruzou as pernas delicadamente como uma princesa, uma solitária princesa na Praça Fausto Cardoso. Seus olhos grandes e castanhos claros faziam com seus cabelos da mesma cor uma harmonia estética que bem caracteriza a beleza da mulher sergipana. Nunca me esqueci daquela boca vermelha que falava sozinha como que estivesse irritada por alguma coisa. Fiquei quieto para ela não me ver. E não me viu mesmo. Devo admitir sua presença arrebatava o coração de qualquer um. Todos que passavam a olhavam, uns diziam baixinho “gostosa”, outros mais tímidos, contendo-se em si mesmo, nada diziam. Mas, afinal, o que ela fazia ali? O mesmo que eu? Certo que não. Como eu não tinha nada para fazer, entendi ser melhor passar mais tempo na velha praça que me faz recordar muitas estórias e histórias do passado. A mulher movia seus lábios enraivecida:

- Seu filho da mãe, nunca cumpre o que promete. Se ao menos ele chegasse aqui e dissesse a verdade. Os homens são todos iguais.

Havia no chão em um buraquinho no ladrilho da praça um ninho de escorpiões. Eles se abraçaram uns aos outros antes de saírem em busca de alimentos.

- Cretino! Safado! Oh, meu Deus, mas, eu gosto dele. Disse a pobre dama com lágrimas nos olhos. Frederico, seu filho da mãe, apareça! Falou ela com um tom um tanto mais alto.

Os escorpiões se alimentam de tudo. São sobreviventes. A praça era um lugar de fartura para eles. Seus exércitos estavam por todo lugar.

- Frederico, por que você não me disse antes, por que, seu cretino. Bradou a moça com muita força dessa vez.

As horas avançavam e ela nem percebeu, já estava perto das dez horas. Então vi algo mudar no seu semblante. Seu rosto estava brilhando, embelezando ainda mais as suas linhas, e um sorriso surgiu do nada.

- Frederico, até que fim! Disse a moça ao ver o seu amor chegar.

- Tive problemas para sair. Você sabe, a escola está fechada, não tinha um álibi. Desculpa-se Frederico como pode.

- Sei. Disse a dona bonita com ar de decepção.

- Não será assim para sempre, não se preocupe. Continuou Frederico.

Ela respirou profundamente e pegou-lhe a mão e ele a deixou acariciá-la.

- Sabe Frederico, eu não nasci para ser a segunda.

- Entendo. Disse o rapaz.

- Não suportaria esta situação por muito tempo. Você me enganou e me feriu. Mesmo sem divórcio no Brasil, quero uma solução. Você me ama? Então vamos morar juntos.

- Mas, meu bem, não é assim tão fácil. Argumentou o moço.

- Como não Frederico? Você diz que ama e me quer; isso não basta?

- E as crianças? O que fazer? Ela não vai me deixar ver meus filhos. Você não entende o coração de um pai. Argumentou novamente o rapaz.

- Isso é desculpa de cabra safado. Replicou a bela dona muito zangada.

A moça continuou e gritava tão alto que os pardais se assustaram e voaram para o cume das árvores.

- Eu não quero ser puta! Eu não quero ser puta!

Os escorpiões estavam por toda a praça e sempre estavam unidos. Eram laboriosas no que faziam aquelas criaturas horrendas, mas de muita sabedoria. O divino mestre criou tudo para uma finalidade na terra. Será que estou enganado?

- Olha querida, nunca te prometi nada, portanto, devo dizer que continuo sem prometer. A situação vai ficar como estar.

- Seu filho da mãe. Tu és um canalha, um safado. Saia da minha frente. Desapareça da minha vida. Disse a bela dona com dor cortante em seu peito; um pedaço de si estava sendo arrancado sem piedade.

Frederico se foi deixando sua amante em prantos. O moço nem olhou para trás. A Praça Fausto Cardoso é assim. Ocorre de tudo por lá. Na verdade a vida passa por lá.

Eram onze horas quando isso aconteceu. Todos os moradores improvisados da praça vêem coisas que lhes fazem, por vezes, mais humanos, ou lhes endurecem o coração como o chão da mesma. A moça permaneceu sentada por um instante. Calada ficou como se não acreditasse naquele fim tão frio para um amor tão quente.

“Os escorpiões atacam quando se sentem ameaçados. Caso contrário, eles nem ligam para tua existência”. Pensei eu. A praça sempre teve mendigos. E eles são muitos em todas as épocas do ano, haja festa ou não, eles estão lá. O meio dia se aproximava e certamente a barriga de muita gente sentia a agonia da fome. Uma criança vestida em trapos com o rosto sujo e aquele fedor de falta de banho aproxima-se da mulher e diz:

- Dona Maria me dá um dinheiro para eu comer!

- Perdoe, não tenho nada. Respondeu a bela dona sem prestar atenção.

- Dona Maria me dá um dinheiro para eu e meus irmãos comermos!

- Perdoe-me meu filho, não tenho trocados. Disse ela novamente.

Os olhos da criança fitaram os da mulher como que implorasse por misericórdia. A dona da praça sentiu-se perturbada.

-Por que me olhas? Toma teu rumo: Disse a mulher.

Os escorpiões lutam entre si, contudo, não se separam e dividem bem a comida.

-Saia moleque! Deixe-me em paz!

A criança sentiu a tristeza da mulher. Lembrou-se de quando sua mãe era viva, do pouco do tempo que passaram juntos.

Safira era uma mulher de bem embora tivesse feito vida. Tudo que ganhava dava para os filhos, até que um dos seus clientes por causa da bebida a espancou até a morte. Desde então Gil vive na rua com seus dois irmãos.

-Por que você está chorando? Perguntou Gil. A criança viu a mulher bonita, bem vestida, por certo, tinha dinheiro. Então porque tanta tristeza?

-Não estou chorando. Se manda menino, você está fedendo!

-Eu? Eu não. Respondeu Gil. A moça está chorando por causa do homem que falou com você.

-Não se meta! Já disse, por favor, vá embora!

-Me dê uma esmola pelo amor de Deus. Estou com fome, disse Gil novamente.

-Está bem, tome! A dona abriu uma carteira de couro puro e tirou uma cédula de cinqüenta cruzeiros.

-Obrigado, Deus te abençoe, disse Gil.

A criança se foi. Juntou-se aos seus e comeram aquele dia. O resto deixado em um canto da praça chamou a atenção dos escorpiões. Eles gostam de resto de coisas. A humanidade cria seus bichos, não é verdade?

A bela dona da praça levantou-se e caminha em direção ao seu carro estacionado defronte ao tribunal de justiça. No percurso ela se depara com as três crianças que estavam com as mãos e bocas meladas de comida recente. Gil o mais levado disse:

-Oi moça, obrigado, você matou minha fome.

Olha meu caro leitor, esse velho não mente, posso até enfeitar, mas o que eu vi eu vi. A mulher colocou as três crianças em seu carro e os levou para casa. A casa da dona da praça era muito espaçosa e toda decorada à moda antiga. Móveis coloniais e retrato de parentes por todo o lado. Gil e Tomé ficaram em um quarto, Margarida em outro. Eu fui até lá e vi tudo. Desde aquele dia na praça a mulher nunca mais chorou. Casou-se com um advogado que legalizou a situação das crianças. Estas cresceram, Gil foi trabalhar na Caixa Econômica, Margarida casou-se e foi morar com seu marido que era pediatra. E Tomé, ah, esse foi bem curioso, tornou-se um Babalaô de Umbanda. Não sei por que, e não me culpem por nada. Os escorpiões continuaram na praça como sempre. E muitos anos passarão até que alguém seja picado e diga: “Tem escorpiões aqui”.
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