Usina de Letras
Usina de Letras
20 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62282 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50671)

Humor (20040)

Infantil (5457)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6208)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->Nunca mais álbum -- 23/04/2007 - 20:31 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Conde D´Eu tentou dar no pé, mas não deu. O sogro já circulava pela porta principal seguido pelo Photographo da Casa Imperial, o afetado Buvelot, e seus passarinhos empalhados. D. Pedro era um verdadeiro infante em dias de retrato de família. Já o genro, preferia perder seu tempo rememorando as vitórias em terras paraguaias. Contrariar o Magnànimo com que desculpa? Melhor sorrir com nobreza e disfarçar sem ela. O cenário já estava escolhido quando Dona Tereza Cristina e a filha Isabel chegaram do passeio pela Quinta. A idéia do artista era usar uma parede neutra como fundo e poucos móveis na composição para que a atenção do apreciador recaísse diretamente sobre a Família Real Brasileira. Sua Majestade combinou as poses com Buvelot e repassou as instruções:
- Belinha, senta-te por cá e tua mãe ao teu lado. O conde, por obséquio, neste banquinho. Ficarei eu em pé, com a mesa a apoiar-me a pose. Tu, conde, sustenta-te na bengala que, além de firme, ficarás bem fino a olhar para a tua amada. Nós, minha rainha, olhamos para algum ponto distante lá e acolá. Ó Buvelot, toca a balançar teus passarinhos, tu e teus assistentes, nos dois cantos da sala, para segurar meus olhares e os dela. Ali, Tereza! Olha o passarinho!
.....................
É famosa a paixão do segundo imperador do Brasil pela fotografia. Ele mesmo era um artista amador e, sempre que as obrigações do cargo davam uma trégua, adorava reunir a família para um grande evento: o dia da fotografia. Naquela época, fotografar era caro e demorado. O momento do click, que estava mais para um cliiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiick, prolongava-se por muitos segundos, durante os quais os modelos não podiam se mexer sob risco de borrar tudo. Ninguém mostrava os dentes porque congelar um sorriso por tanto tempo era uma tortura e deformava o rosto.
Com tamanhas dificuldades técnicas, a preparação para cada registro precisava ser impecável. Os envolvidos eram avisados com dias de antecedência para que pudessem preparar as melhores roupas. A data marcada era preenchida com um almoço ou ao menos um brunch que culminava exatamente com o momento mágico em que todos se reuniam em poses clássicas para fazer uma ponte com a posteridade. O resultado só era visto dias depois e, se fosse bom, serviria como espelho das almas dos fotografados.
Por muitas décadas o "dia de tirar fotografia" continuou existindo. Minha infància foi marcada por domingos fotográficos. Meu pai tinha uma máquina Tira-Teima que queimava filmes ISO 126 em cartuchos. Doze poses que já justificavam uma grande euforia na família desde o sábado. Cada um escolhia o figurino, e o vizinho ajudava para que a família pudesse aparecer junta, fosse no quintal, na frente da casa ou em volta do bolo de aniversário. Poucas e comemoradas fotos.
Havia também o fotógrafo profissional que atendia em domicílio e era muito respeitado por todos, sendo inclusive chamado pelo nome completo. Esse só aparecia em missão oficial: nascimentos, batizados, festas de arromba e também para fazer umas fotos retocadas à mão de gosto discutível. No final, os álbuns eram magrinhos, com fotos caseiras desfocadas ou tremidas e outras, do fotógrafo com sobrenome, com crianças sobre ovelhas pintadas de vermelho e amarelo ou burros disfarçados de zebra. Mas eram um tesouro, fruto de muito esforço e boa-vontade.
Carlos Drummond de Andrade via em toda técnica algo de poesia. "Mais ainda no caso da fotografia, cujas operações se assimilam naturalmente às da criação poética - a sensibilização pela luz, o banho revelador, o mistério da claridade implícita no opaco, da sombra representada pelo translúcido." E tudo que foi mostrado aqui, da foto da Família Real ao monóculo do recém-nascido pelado sobre a cama, poderia ser exemplo dessa magia a qual a fotografia já correspondeu.
Tudo para lamentar que hoje, em qualquer lugar, a qualquer minuto, de qualquer jeito há um chato de celular ou máquina digital em punho fotografando nossas caras, roubando como ladrão barato, um pouco de nossa alma, sem que isso vá compor alguma memória. A maioria dessas fotos nunca será vista por ninguém, o que me faz pensar que estamos fazendo pose e papel de besta para uma máquina imaginária e sem motivo. Eu já devo ter servido de vaso de samambaia em trilhões de imagens digitais que devem estar num canto qualquer de um HD de alguém que eu não conheço. Nunca mais o álbum, nunca mais a ovelha, nunca mais o Conde D´Eu.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui