O dono do título já estava em frente à urna havia uns cinco minutos, quando a impaciência dos eleitores desesperados para cumprir o dever cívico e correr para almoços, churrascos e shoppings obrigou o mesário a aproximar-se da urna.
- Algum problema, senhor?
- Talvez...pode ser.
- O que aconteceu?
- Bem... não sei em quem votar. Sou indeciso.
- Sei, mas o senhor precisa votar logo. Tem muita gente na fila.
- Mas eu não tenho certeza. Já apareceu aqui a foto do barbudo...
- Então... o senhor pode votar nele. É só apertar a tecla verde e...
- Não consigo, eu olho para ele e vejo um monte de notas de dólar, vejo umas cuecas milionárias, vejo um monte de sanguessugas.
- É só votar no outro.
- Já olhei a fotinho dele também e enxergo uma pamonha de Piracicaba...
- É de Pindamonhangaba.
- Pior ainda. Não voto nele, não.
- Mas o senhor tem que apertar algum botão para encerrar essa novela. Daqui a pouco alguma desquitada mal-amada vai chamar a reportagem e eu não quero confusão aqui na minha seção. Anula isso!
- De jeito nenhum. Se eu anular, não sou mais indeciso, sou voto nulo.
- Branco. Aperta branco!
- Tá brincando. Eu tenho cara de voto branco?
- Sei lá.
- Olha pra mim: uso tênis de duas cores, camisa listrada de verde e vermelho, tenho duas mulheres e meu carro é Flex... Sou indeciso.
- Isso não existe! O senhor tem que votar em alguém ou em ninguém. Tanto faz. Mas tem que sair daí e liberar a urna para o próximo.
- Eu saio, então!
- Então vote!
- Eu disse que saio. Não disse que voto.
- Mas o senhor não pode sair se não votar ou anular o voto!
- Eu fico, então. Mas não me pressione. Eu sou indeciso, mas conheço os meus direitos!
- Só me faltava essa. Me responda uma coisa: o senhor não veio até aqui?
- Vim.
- Isso mostra que o senhor não é indeciso em tudo...
- Mas eu não decidi vir até aqui votar. Fui obrigado por vocês!
- Por que não viajou e justificou a ausência?
- Até pensei nisso, mas não consegui decidir para onde ir...
- Meu Deus!
- Calma, moço! Veja se você me entende. Nas pesquisas, todo mundo tem uma posição assumida. Uns votam nesse, outros naquele. Ainda tem os que dizem que não vão votar em ninguém. Todos esses podem aparecer aqui hoje e manter essa posição. Eleitor desse, vota nesse. Eleitor daquele, vota naquele. Quem disse que ia anular, anula. Para quem falou que ia votar branco tem até tecla especial. E eu? Me perguntaram na rua: em quem o senhor vota? E eu não menti. Disse que era indeciso. Agora não posso manter minha posição política?
- Isso não é posição política...
- É claro que é. É uma posição indecisa, mas é a minha. E quer saber? Tó cansado de ser tratado como ignorante por uns e inconsequente por outros. Quero manifestar publicamente a minha total falta de vontade de votar em quem quer seja. Barbudo ou careca, macumbeiro ou carola, neoliberal ou neoliberal. Quero uma tecla só pra mim, com o nome: indeciso. Aí eu aperto confirma e acabou! E pode chamar a reportagem... ou a polícia federal... ou os dois... ou... Ah! Você que sabe.
Quando uma senhora de cabelos vermelhos resolveu chamar a equipe de TV, a Polícia Militar já tinha resolvido a confusão e o indeciso já estava na delegacia tentando definir se ligava para a mulher ou para a amante. Depois disso, as eleições seguiram tranquilas e o os engajados e posicionados escolheram o Presidente da República. Como sempre, a melhor e mais correta escolha para o país. Sem dúvida.
