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Contos-->O DESPACHO -- 04/05/2014 - 10:13 (Roosevelt Vieira Leite) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
- Mulher não me pergunte mais sobre isso!
- Por que Vasconcelos?
- Porque isso é coisa para ficar guardada!
- Por que Vasconcelos?
- Porque tem de ser assim, entendeu?
- Não!
- Então, traz o pinico aí, por favor, que a coisa tá ruim!
- Você é um cagão seu velho maldito!
- O que? Mulher se conforme pelo amor de Deus!

O dia havia amanhecido em Tobias Barreto. As mulheres estavam varrendo as calçadas e comprando leite. Entre uma coisa e outra, um dedo de prosa sobre a vida dos outros. A Rua Itabaianinha, de manhã cedo, tem jeito de gente. Há uma efervescência de vida. As pessoas saem de casa em busca do que fazer e assim é por toda a antiga Vila de Campos. Tobias Barreto se tornou em um centro comercial na zona sul do estado de Sergipe. Muitos baianos e pessoas de outras cidades sergipanas e de outros estados do Nordeste vêm fazer compras em Tobias. A antiga Vila de Campos do finado poeta Tobias Barreto agora leva o seu nome, em homenagem a sua ilustre pessoa. Vasconcelos de Araujo Dantas era um tobiense da gema. O velho é um arquivo de estórias de um passado ido, porém, bem presente nos arquétipos locais. Sua mulher, dona Germana Alves, havia conversado com Liliane, sua vizinha e amiga de fofocas, sobre o achado daquela manhã. Conta o povo, e aqui, a voz do povo é a voz de Deus, que encontraram um grande despacho de macumba na encruzilhada da Sete de Junho em frente ao Restaurante Trindade. O despacho continha nomes de autoridades e fotografias de mulheres da sociedade.

- Liliane, mulher, você já tá sabendo do despacho de macumba? O sangue de Jesus tem poder!
- Eu ouvi alguma coisa, mas, num to sabendo, não! Disse a moça com um ar de “num sei não”.
- Pois, num é mulher encontraram um despacho na avenida e nele está o nome de muita gente graúda.
- Você já perguntou a teu velho sobre isso? O povo num diz que ele é sabido?
- Não, perguntei não. Encerrou a conversa dona Germana.
Dona Germana retorna ao interior de sua residência e trava mais uma prosa com seu Vasconcelos.

- Tá vendo homem. O povo tá dizendo que você é sabido. - Vasconcelos! Tenha fé em Deus, homem! Desembucha! O que é aquilo na praça?

O velho Vasconcelos Araújo coça sua barba branca e abre a sua boca com pouquíssimos dentes e viaja ao seu passado. Era 1987, Tobias estava de vento em popa, e Vasconcelos tinha sessenta anos. Ele recordou-se da antiga feira da coruja, da enorme quantidade de barracas e vendedores de todos os cantos do estado. As ruas menos movimentadas ficavam cheias de ônibus da Bahia. As pessoas circulando com sacolas na mão e muita esperança em seus corações. Os comerciantes trocavam de carro todo ano e a cidade ganhava prestígio econômico e político no estado. Mas não era só coisa boa não. Havia uma enorme quantidade de falidos e desesperançados andando sem rumo nos becos e vielas da cidade. Naquela época houve muitos casos de suicídio e de mulheres que abandonaram a família para tentar a vida de outra forma.

- Seu Vasconcelos minha menina Natália está com quebrante, não dá para o senhor rezar nela não?
- Dá minha filha traga ela às duas.

Vasconcelos era um rezador famoso na cidade. Um homem de caridade a flor da pele. Muitas foram as famílias que ficaram devendo a ele esse favor divino.

“Em nome da Virgem Santíssima, em nome de Nosso Senhor, saia dessa moça todo quebrante, perturbação, obra do mal”. “Salve a pemba, salve a jurema!” “Tá melhor minha filha?” Quem não conhecia essas palavras mágicas do velho rezador da Rua Itabaianinha? Vasconcelos recordou os tempos em que em Tobias as pessoas não fechavam as portas porque não havia ladrão na cidade. Aquele tempo fora muito bom, dizia o velho rezador.

- Vasconcelos!
- Ham?
- Estava a onde? Deixou-me, aqui, falando sozinha?
- Eu tava me lembrando do passado, você não quer que eu diga o que é aquilo?
Vasconcelos lembrou-se de Coronga. Este era um bruxo antigo que morava na Bahia próximo ao Candial. Coronga era especialista na magia com a cabeça de porco. Era sabido pelo povo que ele tinha uma enorme lista de pessoas afetadas por sua magia.

- Vasconcelos, esse Coronga seu amigo é do mal?
- Sei não.
- Mas ele não faz o mal?
- O que é o mal?
- Sei lá meu velho!
- Então? Se você pede um benefício, este atinge o outro, num é bom para você e ruim para o outro. Todo dia nascem e morrem pessoas, afinal, o dia foi bom ou mal?
- Sei não seu Vasconcelos estas coisas são muito complicadas.
- Eu só queria que o senhor segurasse esse homem dentro de casa, pois, ele está muito namorador.
- Num é minha filha que direito tem você de trancar alguém dentro de casa? O seu bem é mal para alguém, num é?
A jovem saiu das lembranças do rezador por um instante. A mente do velho Vasconcelos andava em tempos muito distantes agora. Ele via a Vila de Campos de 1956. A cidade era pequena e as pessoas mais próximas das outras. Ele lembrou-se de uma velha profecia de um feiticeiro da Lagoa Redonda:

“Chegará um dia em que algumas mulheres de bem de Tobias trairão seus maridos na avenida sete”.

- Será? Germana!
- Estou aqui, desembucha!
- Deve ser a profecia de seu Feliciano, o feiticeiro da Lagoa Redonda. Ele havia jurado que um dia algumas mulheres de bem de Tobias trairiam seus maridos em frente à praça do cruzeiro.
- Que nada rapaz! Está com conversa fiada!
- Então num sei não! Calou-se o velho rezador.

A praça do cruzeiro estava lotada de curiosos para ver o despacho. Tobias, mesmo nos dias modernos, não estava habituada com essas coisas. Tinha seus macumbeiros, mas, tudo bem escondido. Até que se prove o contrário todos eram cristãos autênticos. Ninguém ousava pegar no despacho. O sol foi esquentando, as pessoas foram passando pelo local e a multidão se avolumava. Quem pegaria no despacho para tirá-lo do local. Chamaram o padre, este disse que tinha uma missa para rezar. Chamaram alguns pastores, estes não puderam vir. “E agora?” Perguntou Clemente, um trabalhador da padaria ao lado do restaurante. “Chamem a polícia!” Disse Miranir, vendedora da Avon que passava pelo local. Os reportares das rádios locais vieram para a cobertura do acontecimento. “Isso é um absurdo!” Dizia o âncora do programa “A hora da verdade” “Não temos mais paz!” Disse o prefeito apoiando seus eleitores numa hora muito difícil. Enquanto o povo resolve sobre o que fazer com o despacho uma criança de cinco anos solta-se da mão de sua genitora e corre para o despacho pegando a rosa vermelha da Pomba Gira. O povo grita unânime: “Não! Pelo amor de Deus!” a criança corre com a rosa na mão por entre os adultos e se esconde debaixo de uma carreta de uma transportadora. Nesse instante o povo atônito começa novamente as suas conjecturas.

- Tá vendo? O diabo usou a inocência de uma criança. Disse Eduarda que trabalha no fórum.
- Pois num foi mulher, coitada da criança! Concordou Tereza, uma dona de casa.
- Isso num tem nada a ver não. Deus guarda as crianças inocentes. Disse Pedro, um torneiro mecânico.
- Rapaz tudo tem um propósito debaixo do céu. Esse foi o argumento de Paulo, um adventista do sétimo dia.
- Deve ter sido o carma da criança. Argumentou Herculano Andrade, líder do centro espírita cavaleiros da luz.

As opiniões eram muitas, e o sol já estava no meio do céu e nada do despacho ser retirado do lugar. Todos que passavam diziam alguma coisa. Cada um segundo seu mundo interior. A tarde entrou e o tempo ficou pesado de nuvens. As pessoas foram se dispersando para suas casas. As nuvens cinzentas anunciavam que haveria trovoada em Tobias. Era costume na época colocarem plásticos nas janelas em tempo de trovoada por que a chuva era acompanhada de ventos e a água entrava nas casas. Todo mundo no seu lugar, e o despacho no mesmo local sem ser removido, exceto uma pequena rosa vermelha jogada no calçamento da avenida sete. Os trovões ribombaram no céu do sertão. As mulheres cobriram os espelhos com um pano, “É para não atrair raios”. Disse Almerinda Góis, mulher de Gustavo da Exatoria.

- Vasconcelos! O povo foi embora e não tirou o despacho do meio da rua. Tenha fé em Deus homem! Faça alguma coisa para aliviar a dor do povo! Disse Germana um tanto irritada. Vasconcelos foi para o quintal em busca de seu cachimbo que ele ganhou quando esteve na aldeia indígena que fica no município de Colégio nas Alagoas. O cachimbo estava sobre sua pedra sagrada. O velho gostava de sentar naquela pedra no final da tarde para fazer suas orações aos Orixás. E aproveitava para dar umas cachimbadas e meditar sobre o sentido da vida, ou os sentidos que a vida pode ter como dizia ele. A chuva começou a cair fina, as folhas do pé de sapoti e do pé de carambola não a deixavam incomodar o velho rezador em sua reflexão sobre o ocorrido.

- Pai Joaquim, será que aqui tem algum maluco que arria ebó no meio da rua?
- Tem, meu fio.
- E que diacho é isso meu velho?
- É o povo que pediu dinheiro, sorte no amor, e sucesso na vida.
- Mas por que arriar logo na encruzilhada da avenida principal da cidade?
- O rapaz achou que fazendo assim ia ajudar a todos uma vez que as lojas estão todas por ali.
- Mas que diacho meu velho! Assustou o povo!
- Mas num foi o povo quem pediu?
- É. Sendo assim, por que o povo estranha o que conhece?
- É a natureza humana, num é Vasconcelos?
- É, meu velho...
Um forte trovão despertou Vasconcelos do sonho e as grossas gotas de água caíram pesadas sobre o corpo cansado do velho Babalaô conhecido como “rezador Vasconcelos”. A chuva veio impiedosa e levou tudo que estava em seu caminho. Desfez o ebó, a farofa, as rosas, os cigarros, os charutos, tudo foi levado pela enchente que cobriu toda a antiga Vila de Campos. As casas foram inundadas, os plásticos para nada serviram e após o dilúvio as pessoas se ocuparam em limpar suas casas e fofocar sobre a chuva.

- Nunca mais havia chovido assim no mês de Santana.
- Pois num é mulher!
- Será que foi a mão de Deus?
- Deve ter sido, né.
- Será que morreu alguém?
- Que nada, se tivesse morrido a gente já sabia. Aqui as notícias correm rápido.
- Molhou a minha casa toda.
- A minha também.

A cidade voltou ao normal. Todo mundo foi fazer alguma coisa. O despacho a chuva o levou e até hoje não se sabe quem o fez. Será?

- Vasconcelos!
- Sim, mulher, estou no quintal!
- De novo homem, no quintal?
- Mulher deixa de besteira e traz o pinico que voltei a ficar ruim...
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