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Contos-->Sistema -- 21/05/2001 - 03:24 (Mário Pugliesi) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Queda. Ouço um corpo rasgando o ar. Tudo está em branco e preto, assim como de costume. Os traços tortos me dão a impressão de tontura. Sinto-me distante de mim, e ao mesmo tempo tão próximo. Paro, já aprendi a passar por aqui. Um corpo espatifa-se contra o chão. Sou eu. Mais uma vez passo pelo corpo ensangüentado. Já me acostumei... Ali, logo na esquina, estou eu de novo, atirando contra minha cabeça, e caindo morto. Dobro a esquina e me encontro, deitado, estrebuchando, um frasco de veneno rola a calçada e cai no bueiro. Mais a frente, acerto meu carro contra a parede. Nossa! Desta vez eu estou indo realmente longe. Olha... se não é a antiga linha do trem. Como pude me esquecer dela... Paro sobre seus trilhos, tudo exatamente igual. Não esqueci nem mesmo o apito do trem. Posso até mesmo ouvi-lo. Igual. E de novo ele. Igual. Ei! ... é ele, o trem...
Acordo. Cheguei, até mesmo, a sentir a dor do impacto. Abro as cortinas e dou de cara com o mesmo céu cinza de antes. Venho tendo este sonho há quase um mês, todas as noites. Gozado... já faz um mês que nada mais dá certo. Já fui um grande empresário, trabalhava na Paulista, naqueles grandes arranha-céus, casado com uma modelo, quatro belos filhos, dois já formados pela USP e agora... Tenho apenas um quarto e um emprego como vigia... como tudo pode dar tão errado. Ela me deixou assim que perdi algumas ações, maldita crise que este Fernando arranjou, e além de tudo levou meus filhos, minha casa e meu dinheiro. Moram agora na Califórnia... Vou tomar uma ducha, me trocar e ler.

A poeira paira no pesado ar da manhã. O bairro, Parque Jabaquara, sempre teve suas antíteses, uma delas é o fato de apesar de ser um bairro que lembra o interior, com toda a sua calma e o contato entre as pessoas, é também um bairro cheio de barulho e poluição, devido a proximidade ao aeroporto. Um local dos quais, Getúlio, jamais haveria pensado em morar. Tinha agora, seus 54 anos. Sentia-se cansado e velho. Mas uma vez, já havia começado do zero e se levantado, poderia, então, fazê-lo de novo.
Ele havia passado a gastar grande parte de suas economias em revistas periódicas, para manter-se informado quanto as novas tendências do mercado. Como ele sempre disse: “É só saber no que apostar...”, e isto sempre deu certo, até a última intervenção econômica, recheada de novos pacotes... Agora, se mantém informado, se preparando para estar um passo a frente das novas tendências.
Nunca teve muitos amigos, tinha, em sua maioria, pessoas que o respeitavam e temiam, chegando até mesmo a odiá-lo, mas ainda tinha alguns contatos. Sua leitura diária havia se encerrado....

Ë, as coisas já estiveram mais fáceis, mas estou preparado para entrar novamente no clube de apostas, e rolar meus dados da sorte. Só espero que saia um onze! Ai, minhas costas... estou mais velho do que pensava. Toda esta animação matinal, nunca foi meu forte. Ë uma pena que hoje seja dia cinco e eu tenha tantas contas para serem pagas, senão teria um ótimo dia pela frente:... só negócios. Bem, pelo menos estou de volta a ativa...

O verão nem ao menos chegou e já temos 30 graus na sombra. O sol de rachar coco, ajuda a intensificar a “alucinação” em massa. As pessoas, sisudas, e preocupadas apenas consigo próprias rasgam o cinza matinal, deixando-o num sem cor ainda maior. A forte poluição sonora toma conta dos ouvidos, alcançando níveis ainda mais altos do que shows de rock. O “circo” metropolitano estava armado, para mais um dia na corda bamba, onde nunca se tem certeza se o fio da vida vai agüentar.

Estas intermináveis filas sempre me acabam. Se o tempo lá fora está quente, aqui está pior. Deve estar fazendo uns 40 graus... Não é possível! Estou de pé há horas. Ë tudo tão desumano... O pior é que quando eu tinha dinheiro, eu me esqueci de como era isto aqui.

O tempo passa e depois de muito mal estar, as contas são pagas. Já estamos no horário de verão, e apesar dos ponteiros mostrarem 4:15 da tarde, o dia estava longe de escurecer e esfriar. Ainda mais cansado, Getúlio, não tem mais o dinheiro para as compras e para o almoço, havia atrasado em uma das contas. Suas costas doem e ele se curva.

- Moço... o senhor tá bem?
- Não.... meu estômago dói!
- Tó. Toma uma trago desta coisa. Vai passar.

Vidro contra carne. Líquido contra saliva. Desce quente. Sobe rápido.

- Pode ficar. Tem mais um pouco...
- Muito obrigado.

Fecha lentamente a garrafa e com esforço se levanta. Anda em direção de sua casa. Não tinha nem ao menos dinheiro para um ônibus. Seu último centavo, havia ficado no banco.

Maldição! Já fui tão poderoso, e agora o único que me ajuda é um mendigo mal cheiroso com uma garrafa de gosto horrível. Nem sei porque continuo a carrega-la ... Estou zonzo, meu cheiro está péssimo, não comi e ainda tem este maldito sol... Alguém apague o astro rei. Não agüento... vou sentar.

O tempo se escoa com volúpia por entre seus dedos. Sua sede aumenta. O gosto do líquido já não parece mais tão ruim. Abre a garrafa e dá uma boa golada, seguida de mais outra. Anoitece... A garrafa ainda é consumida, golada por golada, acaba. Sente-se bem. Mais leve e alegre. Resolve cantarolar uma antiga música dos Stones. De sua boca são proferidas muitas palavras sem sentido, e trechos da música:

- ... I can’t get no satisfaction, I can’t get...

Ouço um estranho barulho familiar.... alguém caindo. Já conheço esta história! Tudo a minha volta torna-se branco e preto. Paro. Alguém dá de encontro contra o chão. Sou eu. Estou passando mal por causa do calor e da fome. Ali logo na praça, sou eu de novo, entornando uma garrafa contra minha cabeça. Ando mais um pouco e ali estou eu de novo. Babando no chão, enquanto a garrafa rola na calçada e cai no bueiro. Olha...é antiga linha do trem. Ando até o centro. Sinto a nostálgica trepidação dos trilhos. Posso, até mesmo ouvir o barulho de seu apito. Encosto, com minhas mão cansadas, no trilho. Tudo é bom de novo.

Uma figura senil e molhada de um suor primal curva-se no meio de uma avenida, enquanto um carro em alta velocidade dá tudo de suas buzinas. Sem efeito. O fio se parte. Uma nova figura torna-se sombra dentro do sistema. Os tambores parecem explodir por sobre as cornetas que, lentamente, se chocam contra um poste, novo fio se parte, sem qualquer sombra no sistema, iluminado pelos faróis e pelo rádio que prossegue ferreamente tocando:

I can’t get no.....
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