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Contos-->Santo Ângelo -- 21/05/2001 - 03:25 (Mário Pugliesi) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
As tábuas justapostas, a madeira estalante, o ruído incessante que vem de fora, as pétalas de rosa devidamente espalhadas pelo salão. A seda escorre até o chão, mãos leves e calejadas, ornam a cabeça, já calva pelo tempo, com dois ramos. Passos, a porta é aberta.... o padre esta no centro do altar, a missa é iniciada. A pequena cidade de Santo Ângelo não é a melhor para um padre, pois por ter apenas 210 habitantes, todos se conhecem e acabam afastando o padre da sociedade, tendo a ele como apenas um pastor, alguém a ser seguido, privando-o de uma vida diferente do sacerdócio. O padre tem o nome da cidade, Ângelo, uma forma de homenageá-la.
As pessoas se conhecem, todas, e as suas descendências. As famílias já estão quase todas interligadas, separando a cidade em dois blocos: os Almeida Alves e os Bragato Ranchoso, e isto acabou iniciando, como em toda cidade do interior, uma briga entre as duas famílias, onde só não participam, dois pequenos grupos familiares que apesar de fazerem parte das famílias (uma dos Bragato e a outra dos Almeida) são os ramos mais distantes do caule da árvore familiar e o padre Ângelo. A briga é tão grande que a igreja fica dividida em duas na hora das missas.
Conta-se que o filho de um dos principais Almeida se apaixonou por uma Bragato. O pai tentou separar, mas foi impossível. Deu-se duas opções, ou mandava o filho para estudar em São Paulo, ou matava... O pai já havia perdido sua esposa e não conseguiria se desfazer de seu único filho. Sabe-se só que Felipe sumiu, e o mesmo se deu com Renata, ou fugiram ou estão no reino de Deus agora.
A missa teve inicio a meia hora, o padre Ângelo cita a gênese, trazendo inspiração a todos dentro da pequena igreja. Certamente este foi um dos dons lhe dado pelo pai, o da oratória. Ele consegue animar qualquer pessoa, transmitindo esperança, apenas com a palavra. Quase nunca falhou. Eu disse quase,... é verdade. Houve apenas uma vez na qual ele não conseguiu fazer nada para ajudar, mas não havia muito a ser feito... A mulher do sinhô Geraldo havia se apaixonado pelo padre. Ele, agora, é o único que não vem mais a igreja. Sua mulher o abandonou e foi viver em Belo Horizonte. Todos os outros da cidade disputam os poucos lugares da igreja, mas o mais intrigante da briga entre as famílias, é que se sobra um lugar do lado dos Bragato, o que é quase impossível, nenhum Almeida vai sentar. As pessoas que não pegam um lugar dentro da igreja, se amontoam na porta da igreja, mas mantém a divisão do interior, Almeida na esquerda, Bragato na direita.
O pobre Geraldo, apesar de ser bem afortunado, no sentido de riqueza mesmo, e pertencer a raiz dos Almeida, é odiado por todos, como se fosse o próprio demônio. Ele e o padre são os únicos consensos da cidade.
O horário de verão, e o próprio verão não deixam perceber o anoitecer às oito horas. Horário no qual a missa é terminada e as pessoas deixam vagarosamente o recinto, procurando chegar o mais tarde em casa, para não voltarem para suas vidas improdutivas. Os passos são arrastados, as pessoas andam de cara abaixada e os únicos falando são homens. Os Almeida Alves são donos de grandes fazendas, possuindo muito mais dinheiro e tendo muito menos trabalho nas plantações. Os Bragato Ranchoso são donos de pequenas fazendas, ranchos, onde criam suínos para o abate. A cidade pode ser resumida apenas nisso. O crepúsculo se passa, anoitece, as pessoas deitam-se para mais um dia rotineiro.

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Interlúdio
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Obstantes de toda esta realidade encontram-se Renata e Felipe. Perdidos em meio ao agreste nordestino, envoltos a fome e a seca nutridos apenas por um amor transcendental. Não há mais sobrenomes, não há mais barreiras que os atrapalhem.
Estavam no Rio Grande do Norte já havia dois meses e não haviam conseguido nem ao menos um emprego fixo para um dos dois. As famílias eram muito pobres e muito grandes. Havia pouca comida para tanta gente e as pessoas acabam por comer a vegetação rasteira da região. Os pequenos casebres são feitos de barro e não possuem quase nenhuma condição de vida. É neste clima de sub-vida que Felipe e Renata vem sobrevivendo. Renata ensina o básico: ler, escrever e matemática. Enquanto Felipe ajuda nas pequenas plantações de subsistência que ali há, fazendo, até, com que alguma delas de um ou dois tomates ou pés de alface.
O tempo, rápido e faceiro, engana os dois que mesmo após de receberem a dádiva do fruto materno, não notam o passar dos anos. Ao notarem com as areias daquele local haviam acabado com a beleza de ambos resolveram retirar dali suas amarras e laços e partirem de volta a Santo Ângelo. Com a cabeça erguida preparados para qualquer tipo de coisa.

Enquanto isso, em São Paulo, a uma vez esposa do sinhô Geraldo, agora conhecida como irmã Marina, olha para o profundo céu azul, sua memória a leva de volta a Santo Ângelo, e ela teme pelo pior. Um calafrio corta-lhe a espinha, enquanto é chamada para celebrar mais uma missa. Relutante levanta-se e ainda olhando mais uma vez pela fresta da janela, para aquela imensidão azul, fecha a porta atrás de si.

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Fim do interlúdio
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A noite não é tranqüila para todos, principalmente para aqueles que moram perto da igreja que acordaram as três da madrugada com um grito inumano.
Na manhã seguinte os boatos já estavam espalhados, diziam que o padre havia sido tentado pelo demônio e que havia resistido com bravura e o grito havia sido o final de sua agonia. Outros já pensavam outras coisas, pois o sinhô Geraldo andando tarde da noite perto da igreja. Criaram-se muitas idéias do que ele poderia ter feito ao padre e foram com ele conversar. Ao ouvir as histórias inventadas pelo povo da cidade, o sinhô Geraldo bradou para que todos ouvissem:


- Este padre está de caso com o demo. Ele pediu para o diabo roubar o coração de minha bela Marina.... Ontem ele estava se entregando para ele, o diabo. Vocês vão ver... eu tenho a razão, eu vi os anjos e ele disseram que eu estou certo.

Na missa da noite notou-se como a noite do pobre padre havia se passado em maus lençóis. As pessoas comentavam. Os boatos começaram a correr das pontas na primeira fileira... Notava-se as gotas de suor rolam pela face do padre, ele gagueja. Sua retina está sobrecarregada, muito mais imagens e cores avançam sobre ele, as auras assustadas, de cores variantes entre laranja e verde, pálidas eram vistas agora como se fosse algo normal, rotineiro. Há ondas atravessando a sala que agora é recoberta com uma luz quase angelical. Atrás do padre há um Seraphim com suas seis asas plumadas o protegendo. A missa vai se estendendo e os boatos rolando.
Finalmente o inevitável ocorre. Os boatos vão rolando, e um fala Almeida fala para um Bragato, as pessoas se calam , o silencio pesa. As feições se carregam... as pessoas se entre olham. O clima é contundente. O padre chega a gaguejar algo, mas ninguém lhe dá importância, e ele mesmo sabe que não faria a menor diferença agora. A situação já estava ruim quando bradando exageros entra pelas portas da igreja o sinhô Geraldo, já se encontrando de porre. O padre que já ia esboçar um sorriso que conteria uma série de interpretações, que só seriam descobertas depois, mal pode conter o susto ao haver surgir de trás do sinhô um dúzia de demônios vermelhos. O ar perde seu brilho. O padre brada:

- Demônios! Não posso compreender. Eu os vejo...
- Viram eu disse, ele esta possuído pelo demo!

O murmurar cresce, as pessoas esquecem as famílias, esquecem as desavenças, os laços se desfazem, os gritos do noite anterior, os risos se esboçam, a briga era boa, e eles estavam, pela primeira vez, apoiando o sinhô. A visão do padre está embaçada, as pessoas giram, ele não compreende sua nova visão... Cores em torno das pessoas, seres estranhos passando, a estranha sensação correndo seu corpo, energia num fluxo, ele havia despertado para uma nova visão e não estava preparado. Sem Ter em que jogar a culpa de seus problemas, vindos de tantos anos atrás, desde antes de nascerem, e agora tão facilmente quebrado, as pessoas riam e gritavam, com gargantas já secas e ásperas por tanta ladainha, que ele havia pactuado com o demo. O sinhô Geraldo força o povo para uma excomungação, que de nada adiantou, pois as pessoas haviam concluído que ele estava com o demônio por escolha própria e se ele era um padre ele já sabia bem como se sair desta. Propõe então que partissem para uma crucificação improvisada. O padre berra que os demônios estão dançando a um som macabro. Quieto, voando por cima, o Seraphim, olha com ar de desgraça para a cena, entristecido. As pessoas com raiva, pegam madeiras velhas e formam uma cruz.
Sem saber o que fazer, se fugia ou ficava, o padre se encontrava no centro do altar, olhando boquiaberto para tal cena aterradora. O que seus olhos viam era mais que impossível, os pequenos demônios, que minutos atrás haviam adentrado a igreja sem nem ao menos pedir licença, rodeavam as pessoas, como se sussurrassem aos ouvidos destas o que dizer e como agir. O padre muito incerto do que estava a ocorrer, recorreu à único ser que ali deveria ajudá-lo:

- Por que não me ajudas?
- Porque não me encontro aqui para ajudar ou atrapalhar, apenas observo o fio a se desembaraçar, o fato a ocorrer. – responde em tom angelical e submisso o Seraphim que ainda se encontrava ali e que havia em nada mudado sua posição desde o início da missa.

Enquanto isso, adentrando a pequena vila, encontram-se Felipe, Renata e a pequena Luana, de dois anos, e ao ver as duas famílias se ajudando, olham-se estranhamente. Os olhos das pessoas da cidade cheios de raiva e vontade de sangue, canalizando toda sua fúria guardada por anos, num ponto que nada tinha culpa disto. O padre rezando, tremendo perante a burrice das pessoas. Os rostos marcados, como se nunca tivessem se expressado tão bem quanto agora. Os tons perdem seus sentidos, tudo fica cinza. As pessoas o pregam na pequena e mal feita cruz, que pende para frente. Os dois namorados parados na porta da vila choram, todas suas histórias, todas as suas lembranças foram quebradas . Seus momentos, tão duros, após deixarem a cidade não valeram de nada e agora que haviam se fortalecido nada mais fazia sentido.
O padre sangrando olha os céus, encontrando o Seraphim, e enquanto pede clemência vai deixando sua carne. As cores perdem suas tonalidades. As roupas rasgadas, o corpo sangrando, o espírito chorando. As pessoas ensandecidas olham sua obra máxima, enquanto os dois nas portas da cidade choram. Pobre estupidez, pobre Santo Ângelo.
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