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Contos-->Fiasco -- 28/03/2000 - 12:47 (Roberley Antonio) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Fiasco

"Minha coisa mais importante não é,
com certeza, a sua."
Lucas Hasews



- Já estamos muito atrás deles! - grita Mark Lourens, não esforçando para esconder sua raiva - Temos que elaborar algo... e rápido!!

Lourens chegou à presidência das empresas RS - Robôs e Similares S/A com muita facilidade. Quem imaginaria que o franzino universitário, estudante de Robótica Molecular, chegaria a tanto. Após forma-se em robótica, a administração foi seu próximo passo. Alguns anos em uma universidade simples, do interior, o fizeram um administrador de mão cheia. Mais pela sua obsessão pelo o poder do que pelo simples prazer da profissão.
- Senhor, acho que seria melhor continuar com o desenvolvimento e a produção de robôs e máquinas para a mineração. - fala um dos cientistas da equipe de Lourens, levantando-se, enquanto folheia alguns relatórios - Temos vários contratos com o governo para a extração de Berílio em Marte e após a descoberta em IO, Júpiter, de uma membrana semi-orgânica, similar a encontrada também em Marte, nossos contratos devem subir muito.
Após arriscar esse breve comentário, o cientista torna a sentar-se, enquanto Lourens o olha fixamente.
- Não me interessa nossos contratos atuais! - Lourens continua firme, como antes - São nossos contratos, já os temos e não vamos perdê-los! - bate violentamente a mão sobre a mesa - Quero um produto revolucionário e inteiramente novo. Não me importa como vamos conseguí-lo!
Lourens levanta-se e atravessa a sala de reuniões, em direção à porta de saída, sob olhares aflitos. Essa sala é uma das poucas que ainda conserva um estilo rústico, com decorações antigas, lembrando uma época de ouro da criatividade e bom gosto, perdidos na tecnologia atual.
- Aguardo em meu escritório uma solução! - Lourens, com um tom um pouco mais ameno na voz - Os cargos de vocês dependem disso! - mesmo assim, a antipatia ainda o acompanha.
Lourens regressa ao seu escritório. Um lugar frio, não tendo nada mais que uma simples mesa, algumas cadeiras e um sofá antigo, que ganhara há muito, quando ainda freqüentava a faculdade. O lugar era repleto de espelhos, demonstrando sua vaidade.

Fisicamente, é um homem branco, estatura mediana e magra, combinando com os cabelos grisalhos, fazendo-o parecer bem mais jovem do que realmente é. Quarenta e cinco anos não é uma idade tão avançada assim, mas o trabalho o fizera ganhar mais alguns anos, principalmente depois do acidente numa máquina hidráulica que sofrera há alguns anos, fazendo-o marcar levemente com a perna esquerda.
- Lourens, o senhor Milley gostaria de falar com você. - fala Cintia Bolevar, sua secretária.
Os óculos discretos combinavam perfeitamente com ela. Cintia chamava muita atenção dos homens da empresa, pela sua altura, beleza e inteligência. Seu sotaque espanhol tornava-a ainda mais desejada. Poucos sabiam, mas de européia ela só tinha o nome. Nascerá mesmo no Brasil.
- Muito obrigado Cintia. Pode deixá-lo entrar. - Lourens exibe um sorriso sonhador.
A forma de tratamento entre Cintia e Lourens, anexada aos olhares ardentes de ambos, denunciavam um romance tão antigo quanto a própria RS.
Lourens sempre foi uma pessoa atraente. Sua voz sempre fora muito cotada entre as mulheres. Vestir-se bem é outro ponto forte. Investe fortunas numa boa roupa. Seus ternos caríssimos são comentados em vários clubes finos que freqüenta. Sua vaidade talvez seja seu principal ponto fraco. Dizia: "Esteja agradável aos olhos de uma mulher e estará agradável aos olhos do mundo".
Talvez essa boa aparência e bom gosto o tenham ajudado a subir na empresa, logo no início dela. Casou-se com Emilie Malcon, filha do chefão, o poderoso Malcom. Depois da morte acidental de ambos, não houve nada que o impedisse de conquistar o tão almejado "trono".
- Doutor Lourens, estava ansioso por falar com o senhor! Acho que tenho algo aqui... e grande! - fala Milley, tomando conta de uma cadeira e deixando que seus papeis e pastas invadam a mesa de Lourens.
Milley é um jovem de 28 anos. Destaca-o fisicamente a magreza e as impecáveis costeletas fora de moda há anos. Cabelos pretos curtos encaracolados e bigode completam o visual. Usa também um anel na mão direita, inseparável presente de seu avô. Fuma um cachimbo cuja fumaça é odiada por todos.

- Você sempre fala que tem algo grande e no fim... Nada! - Lourens, descrente - Já estou cansado disso e nesse meio tempo meu dinheiro vira fumaça.
- Dessa vez é quente, tenho certeza! - Milley está visivelmente animado, colocando Lourens na dúvida.

Que Milley é interesseiro, sempre está do lado de quem tem dinheiro e poder Lourens sabe. Mas ele está infiltrado no principal concorrente e não levanta suspeita nenhuma.
- Pois bem! O que temos agora? - Lourens fala, sem emoção na voz.
- Descobri por acaso um projeto especial que nossa concorrente principal está preparando para desenvolver. - Milley mantém a alegria inicial.
- Que projeto seria esse?
- Pelo que sei, a Andróides e sistemas virtuais está elaborando um projeto com a prioridade máxima. Esse projeto consistem na programação e produção de um cérebro Silício-Eletrônico (Si-El) para um tipo de robô, especialmente construído para ficar aqui mesmo na Terra.
- E como você descobriu tudo isso? - Lourens começa a interessar-se pela história.
- Eu ouvi diretamente da boca do presidente da empresa, Lucas Hasews, numa conversa por telefone com a equipe de engenheiros especializada em Si-El. Ele disse: "Considere esse o projeto mais importante atualmente.", com essas palavras. - Milley fala, consultando suas anotações - Não se esqueça que Hasews e eu somos amigos.
- Sei... entendo... - Lourens fala lentamente como se estivesse procurando as palavras certas. Na realidade, está apenas juntando os fatos - E para quando seria esse projeto?
- Isso é o que mais me anima! - Milley exibe um largo sorriso - Temos exatos seis meses! Esse é o prazo que eles esperam concluir o projeto em 100%.

Lourens recosta em sua cadeira, olhando para o lustre, ligado como sempre, mesmo durante o dia. Particularmente, acha que ele clareia as idéias... superstição...

- Você tem contato com os planos desse projeto?
- Eu já iria chegar nesse ponto. - fala Milley, dessa vez olhando fixamente para Lourens - Como sou amigo de Hasews e trabalho na equipe principal dele, - continua - tenho acesso ao acervo geral de todos os arquivos, inclusive desse projeto.

Milley faz uma pausa, talvez aguardando algum comentário por parte de Lourens, em vão. Por fim, continua:
- Posso entrar no sistema, copiar tudo à respeito desse projeto, apagar os vestígios e trazer tudo para você. Com um custo simbólico, é claro

Lourens passa lentamente a mão nos cabelos, em quando balança a cabeça. O silêncio invade o ambiente disposto a ficar. Cinco, dez, quinze minutos se passam. Para alívio de Milley, Lourens resolve falar:
- E quando você poderia me trazer o projeto?

Havia algo diferente na voz de Lourens. Tanto que Milley sentiu-se intimidado, mas mesmo assim, conseguiu falar:
- Amanhã à noite trago tudo o que precisa. - faz uma pequena pausa para criar coragem - Vai custar a quantia irrisória de $ 100 mil, na entrega... O que me diz?
- Você sabe que o dinheiro não é problema. Mas como saber se esse projeto é importante? Como saber se é lucrativo?
- Hasews está cuidando pessoalmente. Foi ele quem desenvolveu os algoritmos para todas as funções do cérebro Si-El. "Ele" pessoalmente testou todo o programa, num total de 55 horas de testes.

Lourens permanece estático, até Milley dar a estocada final:
- Ao que me parece, Hasews irá superá-lo...

Antes que Milley fechasse a boca, Lourens levanta-se bruscamente:
- Isso nunca! - Grita, enquanto pressiona um botão no video-fone - Cintia, acompanhe o senhor Milley até a saída.

Milley permanece calado. Ouve o suave movimento da porta se abrindo. Levanta-se, junta tudo que colocou na mesa, olha para Lourens e o cumprimenta com a cabeça. Dá as costas e acompanha Cintia a passos largos. Quando chega à porta ouve, como num susto:
- Milley, não quero falhas! Encontre-me aqui, amanhã, às 22:00h em ponto. - Lourens fala, sem olhar para ele.
- Sim, senhor! - fala alegremente - Pode confiar em... - Milley desanima e interrompe a frase. Lourens não está prestando atenção mesmo. Total perda de tempo.

Na verdade, Lourens não ouviu nenhuma palavra. Em sua cabeça só pensava no passado... Em Hasews.
Lucas Hasews era um jovem ambicioso e trabalhador quando Lourens o conheceu. Um homem simples, alto, magro, cabelos lisos castanhos e olhos negros, penetrantes. Seu rosto, marcado pelo tempo pregava peças em sua idade: vinte e cinco anos. Ainda mais usando óculos.
Lourens contratou Hasews pelas indicações e pelo currículo impecável: formado em robótica, física e computação orgânica, além de ter chefiado o laboratório de desenvolvimento de programas para computadores neurais em um órgão governamental. Como o governo não estava oferecendo ambiente ideal para seus funcionários, Hasews foi mais um que pediu licença por tempo indeterminado.
A primeira impressão que Lourens teve de Hasews foi boa. Vestia-se muito bem, suando ternos azuis e gravatas listradas, completando o uniforme perfeito para quem iria coordenar as pesquisas e desenvolvimento de cérebros "Si-El", para serem utilizadas na robótica, grande febre mundial.
A entrada de Hasews na RS coincidiu com sua grande ascensão no mercado mundial. Em dez anos, ela ditaria as regras, principalmente quando o assunto era robôs. Redutores de freqüência, dutos dimensionais e engenharia molecular mudarão de cara. Lourens era agora um dos homens mais poderosos do mundo.
Com tanta evolução nas tecnologias utilizadas, RS recebera várias solicitações do governo para a produção de robôs militares. Como a ONU havia proibido a produção desse tipo de robô, essas "compras" eram feitas às escondidas. Numa dessas operações, a RS foi encarregada de entregar cem unidades de um modelo experimental, especialmente adaptado para o uso em operações militares. Lourens colocou Hasews à frente do desenvolvimento desse projeto.
Tudo estava saindo conforme o planejado, até melhor. Os algoritmos do cérebro Si-El estavam quase prontos. O corpo do robô também, apenas com um leve atraso, aceitável. Foi então que Hasews pedia à equipe uma ajuda na confecção de um mini robô simples, que serviria como presente de aniversário para seu filho. Rapidamente idealizaram e colocaram em prática e terminaram a construção desse mini-robo, no prazo de dez dias apenas.
Voltando ao projeto principal, finalizam com um atraso de seis dias apenas. Mas, algo que ninguém contava aconteceu. A ONU recebeu uma ligação anônima sobre essa operação ilegal e foi conferir de perto. Resultado: no dia que finalizaram o projeto tiveram que apagar toda a programação dos cérebros dos robôs, para não serem indiciados e perder os direitos de fabricação. Lourens responsabilizou a Hasews, despedindo-o alegou que se ele tivesse dado as devidas prioridades ao projeto, não fazendo "projetinhos" à parte, nada disso teria acontecido.
Para aumentar ainda mais o ódio de Lourens, os amigos de Hasews que ajudaram no mini-robô demitiram-se, todos. A indignação foi geral. A RS perdia toda sua linha de pesquisa e desenvolvimento de cérebros Si-El e núcleos centrais para a colocação dos mesmos. Ao todo, quinze cientistas saíram. Lourens demoraria mais de três anos para montar novamente sua equipe, não com a mesma qualidade, é claro.

- Computador central, - fala enquanto as outras luzes do local são acesas - pesquisa: projeto principal da empresa, coordenado pelo Dr. Hasews.
- Boa noite, Dr. Milley. Verificando projetos, favor aguardar...

Milley usou a autorização do timbre de sua voz para acessar o computador. Daí para frente ficou fácil. Hasews não se preocupou em reduzir as permissões de acesso. Após pedir a Milley para fazer um backup do sistema em que tomou parte como coordenador.

- Dr. Milley, existe um projeto especial que, segundo estatísticas, deverá estar pronto em nove meses. Está assinado pelo Dr. Hasews e tem prioridade máxima. Este é o objeto de sua procura?
- Afirmativo. Gostaria de verificá-lo com mais calma. Faça uma cópia para mim.

Milley insere no computador um CD-OR. Desde sua concepção, o Compact Disk Orgânico vem tornando-se o padrão para a cópia de arquivos. Apesar do seu diâmetro reduzido, cerca de quatro centímetros, sua capacidade e segurança no armazenamento de dados são as melhores do mercado. Pode comportar exatos 64 gigabytes em suas células orgânicas. Parece muito, mas, com a complexidade das rotinas de um cérebro Si-El, a tecnologia em armazenamento terá muito em que investir ainda.
Enquanto o processo de cópia está sendo executado, Milley se encarrega de não deixar rastros de sua cópia ou de sua pesquisa desta noite. Deleta o "log" de informações recentes. Está tudo conforme planejou, ou quase.

- Não quero ofendê-lo, Dr. Lourens, mas, como o Sr. Já está de posse do CD-OR e demais informações. Conforme combinamos, eu poderia receber o meu dinheirinho agora? - Milley demonstra impaciência no tom de voz.
- Bem, aqui está. - Lourens coloca uma maleta preta, comum para esse tipo de mercadoria, sobre a mesa - Se quiser contar... - lança um olhar petrificante para Milley.

Milley olha para a coleção de notas verdes, repetidas. Passa suavemente a mão por sobre o dinheiro e fecha a maleta.
- De forma alguma! Não será necessário, tenho certeza que está tudo aqui. Deixarei o senhor agora. Deve Ter muito o que fazer. O tempo está passando. Se precisar de mim sabe onde me encontrar.
Milley acena para Lourens e vai em direção à porta. Pensa em dizer "Eu sei onde é a saída", mas só pensa. Quando toca na maçaneta ouve a voz melodiosa e firma de Lourens.
- Uma coisa. Se eu fosse você não sairia da cidade até esse projeto ficar pronto.

Milley engole a seco, balança levemente a cabeça e sai, fechando a porta suavemente após passar. Na cabeça uma confusão de sentimentos. Alegria ou tristeza? Não sabe. Coloca a mão no bolso para conferir a passagem de avião para o México. Olha no relógio e se apressa para não perder o vôo. Tem uma única certeza: não mais verá Lourens. Um leve sorriso ilumina seu rosto ao pensar nisso. Mas logo desaparece, tão breve como quando chegou.

Lourens dividiu sua equipe em duas. Uma tomaria conta do projeto do corpo do robô e a outra, do cérebro, a parte mais complexa. Um só erro na colocação de uma única molécula de silício inutilizaria milhares de outras. São essas moléculas que armazenarão e processarão o conteúdo do CD-OR de Hasews, agora de Lourens.
Com o empenho de todos e centenas de horas extras, o projeto segue a contento. Após exatos seis meses, a equipe encarregada do corpo do robô finaliza 100% do seu projeto. Algo com mera semelhança humana, 2,50m de altura e cerca de 280kg. Sua armadura metálica construída de titânio-G3, totalmente impenetrável era motivo de orgulho. Um esqueleto feito com uma membrana semi-orgânica de MS-25, liga metálica encontrada na caverna Linus, em Marte, suportava uma massa máxima de trinta toneladas. Era capaz de "ver" em três espectros diferentes (luz visível, infra e ultra violeta), sem falar em raios-x, possibilitando um trabalho em quase todos os tipos de ambientes. Os "nervos" centrais usam fibras óticas de alta performance, capaz de realizar ações instantâneas ou na velocidade da luz.
Com o corpo pronto aguardavam o cérebro, mas alguns erros, causaram atraso. No fim do prazo de nove meses, apenas 89% do projeto estava concluído de mais um mês aproximadamente.
- Aqui está o que me pediu, Lourens - Cíntia fala, enquanto coloca alguns jornais e revistas sobre a mesa impecável - pesquisei os lançamentos recentes e futuros e não achei nada de importante. Cheguei até enviar um e-mail, da casa de uma amiga, e como resposta me informaram que não há nada de novo previsto para este ano.
- Obrigado Cintia. - fala enquanto exibe o seu tão famoso sorriso - Resumindo, ainda não lançaram nada. Provavelmente estão atrasados, como nós também estamos.

Lourens levanta-se e caminha em direção à Cintia, contornando a enorme mesa:
- Essa é uma ótima notícia. Vamos continuar o projeto em ritmo mais acelerado ainda. Vamos continuar até o fim. - determinação não lhe falta. Sempre fora um homem capaz de enfrentar tudo e todos, não importava como.

Continuaram no desenvolvimento do projeto. Não levou mais que um mês para ser concluído o cérebro e colocado cuidadosamente no corpo do robô, chamado carinhosamente de RB-S. Em RB-S, foram feitos apenas os testes usuais por não haver tempo. Precisavam lançá-lo antes de Hasews. Testaram a movimentação induzida, para verificar se o cérebro controlaria corretamente o corpo que fora exaustivamente testado antes. RB-S levantou-se, movimentou-se para um lado e para o outro. Moveu também seus membros individualmente, tudo previsto no seu "boot" ou inicialização.
Começaram então o processo de transferência dos algoritmos, armazenados no CD-OR, para o cérebro Si-El. Como eram muito complexos, nenhum dos cientistas de Lourens souberam traduzi-lo. As funções contidas no programa eram criadas, e desenvolvidas exclusivamente por Hasews. Findo o processo de cópia com sucesso, é necessário aguardar doze horas para que as moléculas de silício possam alocar todas as funções em áreas distintas. Só após essa alocação é que se poderia ligar o robô. Graças a um sistema de testes virtuais, em alguns minutos pode se diagnosticar a operacionalidade do robô. Fizeram este teste e o resultado foi 100% de aproveitamento, com 0% de margem de erro.
- É uma grande alegria saber que o teste virtual foi um completo sucesso! - Lourens dirige-se a toda sua equipe - Assim que soube disso, liguei para a imprensa e marquei para amanhã o lançamento do maior e melhor produto da robótica moderna. - Lourens visivelmente feliz com seu produto.
- Senhor! - Interrompe um dos cientistas que trabalhou na criação do cérebro de RB-S - Acho que precisaríamos testas mais. Não sabemos ao certo para que esse robô foi criado. Sabemos basicamente que ele executará movimentos rápidos e altamente variados, além de deter grande velocidade de locomoção. A exatidão de suas funções só quem desenvolveu por completo o programam cerebral sabe...
- Nós quem o desenvolvemos!! - Lourens interrompe bruscamente - Ouviu? Não quero saber mais disso! Vamos exibi-lo ao mundo amanhã. Já fizemos isso tantas vezes. Não quero falhas! Se Hasews o desenvolveu, com certeza foi para um propósito especial: vendê-lo o mais caro possível. E esse também é o meu propósito!

Lourens estava certo. Não era a primeira vez que a RS lançava um produto sem testá-lo por completo. R-21 foi um deles. Robô criado e construído para trabalhar na construção de NY-II, uma cidade que acolherá aproximadamente 750 mil pessoas. Essa cidade seria usada como prisão especial. Todos os países associados a ONU poderiam mandar seus prisioneiros para lá. Havia, é claro, um limite por país. O detalhe era que essa cidade ficaria a 3,7 km da superfície do Atlântico Norte. R-21 trabalharia soldando as enormes placas de metal que constituiria a cúpula da cidade. Toda energia e alimento seria retirada do mar e de uma pequena usina nuclear, localizada a 2 km de distância da cidade. R-21 não tinha sido testado por completo. Funcionou a contento, não apresentando nenhuma falha... Só que dessa vez é diferente. Ninguém sabe para que serve o robô.

***

- Dr. Hasews, esse e-mail acabou de chegar. Deseja vê-lo agora?

Hasews, concordando com a cabeça, não pode deixar de pensar em quão bonita ela é... erro do tempo.
A solidão o acompanha a muito tempo. Hasews perdera a esposa há cinco anos. Desde então procurou trabalhar mais e deixou sua vida social de lado. "Já é tempo...", pensa, voltando à realidade.
- Dr., a RS estará lançando um novo produto amanhã, as 22:00h. é o próprio presidente, Dr. Mark Lourens quem o convida!! - a secretária não deixa de se surpreender.
- E o que teria de tão importante nesse produto para que Lourens me mandasse esse convite?
- Ele só diz "a tecnologia mais avançada que existe foi utilizada para fazê-lo.".

Hasews fica calado por alguns instantes. Sua vista perde-se fixamente no aquário. Os movimentos suaves dos peixes parecem hipnotizá-lo. Sacode a cabeça bruscamente, como que despertando do transe.
- Pois bem, - a ironia de Hasews não era difícil de se notar - infelizmente não poderei ir. Tenho que assistir ao jogo de baseball com meu filho mais novo. Foi aniversário dele mês passado e não pudemos ficar juntos desde então.

A secretária concorda silenciosamente. Acha que Hasews inventaria qualquer desculpa para não tornar a ver o Dr. Lourens. Sabe das intrigas passadas.

* * *

"Interrompemos a transmissão deste programa para exibirmos, ao vivo, o lançamento do ano. Direto do Centro de Convenções, Dr. Mark Lourens, presidente das empresas RS- Robôs e Similares S/A e sua equipe..."

- Não é possível!!! - Hasews explode, não acreditando que Lourens seria capaz de interromper o jogo para exaltar-se via satélite.

Hasews nota uma grande movimentação da imprensa e já começa sentir que a coisa é séria... mais do que imaginava. Verifica os outros canais. Tudo igual.

- Papai! Não vai mais passar o jogo? - seu filho interroga, choramingando e chantageia - Você prometeu!

Hasews olha para seu filho e acha que ficou muito bem boné, camisa e bermuda do seu time preferido. Uma bela bandeira completa o uniforme.
- Não se preocupe, vai acabar logo... Nós podemos ficar brincando enquanto isso. Tudo bem? - psicologia infantil não é o seu forte, mas dessa vez, só dessa vez...

"Senhoras e senhores, apresento RB-S, o mais avançado robô jamais construído. Sua estrutura suporta..."

Lourens está novamente impecável. Após puxar as cortinas que cobriam seu maravilhoso produto, passa a detalhar as características básicas do funcionamento do robô, bem como o valor e o tempo gasto para produzi-lo.

Enquanto Hasews brinca com seu filho, ouve Lourens gabar-se. Realmente, dessa vez eles investiram pesado. $ 38 milhões, dez vezes mais que os outros projetos. Tecnologia não faltou. Hasews solta um longo suspiro quando ouve sobre o cérebro Si-El utilizado.

"Posso finalmente afirmar que já não existe concorrência! Entraremos em escala industrial na produção desse fantástico produto imediatamente. Vamos agora mostrar um pouco do que ele pode fazer..."

Lourens procurou falar o mínimo possível sobre as tarefas que o robô pode realizar. Sua equipe prepara tudo para o grande momento. Hasews mantém a calma, como sempre. Pelo menos exteriormente, mas por dentro... Continua tentando concentrar-se na brincadeira com seu filho.
- Papai! É sua vez de brincar com Bob! - fala, irritado com a demora.
- Filho, papai não está com cabeça para brincar com esse pequeno robô. Vou buscar mais pipocas. O jogo vai começar logo... - nem o jogo nem a pipoca interessavam mais.

Hasews levanta-se lentamente e atravessa a enorme sala, quase completamente vazia. Um solitário piano branco quebrava a decoração monótona. As paredes na cor flamingo dão um ar de requinte e aconchego a mansão.
Enquanto a pipoca estoura, ouve seu filho rir muito. Realmente gostou desse robô que ganhou como presente de aniversário. Foi trabalhoso sua elaboração, mas é seu filho, merece.
Ao voltar para a sala, nota que seu filho está muito concentrado na TV e o robô, pequenino, descansa em um canto qualquer.
- Papai, você perdeu! Aquele robô da TV estava jogando bola com as pessoas, só que parece que ninguém queria jogar com ele.

Hasews senta-se desajeitadamente. Colhe com a mão tremula algumas pipocas e leva-as à boca, sem sucesso.
- Papai! Olha só!! Ele faz tudo igualzinho ao meu Bob. Canta, pula amarelinha, brinca de escravos de jó... Agora ele quer brincar de roda com os policiais. Pena que eles não gostam de brincar.

Sentando-se ao lado de seu pai e, com a boca cheia de pipocas, continua:
- Mas pai! Por que ele é tão grande assim? - interroga, enquanto RB-S, o robô mais avançado do mundo, conta piadas para a platéia pasme.

- Sim, meu filho... Tão grande, tão caro... e tão inútil! - não esconde o sorriso, enquanto Lourens e sua equipe tentam desligar o robô maravilha, em vão.


Fim

Roberley Antonio


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