O céu é o inferno da administração. Quem tem credo ou paciência para ler a Bíblia sabe que tudo que é vício de gestão aparece descrito nos versículos sagrados. Lá nas alturas, o sistema administrativo é verticalizado , baseado num respeito religioso pela hierarquia (que o digam os anjos!) e totalmente centralizado . Deus manda, e obedece quem tem medo de queimar eternamente. Qualquer decisão parte Dele e nem milagre pode ser feito sem a intervenção do Todo-poderoso. Não bastasse isso, o nepotismo impera: Jesus é o filho do Homem e procurador com regalias infinitas, inclusive de julgar quem quer que seja. O sistema de informação é opressor e sempre vigilante pois é controlado pelo espírito onipresente. Taylor e Ford, tenha certeza, viam na Bíblia uma "bíblia" de administração linha-dura.
Não veja nessas palavras qualquer ensaio de manifesto teofóbico. Nem me atreveria, funcionário mortal e subalterno que sou dessa que é a mais antiga corporação fundada por um único empreendedor com seu próprio trabalho. Sim, porque Deus é um self-made man capaz de colocar qualquer Ted Turner ou Donald Trump nas sandálias. Nem Bill Gattes conseguiria criar o mundo em sete dias; se tentasse, o resultado seria uma versão beta cheia de erros. Peraí! O mundo criado por Ele não é isto mesmo: um programa travado, feito de bugs? Meu Deus, Bill Gates é Você!
Idéias como reengenharia e downsizing nasceram no céu. Lúcifer é o caso mais conhecido por nós mortais. Talentoso, ágil, puxa-saco na medida certa. Era o peixe do Divino. Bastou reclamar atenção e foi recolocado, rebaixado mesmo. Sem aviso prévio, sem bónus, sem ajuda psiquiátrica. Brios machucados, montou sua própria empresa e até hoje abocanha boa parte do mercado de fiéis com produtos quentes, bem ao gosto popular.
Por falar em Lúcifer, há, aqui embaixo, muitos entendidos nas leis de Deus que dão de dez no Coisa-ruim. Não sei qual foi o acordo que fizeram para ter acesso privilegiado à s informações do além, mas todos eles se apresentam únicos porta-vozes do Salvador. E as franquias religiosas repetem o esquema furado de gerência adotado no céu e ainda conseguem piorá-lo. Acreditam que Deus proverá sempre e não se preocupam em planejar seus passos como empresa de prestação serviços, que é o que elas são na prática. Contratam fiéis para trabalhar sem remuneração ou benefícios num esquema que eles chamam de semeadura: trabalhe de graça agora e receba um posto de supervisão lá no Paraíso. Quem não entra nessa é atemorizado com apocalipses. Além de outros desmandos que os jornais não cansam de enumerar e que já não estão mais para estratégias demoníacas: fraudes que vão desde a propaganda enganosa e o assédio moral, passam pela sonegação descarada e chegam ao envolvimento com práticas criminosas.
Quem pode culpar esses pastores-empresários? Se o céu é mal administrado, como exigir que um templo sobre a terra siga conceitos avançados de gestão? Transparência, respeito ao ser humano, visão holística são alguns princípios sustentados por corporações que entendem seu papel nesse mundo louco. As igrejas que se espalham como botecos por todos os bairros (seja nas avenidas do centro, seja nas proximidades dos Shoppings) estão longe de entender esses conceitos. Se questionados, usam a Bíblia como um manual que justificaria seus atos administrativos. São filhos de Deus e podem pecar contra a administração: Ele perdoa sempre. Aos indignados, resta orar, mesmo sabendo que, como empresa obsoleta, o céu tem um sério problema de comunicação e é bem capaz que a sua prece pare na mesa da Secretária de Deus e acabe na lixeira eterna, sem resposta.
