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Contos-->Reflexão -- 21/05/2001 - 03:32 (Mário Pugliesi) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Silêncio. O único axioma do espaço. Num negro veludo espacial desliza como se estivesse dentro de um útero que acabara de lhe dar vida. Coberto por toda uma placenta atmosférica, o colossal ser, deixa o corpo de sua mãe para trás, desligando-se, então, de seu cordão umbilical. Estava só. As gigantescas estruturas metálicas entrelaçadas formando o corpo, tombadilhos definindo órgãos, impulsos eletrônicos correndo de ponta a ponta, mas e o cérebro? Ah sim, o cérebro... este é humano, trazendo a este imenso ser a benção/maldição destes: sentimentos.
Sentado por sobre uma cadeira que fora vista antes apenas em antigos filmes de ficção científica, o capitão desenha com as mãos a trajetória que devem seguir. O quepe de couro esconde seus olhos, deixando sua face ainda mais sisuda. Sua tripulação acompanha atenta todos os seus comandos. Era uma tripulação pequena, visto que todos estavam na pequena ponte de comando, embora apertados, cabiam todos. Levanta-se e, para espanto de todos, tira pela primeira vez seu quepe. O negro de seus olhos produziu uma faísca intuitiva, mas foi logo ofuscada pela vastidão negra que se encontra por trás dele.

- Eu espero que vocês dêem seu melhor. Esta nave é tudo para mim. Minha vida. Tudo que fiz durante todos os anos de minha vida foi isto que vocês pisam agora... Melhor tomarmos nossos postos, senhores. Hoje vamos onde ninguém jamais esteve.

Senta-se de novo. Suas mãos cansadas escorregam até as pernas, enquanto sua tripulação deixa a sala. As antes faces animadas, parecem agora num misto de angustia e desprazer, como se o peso de cada uma daquelas palavras tivesse residido em suas almas. Havia, naquele instante, deixado de existir o sonho conjunto, para tornar-se o sonho de um homem apenas, ou seu pesadelo.
Os dias escoam como minutos. Sem tempo para descanso, os oficias trabalham ininterruptamente, chegando a, algumas vezes, ficarem 22 horas por dia operando computadores e fazendo reparos. O capitão se isolou em sua cabina nos últimos dois dias, deixando tudo na mão de sua imediata. A tripulação tem, então, se mostrado descrente no sucesso da missão.

- Vocês já imaginaram o que está para nos acontecer? Estamos a cada dia mais próximos de Alpha Centauro, nosso capitão se isolou em seu abismo de egoísmos, nossa comandante é tão principiante como nós e estamos a milhares de quilômetros de distancia da estação espacial mais próxima...
- Ei! Pare com todo este pessimismo. Eu confio em nossas habilidades e sei que podemos nos dar incrivelmente bem nesta missão. Pense no futuro:- gesticula com as mãos demonstrando o que seria um slogan- Armstrong e Andersen trazendo o futuro para o presente.
- Soa bem, mas Armstrong e Silva fica bem melhor, não acham?
- Ei ei. Tudo bem, mas acho melhor pararmos de brincar e prestarmos mais atenção ao medidores. O que vocês tem ai?
- Bom... nenhum imprevisto na trajetória. Nada nos radares, nem nos medidores de pressão também.
- Todos os tombadilhos estão bem. Ei esperem! Há algo no compartimento de oxigênio. Acho que está acontecendo um vazamento.

Todas as mãos trabalham rápido para chegar as mesmas constatações. Não havia erro, as taxas de oxigênio estacado estavam caindo muito rápido e estavam ocorrendo em todos os tanques, era impossível. Havia certamente alguém mexendo neles. Dois deles se levantaram e, como se estivesse tudo combinado, seguiram juntos num movimento quase bailado. Seguindo por extensos corredores, passando por diversas salas, chegam finalmente as câmaras de oxigênio e para desespero deles não há ali ninguém.
O ser metálico estremece, mas seus ruídos não são ouvidos no vácuo. Os oficiais resolveram não vazar estas informações para os demais e as levam diretamente ao capitão. Sua face, há muito, não é a mesma, como se de alguma forma, seu ser, antes extasiado, encontrar-se agora em uma espécie de disputa interna, quase como medo. Os homens contam-lhe o ocorrido e ele não parece surpreso. Suas palavras são expelidas com cansaço:

- Eu já esperava. Tudo que vocês vão descobrir aqui é que esta não é, na verdade, a primeira nave terrestre a ir a Alpha Centauro e também descobrirão que esta é uma viagem, para vocês, sem volta...
- Como assim? O que você quer dizer com sem volta?
- Vamos a ponte de comando que eu mostrarei.

O quatro se dirigem a ponte. Quando a porta com as grandes inscrições em amarelo é avistada, o capitão ordena que todos que se encontravam na ponte se retirem. A porta abre e um por um, os seis integrantes saem. O capitão põe seu quepe e anda até a porta. Debaixo dos grandes arcos de metal, vira-se e começa, calmamente, a falar:

- Bem... vocês vão morrer. Todo o oxigênio foi desviado para esta sala, que possui um dispositivo de trava acionado apenas pela minha voz, mas antes de se revoltarem, ouçam. Por que vocês vieram? É isto que devem estar a se perguntar, sem ao menos uma resposta encontrar. Esta sem dúvida é seu menor problema, mas, não há como não se questionarem, não é? Pois bem, eu não poderia pilotá-la só. Por que vão morrer? Seria esta a segunda? Bem, as maravilhas alcançadas em Alpha Centauro não estão a disposição para todos os olhos. E apesar de serem ótimos oficiais não sabemos quão revoltosos podem ser e mesmo, quão confiáveis, portanto, não havia outra forma.

As caras assustadas começavam a esboçar fúria em seus olhos. Lá, ainda parado no meio da porta de entrada, o capitão, sereno, passa a mão, lentamente, por sobre sua barba, já esbranquiçada pela velhice iminente.

- Mas eu, sobre todos, sou o que mais hei de sofrer. Em mim reside as almas de 50 bons homens, que deram todo seu tempo, treinamento e, agora, vida, para o bem da humanidade e foram pegos no meio de um turbilhão de relações e jogadas dos homens poderosos do mundo, e que sem entender hão de agora partir, vivendo apenas na história. Se pudéssemos pesar, ou medir, os atos dos seres humanos, como se analisássemo-nos num espelho, será que gostaríamos do que veríamos? Será que todas as mudanças, todas as mortes valeram a pena, ou será que se perderam em meio ao nada? Será que chegará um momento que não haverão sombras em nossos reflexos? Espero realmente que sim... Bom, senhores, foi agradável tê-los a meu lado nesta jornada. Obrigado.- e dando um passo a trás- Computador fechar e executar programa para selar a porta.

O capitão anda vagarosamente até o lado de sua cadeira. Olhando fixamente para frente, já pode avistar Alpha Centauro, mas não é isso que observa agora. Olha diretamente para seu reflexo. Seus traços foram perdidos em meio ao negro da sala e do espaço, sobrando apenas os fortes traços de seus olhos, tristes e pouco esperançosos, que demonstravam, agora, um brilho intenso, como a luz que se projetava lá fora, vinda de bilhões de anos, sendo refletida no casco do imenso ser que ruge sem fazer ao menos um ruído. Mergulhado no veludo negro do espaço, já estando todo marcado pelo tempo, consciente de não existir como ser e sim como coisa, é abençoado com o pesado sentir do instante. O silêncio é apenas o que sobra.



(Fica melhor se lido após o conto: “Espelho” do
Livro: " Primeiras Estórias do Guimarães
Rosa.")
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