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Cronicas-->O Comedor de Cigarros Acesos -- 06/01/2001 - 14:45 (Anizio Canola) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Na acanhada estação rodoviária de Paraguaçu Paulista, somos dez pessoas aguardando, em silêncio, o ónibus noturno procedente de Maringá, o mesmo que nos levará à Marilia, de onde eu ainda prosseguirei viagem, retornando à Araçatuba. Já passa da meia-noite. Nenhum outro viajante aparece para quebrar a monotonia do saguão de espera. De maneira que o Jaime, agente da empresa, está imóvel, emoldurado no único guichê. E nos contempla, absorto. Nas proximidades dali, os botecos todos já cerraram suas portas. De há muito os derradeiros embriagados rumaram para lugar algum, contando suas tristes histórias, de poste em poste, falando enrolado a desatentos cães vadios e talvez a ouvintes imaginários, até serem tragados pela escuridão dos becos. Que coisa aborrecida! Nada, mas n-a-d-a mesmo, acontece para espantar a calmaria deste lugar... Raramente passa alguém por perto. Um ou outro silente gato pingado, sempre ao largo. Notívagos, indo com alguma pressa para o aconchego de seus ninhos. Embora nós, passageiros, sejamos conhecidos uns dos outros, parece haver um acordo tácito para mergulharmos em nossos próprios pensamentos. Pudera, o frio cortante desestimula nossa comunicação, sendo que o vento diz algo que não conseguimos compreender. No ponto, em frente, nenhum táxi disponível. Fácil adivinhar que, nesta noite fria, não haverá nenhum interessado numa corrida. Mesmo porque, a cidade pequena favorece atingir qualquer ponto a pé, em poucos minutos. E não deixa de ser bom caminhar com este "friozinho". Ao longe, ouve-se o Paraguaçu Tênis Clube, reduto das atividades sociais, encerrar sua domingueira dançante, devolvendo seus associados à realidade do batente da segunda-feira. Estamos protegidos do frio, acomodados bem juntinhos, em dois compridos bancos de cimento. Na verdade, o velho relógio de parede também incomoda um pouco. Ao martelar, em que pese o tímido tic-tac, o arrastar vagaroso do tempo de espera. Que maçada, faltam ainda vinte minutos para o ónibus chegar...
De repente, surgidos do nada, dois vultos afloram à nossa frente, provocando surpresa geral. A roupa maltrapilha dos estranhos indivíduos revela de imediato que eles chegaram para o pernoite. Quer dizer, nós ali, ocupando seus espaços de repouso durante a madrugada, passamos a ser intrusos. É curioso, mas superado o primeiro impacto, percebemos que o homem barbudo, paletó sujo e rasgado, fica maravilhado em nos ver ali. Como se acolhesse seleta platéia para o seu espetáculo de gala. Tira longa baforada de sua bituca, dizendo ao companheiro, mais novo, mas igualmente miserável e submisso qual fiel escudeiro: - "Vou engolir este cigarro aceso!". Ninguém diz nada, porém vinte olhos acompanham curiosos os movimentos dos indigentes. O artista exibe, com categoria, o cigarro aceso, na ponta dos dedos da mão direita. Em seguida, leva rapidamente a mão à boca gesticulando de maneira estranha. Representa mesmo que mastiga. Logo escancara a bocarra. Escapa uma fumacinha dentre os dentes estragados. Mais nenhum outro sinal do cigarro! Incrível!. A cena decorre sem qualquer manifestação nossa, embora seja patente a nossa curiosidade pelo que acabamos de ver. O escudeiro pede bis... Ele escolhe outra bituca, acende-a e repete o número. Sigo atentamente seus gestos, desta feita mais descuidados. E percebo quando ele se desfaz do cigarro antes de a mão chegar à boca. Na verdade ele mastigava nada. Mas nos convenceu. Ecoam na madugada apenas as palmas desajeitadas do escudeiro, ainda que o astro da rodoviária esteja bem feliz, relembrando, quem sabe, dias de glórias em picadeiros feéricamente iluminados
Nós continuamos ali, introspectivos. Porém, agora, os pensamentos estão agitados, por causa das peripécias do pobre homem no palco da vida. Não demora muito mais, quando o nosso ónibus chega. Então partimos, pensando na lição daqueles pobretões, que, mesmo tendo uma noite ao relento pela frente, animavam-se a distrair estranhos bem agasalhados, sem se importarem sequer com o cenário, tão diferente daqueles dos grandes espetáculos de outrora. No último degrau da vida, ainda foi possível, habilmente, ensinar o respeitável público a aproveitar melhor o precioso tempo da existência. Quem diria, na simples espera de um ónibus. As intempéries do viver costumam ser inevitáveis. Mas jamais a vida deve ter pausas. Bem entendida, - e vivida de acordo - torna-se uma atração o tempo todo...
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