Língua do Bó
Certa vez surrupiei de um avião da Air Olympic uma revista sobre a Grécia que tinha textos escritos em grego e traduzidos para o francês. Passei dias e dias tentando decifrar a difícil língua daquele país. Alguma coisa que descobrisse já me satisfaria. Acabei adivinhando o significado de telephon, pharmakeion, metáfora, Ellas, Athinai, tabepna, kaló, parakaló, crio, uzo, mimika, kalimera, kalinichta, adio... (telefone, farmácia, transporte, Grécia, Atenas, taverna, bonito, faz favor, frio, licor de aniz, mímica, bom-dia, boa-noite, até logo...). Foi bom, deu para iniciar pequenos diálogos com pessoas da terra e aprender mais. Naquela época percebi a importància de se conhecer o grego.
É uma pena não estudarmos pelo menos rudimentos desta língua. Facilitaria a compreensão de muitas palavras que nos vieram diretamente de lá e que usamos constantemente no dia-a-dia. Por exemplo, o que estou a fazer neste exato momento? Digito. Sem falar naquilo que tantos problemas tem criado nas cidades modernas:o camelódromo. E do lugar que uma vez por ano está em foco, televisionado e transmitido para o mundo todo: o sambódromo. Teríamos também podido entender melhor o que à s vezes dizia Nikos, personagem de Tony Ramos na novela Belíssima.
Ao pensar que o grego tem o alfabeto (olha aí: alfa, beta, gama...) diferente do nosso, lembrei-me do código que muita gente usou na infància para se comunicar secretamente com os amigos. A língua do pê. Meninas tagarelas ridicularizavam rapazes esnobes debaixo do nariz deles "pepeando" com destreza. Claro que os rapazes também faziam comentários pouco polidos na mesma moeda. Para se vingar, era só treinar.
De uns anos para cá, tenho ouvido muito falar em valorização da Língua Portuguesa. Isto não se refere somente à nossa ignorància. Que devemos conhecê-la melhor, é fato. Que devemos escrever e nos comunicarmos com mais clareza e de forma correta, também é certo. Mas aquilo que os intelectuais, literatos, poetas e músicos gostariam de ver é uma perfeita integração linguística entre Portugal, Brasil e outros países lusófonos. Anseiam por um maior intercàmbio literário e musical entre nós.
Esta tarefa, no entanto, não é tão simples como parece. Muitas vezes, ao ler os grandes mestres portugueses, empacamos. O mesmo deve acontecer com os lusitanos ao assistir à s nossas novelas. Dos fados cantados por Amália Rodrigues só captamos uma ou outra palavra. E se isto acontece com o idioma da "terra-mãe", imaginem a dificuldade que teremos em compreender o que dizem e escrevem aqueles irmãos das antigas colónias.
Não sei se vocês conhecem a ilustre cantora cabo-verdiana Cesaria Évora. É uma senhora negra e baixinha de voz encantadora, que só se apresenta descalça nos palcos, principalmente da Europa. E que tem "fundido minha cuca" com suas canções. Vejam só alguns versos da "Doce Guerra":
Oi Cabo Verde Vontade ferro pó na nha peito
Bó qu´ê nha dor mais sublime Gosto pa luta pó na nhas braço
Bó qu´ê nh´angustia nha paixão Bó qu´ê nha guerra doce amor.
Nha vida nascê
Dum desafio di bó clima ingrato
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