UMA NOITE NOS AFONSOS
José NOGUEIRA Sobrinho - Ten Cel Esp Av Ref FAB
BAAF - 1961.
Alunos da última série da EEAR, estagiávamos (avião C-82) na Base Aérea dos Afonsos, comandada pelo coronel Délio Jardim de Matos.
Desde muito tempo, Fernando e Manzella viviam se trombando. Certa noite, depois de os dois quase irem à s vias de fato, Echebarra, não sei onde, arranja luvas de box e vamos todos para o estádio da Base, longe das vistas de estranhos, para que os desafetos resolvam de vez as divergências, em uma luta limpa.
Lá, Echebarra canta as regras da disputa e funciona como juíz.
Vários rounds depois, como os contendores não se dão por vencidos, quase não se sustentam em pé e apresentam visíveis escoriações, resolvemos encerrar a disputa e cumprir o combinado: um aperto de mão dos dois, selando a paz.
Quase sargentos, estava na hora de dar adeus à condição juvenil e virar homens.
Mas essa noite estava longe de acabar.
Vicente, de Santo António do Salto da Onça, Rio Grande do Norte, que, ao contrário de nós outros, mostra-se alheio à luta, arde em febre e delira. Levado para o Hospital dos Afonsos, ao amanhecer do dia estava morto, vítima de pneumonia fulminante.
Imaturos, longe de casa, nessa noite convivemos íntima e profundamente com a vida, buliçosa e violenta no estádio, e com a morte, também violenta e buliçosa na visão das vísceras de Vicente, que vimos expostas na laje do necrotério, retiradas para embalsamar o corpo.
E de repente, em uma noite de alegria e dor, e sem nos darmos conta, começamos a amadurecer, fase crucial do processo de autofazimento construtor da nossa identidade.
Recife - 03/06/07.
Reprodução autorizada.
Obs.: A Base Aérea dos Afonsos fica no subúrbio do Rio de Janeiro, próximo a Marechal Hermes, e foi palco da luta promovida pelos comunas durante a Intentona Comunista, em 1935, em que militares marxistas, a mando de Moscou e sob ordens do facínora Luiz Carlos Prestes, assassinaram friamente companheiros de caserna, alguns enquanto dormiam nos alojamentos (F.M.).
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