Usina de Letras
Usina de Letras
172 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62181 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10350)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140792)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->Presa no Banheiro -- 07/06/2007 - 17:28 (Beatriz Cruz) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Presa no Banheiro


Eu tinha acabado de me mudar, mas a reforma do apartamento ainda não havia terminado. Faltava a pintura das portas, por isso elas estavam sem as maçanetas. Temendo que batessem com o vento, coloquei um pé de sapato no vão de cada uma, assim ninguém ficaria preso em lugar algum.
No primeiro dia tudo correu bem, trabalhei bastante arrumando as coisas enquanto meu filho de um ano e meio andava para um lado e outro, explorando seu novo lar.
No segundo dia, logo cedo, acompanhei meu marido até a porta de saída e fui ao banheiro apanhar uma toalha molhada. Ao entrar, distraidamente chutei o sapato que atravessava meu caminho. Nem bem o chutei, a porta bateu com estrondo atrás de mim. Sem a maçaneta, não conseguia abri-la. Tentei enfiar uma escova de dentes no buraco da fechadura, mas não funcionou, era muito grande. Pensei então na tesourinha de cortar unhas, era pequena demais. Um lápis seria bom, mas ali não havia lápis nem canetas. O cabo do pente tampouco serviu. Finalmente olhei para o vitró e achei que minha saída estava por ali. Não que fosse pular por ele, encontrava-me no quinto andar, mas bem que poderia chamar a atenção das pessoas que se divertiam na piscina naquela ensolarada manhã de verão. Outra decepção. Por mais que esticasse o pescoço e levantasse os calcanhares, nem sombra de alcançá-lo. Era alto demais para a naniquinha aqui.
Nessas alturas comecei a me desesperar e certamente já pensava alto dizendo impropérios. Do lado de fora, meu filho, percebendo que eu não saía do banheiro e nem parava de resmungar, pós-se a ajudar-me, martelando a porta com o que encontrava. Foi bom, porque ao menos eu sabia que ele estava por perto e gelei ao lembrar que as grades das janelas ainda estavam por ser colocadas. Que Deus afastasse da cabecinha dele a idéia de olhar para baixo na tentativa de chamar socorro. Comecei a rezar para que algum milagre me tirasse dali o mais rápido possível. Rezei com fervor, mas nada aconteceu de imediato. De cabeça quente, achei que a única solução seria gritar e teria que ser bem alto para que fosse ouvida lá de baixo. No auge do desespero, pus-me a berrar:
_ Socorro! Socorro! Estou presa no banheiro! É no apartamento 53! Socorro!
Continuava gritando quando ouvi umas pancadinhas na parede, seguidas de algumas vozes.
_ Ei! Ei!, o que foi? disse um homem.
_ Estou presa no banheiro! respondi aos brados.
_ Calma, já vamos ajudá-la, continuou ele e só então percebi que seu tom de voz era normal.
_ Arrombem a porta da frente e venham me tirar daqui! disse também com voz normal.
Eu tentava me acalmar mas não conseguia, pois sabia que para além daquela porta emperrada um bebê andava solto à procura de objetos que pudessem livrar sua mãe do cativeiro. E se ele se machucasse? O melhor era entretê-lo perto de mim. E foi o que fiz.
Longos minutos se passaram até que pude ouvir novamente algumas vozes, agora dentro do meu próprio apartamento. Finalmente a maçaneta rodou na fechadura e a porta se abriu, pondo-me frente a frente com um senhor de óculos, meio gordo e sorridente. Depois de ajeitar as ferramentas em uma das mãos, ele estendeu-me a outra e se apresentou. Atrás dele sua mulher, a sogra e o zelador também queriam falar comigo. Enquanto isso meu filho dava gritinhos de alegria e dizia coisas incompreensíveis. Ainda no meio do quarto expliquei-lhes o ocorrido e todos se mostraram assustados, principalmente por causa do garoto.
Agradecendo muito, acompanhei-os até a saída e fechei com cuidado a porta da rua. Depois disso, abraçada ao meu bebê, pude respirar aliviada.
E aliviada eu estava por vários motivos. Primeiro, porque Deus e o vizinho tinham ouvido minhas preces (e meus palavrões), fazendo com que saísse ilesa do local onde ficara trancafiada. Segundo, porque meu filho, embora pequeno ainda, se comportara bem e não tinha despencado pela janela, transformando aquela situação apenas desagradável em uma tragédia. E, finalmente, porque eu estava vestida.
Qual teria sido minha cara ao conhecer aquele distinto senhor, sua mulher, a sogra e mais o zelador do prédio enrolada numa toalha? Muito prazer, desculpe o traje... É claro que situação de emergência é situação de emergência, guerra é guerra, mas no dia-a-dia eu teria que conviver com essas pessoas. E quem me garantia que a memória deles não ia falhar?
Ainda bem que tudo aconteceu desse modo, pois nesses anos já perdi a conta das vezes que encontrei o vizinho, sua mulher e até a sogra. Quanto ao zelador, não sei por onde anda, tantos outros vieram ocupar seu lugar.
Dizem que o Pecado mora ao lado. Quando ouço isto, intervenho.
_ Nem sempre... às vezes, pode ser a Salvação.



Do outro lado do muro


O episódio acima relatado ensinou-me que na vida nem sempre tudo está perdido, soluções inesperadas podem aparecer. Com uma mistura de fé, paciência, desespero e sorte podemos resolver os problemas. Ele me ensinou que a solidariedade ainda existe, embora às vezes tenhamos que gritar um pouco para conseguí-la. Ensinou-me, sobretudo, que não devemos reclamar dos defeitos.
Um defeito de construção, por exemplo, pode infernizar a vida das pessoas, mas no meu caso serviu para alguma coisa. Foi justamente por causa de um defeito na construção do prédio que fui salva no dia em que fiquei presa no banheiro.
Em sua ganància os construtores tentam economizar o máximo de material e certamente pensando nisto é que deixaram um buraco na única parede que liga nosso apartamento ao do vizinho. É disfarçado, claro, senão ninguém compraria um apartamento assim, com um buraco bem no banheiro.
Não imaginávamos nem de leve uma coisa dessas quando viemos morar aqui. Só comecei a desconfiar que algo de errado existia quando ouvi claramente a voz do outro lado falando em tom normal. Respondi da mesma maneira e fui ouvida. Trocando em miúdos, posso conversar com meus neigbours a hora que bem entender, sem vê-los, sem acionar o telefone e, principalmente, sem gritar. Até hoje isso só aconteceu uma vez, no dia em que pedi socorro e fui imediatamente atendida. O que acontece no dia-a-dia é justamente o contrário. Temos é que tomar todo o cuidado para não sermos ouvidos ao usar aquele importante recinto. Às vezes isso torna-se quase impossível e um ruído qualquer escapa. Não posso diminuir o barulho da água do chuveiro ou da descarga. Por mais que tente, ainda não consegui escovar os dentes silenciosamente. O abrir e fechar de gavetas e portinholas também é sonoro.
Houve uma época em que morria de raiva quando as crianças batiam à porta do banheiro e perguntavam:
_ Manhê! O que você está fazendo aí?
Como eu não respondesse, eles insistiam, falando mais alto:
_ Por que não responde?
Eu tinha que abrir a porta fazendo caretas e sinais para que se calassem, embora minha vontade fosse declarar com aquela voz espremida:
_ Tó penteando o cabelo!
E imaginava que nessas horas ouviria a gargalhada do Marco Aurélio.
E ouviria mesmo, porque Marco Aurélio sempre está por ali, já tomei inúmeros banhos com ele, já escovamos os dentes juntos e até assoamos o nariz em uníssono. Quando isto acontece, não posso deixar de rir, mas com riso sempre abafado.
José Aníbal gosta de ouvir as notícias de manhã, porém não leva mais o radinho ao banheiro. Nem precisa. Ouve tudo do mesmo jeito, porque Marquinho se encarrega de ligar o seu na mesma estação, o que acaba sendo prático.
Com a chegada dos telefones sem fio, participo das negociações do meu vizinho. Para sorte dele sou discreta e não vou contar aqui o que ele vende ou deixa de vender, nem qual é seu saldo bancário.
Na vida imaginária, meu marido fica pensando que um dia acontecerá o seguinte: uma bela manhã, ao abrir o armarinho do banheiro, vai dar de cara com Marco Aurélio. E os dois, então, se cumprimentarão solenemente antes de começarem as respectivas toaletes.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui