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Contos-->Vida nova -- 21/05/2001 - 23:09 (Paulo K) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Vida Nova

A tarde escoava lentamente. As flores das paineiras soltavam-se de seus pedúnculos caindo feito pára-quedas e forrando o solo com cores mistas de branco e lilás. Como aquela tarde de início de outono o velho também sentia esvairem-se seus sonhos, a vida fugir-lhe sem que nada pudesse deter o rumo inexorável.
Há quanto tempo estaria ali sentado? Não saberia dizer, talvez horas, ou minutos apenas. O certo é que isto já fazia parte de sua rotina diária. De algum tempo para cá flagrava-se com maior frequência naquela mesma posição, como se algo muito forte o impelisse àquilo. Pensamentos de uma tristeza infinita invadiam-lhe a mente, em vão tentava dissuadir-se de que seu fim era aquele mesmo, nada mais restava a fazer senão esperar. Esperar o que? Não sabia.
– Preciso falar com vocês, dirigiu-se o filho mais velho ao irmão do meio e à irmã caçula – Como vocês sabem, ele mora comigo, quero dizer, em minha casa, ou melhor ainda, em meu terreno. Não que me cause incômodo, mas como vocês sabem, não posso me dedicar a cuidar dele em tempo integral, e assim estive pensando se não seria melhor mandá-lo para a clínica de repouso, parece que este é o nome do lugar... Sei também que vocês fazem o melhor que podem, mas convenhamos, a carga sobrou mais forte para mim, não que esteja me queixando, queria que vocês me entendessem bem.
Chamavam-no para o banho. Por que perturbavam sua paz, tão difícil de conseguir naquele lugar horroroso? Por que tinham que interromper sua tranquilidade, a custo conseguida? Está surdo, velho? Arrancavam-no à força, bem o sabia caso não obedecesse. Não entendia o por que do banho coletivo, detestava o barulho daquele banheiro repleto de doentes, alienados, a algazarra daí advinda, tudo aquilo o exasperava. Lá vinham os homens de branco com a mangueira de água fria com seu jato forte a ferir-lhe as carnes. Mais tarde a sopa. Novamente o vozerio, as disputas por lugares às mesas, o bater dos talheres nos pratos, as discussões de sempre, todo dia a mesma coisa.
– Você acha que assim ele estará melhor? – pergunta a filha, a mais nova.
– É o que penso – retoma o filho mais velho – lá ele será mais bem cuidado, visitei o lugar sábado passado e me causou boa impressão.
– Mas, e o que dizem do lugar? – observou o irmão do meio – falam tanta coisa ruim de lá...
Menos convicto, questão da natureza que lhe era própria, sua voz não fazia eco. Com este era assim o tempo todo. Na firma quem mandava era o irmão mais velho, em casa a esposa. Acostumara-se a não ser ouvido, achava que no fundo estava bem assim, não precisava se preocupar em demasia com as coisas, concordava sempre com as resoluções tomadas pelos demais.
– Exagero – interrompeu o irmão mais velho – falam sem conhecimento de causa. Eu estive lá, conversei longamente com o diretor, ele mesmo me mostrou as dependências da clínica, está certo que tem uma ala mais cara, porém a outra também é boa, e, dividindo os custos entre nós três não ficará pesado para ninguém.
Na primeira semana não conseguira pregar os olhos. Deitado em seu colchonete fino, numa das dezenas de camas dispostas em duas alas ao longo do dormitório comprido e abafado, as rezas em voz alta, os gemidos de dor, as discussões intermináveis que avançavam noite a dentro, tudo isso o impedia de dormir, embora se esforçasse em fazê-lo.
– Hora de levantar, pessoal, já passa das sete, quem se atrasar já sabe, fica sem café.
Por que isso? Por que tinha que se levantar à hora determinada? Queria tanto ficar mais um pouco na cama, demorara a pegar no sono. Também, com aquela confusão reinante, quem, desacostumado àquela nova vida dormiria logo? No seu quartinho nos fundos do quintal da casa do seu filho mais velho dormia bem, era só, nada o incomodava, Como estariam suas flores? Será que alguém se encarregara delas? Ou arrancaram tudo e cimentaram o quintal, como ouvira certa vez a nora dizer que faria?
Aos poucos seus pensamentos deixavam de lado a vida “lá de fora” e tomavam corpo os acontecimentos de sua nova vida. De início sentira-se muito incomodado na sua nova morada. Estranhara sobremaneira as atitudes dos moradores do lugar, principalmente do velho que ficava horas de frente pra parede, boca aberta e olhar longe. Que será que ele tem?, pensara na ocasião.
Com o transcorrer dos meses fora se acostumando lentamente ao ambiente e às manias que tanto lhe despertaram a curiosidade no início já faziam parte do seu dia a dia.
– Vocês não têm coração! – dizia Cláudia na presença de todos por ocasião das comemorações do Natal – não aceito presentes de vocês... se querem me presentear busquem meu avô, que vocês encerraram no asilo.
– Filha! – reaje prontamente a mãe, aliás a irmã caçula – não é assim que se fala com os mais velhos!
– É claro que não é assim – rebate a menina de quinze anos – isso incomoda vocês, a verdade muitas vezes incomoda realmente.
Ele não conseguia entender o porquê do castigo imposto. Apenas quisera ajudar na explicação do desentendimento entre os outros dois pacientes, nada fizera a não ser tentar apaziguar os ânimos e o que ganhou com isso? Sem jantar por três dias, fora seu ganho e também redução nas horas de tomar sol.
Debalde procurou se explicar, colocaram-no como participante da confusão daquela noite no dormitório, justo ele, que pedira calma aos dois que discutiam.
Na solidão do quarto de castigo ele refletia sobre sua vida e cada vez mais mostrava-se inconformado com a situação a que chegara. Resolveu não mais falar, a fim de não se meter mais em encrencas, talvez assim pudesse suportar melhor a vida infernal a que fora levado.
– Entrem – disse solícito o atendente à mãe e à menina que finalmente tivera seu apelo atendido quando quis visitar o avô – ele não está bem, fica horas de boca aberta sentado de frente pra parede.
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