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Artigos-->Midiocracia e Videolatria (ou A cultura Sitiada) -- 22/03/2000 - 15:20 (Ronaldo Cagiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Midiocracia e videolatria

(ou A cultura sitiada)



Ronaldo Cagiano



Vivemos em nosso País um agudo processo de pulverização cultural, um dos tentáculos da globalização, perverso fenômeno que travestiu a economia, as comunicações e o relacionamento internacional com toda sua carga hegemônica e fetichista. Com isso, vem produzindo uma criminosa cauterização das consciências. Forma uma geração atípica, quase amorfa intelectualmente, que não pensa, não age, não vê, não questiona: assimila o processo, como alguém que empurra goela abaixo uma prescrição medicamentosa, convalidado pela necessidade compulsória do alívio. Só que aqui, é a destruição de características intrínsecas à pessoa humana, cuja cultura, costumes e valores estão sendo sumariamente sitiados pela nova ordem mundial.

Tudo isso vem a reboque do império da mídia, ao mesmo tempo tão sedutor e danoso. Sedutor, pelas facilidades da comunicação e rapidez com que nos traz os fatos. Danoso, porque acaba por disseminar valores alienígenas, além de facilitar a vulgarização da vida e da morte através de uma programação desarticulada, sem mínimos princípios éticos, estéticos e morais. Não vale a pena dissentir sobre Ratinho, Xuxa, Leão, Gugu, Rodlfo e ET e outras excentricidades do gênero, que é cair no chove-não-molha das dicotomias, das ponderações maniqueístas, da dialética das considerações. Estão aí, a olhos vistos, e a sociedade, com seu livre arbítrio, sabe como se defender deles. Bons tempos aqueles em que, em nossa não tão remota infância, ainda podíamos ver no velho Telefunken preto e branco as sutilezas criativas de Shazan, Sherife e Cia., do Sítio do Picapau Amarelo, de Vila Sésamo, dos filmes educativos, do Capitão Asa na extinta Tupi, com seriados que nos atraíam pela sobriedade, sem apelações.

Hoje, a televisão tem sido elemento de desequilíbrio na formação e educação, salvo honrosas e raríssimas exceções. Princípios elementares insculpidos no art. 221 da Constituição vêm sendo desrespeitados, sem o menor constrangimento. Diz aquele dispositivo: "a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família".

Sobre o assunto, diversas autoridades e estudiosos do fenômeno social e humano vêm se manifestando, preocupados as deturpações que a televisão vêm provocando. O jurista Ives Gandra da Silva Martins, em artigo publicado na imprensa paulista, a respeito da questão, manifestou, com sua habitual acuidade jurídica e intelectual: "Houve sensível deterioração dos programas veiculados pelos canais de televisão nos últimos dez anos. Pornografia barata, violência sem precedentes, programas humorísticos de qualidade bordelesca, novelas deletérias em seus ernedos e em suas cenas, incentivando maus costumes, destruindo o conceito de família, privilegiando a malandragem, o adultério, a libertinagem, as drogas, as rupturas institucionais, com leque de alternativas, para que a sociedade perca sua dignidade e aprenda a se transformar numa comunidade salafrária"

Ainda sobre a televisão, vale destacar recente pesquisa levantada mundialmente pela ONU/Unesco sobre a presença maciça da televisão na vida das pessoas, através da qual o professor alemão Jo Groebel, chegou à terrível conclusão de que a televisão também tem grande parcela de contribuição no crescimento dos índices de violência no mundo, o que, segundo ele, hoje é um produto comercial, barato e lucrativo. Eis uma verdade irretorquível, que essa enquete veio confirmar: a televisão vem influenciando cada vez mais e nocivamente a sociedade contemporânea, sobretudo no Brasil, promovendo uma alteração de valores, comportamentos, costumes, os quais não mais são apre(e)ndidos em casa, na escola ou nas igrejas. Perversamente são assimilados, de forma sub-reptícia e danosa, nos aparelhos de tevê, num processo capcioso, osmótico e avassalador, tornando-nos vítimas inocentes e bestializadas do fenômeno dominador da mídia, com seus instintos tentaculares.

Sobre essa pesquisa alarmante, abordou o jornal Hoje em Dia, edição 25.06.99, com a matéria "TV: se espremer sai sangue", divulgando dados estarrecedores, com o cotejo dos números da manipulação televisiva, o que nos impõe uma sério questionamento sobre a programação das tevês convencionais e dos canais abertos (tv por assinatura e a cabo) e sua repercussão negativa na educação dos nossos filhos. Eis os números:

"A TV brasileira exibe 20 crimes por hora em desenhos animados. Mapeamento estatístico da ONU em seis emissoras abertas detecta 1432 crimes em uma semana de desenhos animados. Um total de 93% das crianças no mundo tem acesso a um aparelho de televisão. Essas crianças passam pelo menos 50% mais tempo ligadas a esse meio de comunicação do que em qualquer uma atividade não escolar. As crianças passam em média três horas assistindo à televisão. Os meninos são, em particular, fascinados pelos heróis agressivos disseminados pela mídia. Alguns deles, como O Exterminador, de Arnold Schwarzenegger. Quase 1/3 das crianças que vivem em ambientes agressivos acredita que a maioria das pessoas no mundo são más e 44% das crianças não conseguem diferenciar a realidade do que vêem na telinha."



Sobre cultura e seus condicionamentos, relembro que, antes de morrer, José Paulo Paes, ensaísta, escritor, ensaísta e crítico literário, alertava para esse estágio avassalador , em que a mídia estava a ditar as regras. Chegou a dizer, dentro de sua peculiar lucidez e sem nenhum tom de sofisma, que estaríamos caminhando para uma sociedade de "vidiotas" e "internéscios" É uma constatação inequívoca, tanto mais porque a tevê está aí como uma baby siter moderna, a nossa babá eletrônica, a conduzir nossas crianças por uma pedagogia extremamente prejudicial, num tempo em que pais trabalham fora e só encontram a família antes de dormir (e na maioria das vezes já encontra a família na cama). A tevê, portanto, exerce, enviesadamente, um papel "educativo", em detrimento de todas as instituições preparadas naturalmente para isso.

Além do mais, crianças vêm sendo expostas à execração em diversos programas, de modo que, há pouco tempo, na Vara da Infância e Juventude, no Fórum de Pinheiros, em S. Paulo, o promotor Maurício Ribeiro Lopes insurgiu-se contra uma determinada rede de tevê, contra as cenas de exposição de menores a situações vexatórias e degradantes e o juiz daquela Vara, Dr. Rodrigo Lobato Junqueira Enout, ressaltou, no caso, que "sem fazer nenhum juízo de valor a respeito da exibição, pelos meios de comunicação, de cenas constrangedoras a respeito de fatos que se passam no seio da sociedade, com exposição consentida de adultos que se prestam a depor em público, nem acerca do alcance social do programa mencionado nos autos, a legislação não autoriza, em nenhuma hipótese, a violação da intimidade d emenores".

Nessa linha de desmantelamento de valores, podemos situar, também, a questão do livro. Há toda uma geração pervertida, de leitores de inutilidades e sensaborias. Bons tempos aqueles em que nossa formação intelectual tinha início em Monteiro Lobato, em Rubem Braga, em Condessa de Sègur, em Graciliano Ramos, em Cecília Meireles, no velho livro do Programa de Admissão. Hoje a literatura está adstrita a um amontoado de publicações de auto-ajuda, de esoterismo de butique, de condicionamentos ao lixo literário estrangeiro, de "best sellers" de duvidoso mérito . Situação que vem impondo aos leitores uma distância de nossa realidade, já tão fragmentada em outros setores pelo fenômeno acachapante da globalização.

Não se pode esperar muito de uma geração sem massa crítica como a nossa, que prefere as distorções musicais modernosa,s que pululam por aí, e relega a um plano de somenos a arte de Pixinguinha, de Cartola, de Noel, de Adoniram, de Villa Lobos, de João Gilberto, de Chiquinha Gonzaga, de tantos que fizeram música com responsabiliadde estética. Não se pode vislumbrar nada além disso que a mídia tem feito: embotamento e degeneração. Um país que lê alquimistas e valquírias suicidas - literatura de encomenda e aluguel, portanto descartáveis e desniveladoras da inteligência - ; que se contorce em espasmos orgiásticos diante de Carla Peres, de Tiazinha , essas madonnas pasteurizadas da arte sem escrúpulos; que considera música a pobreza dos atuais pastiches musicais, não pode amadurecer como nação.

Tudo parece caminhar para o nível da baixaria e do servilismo às tentações consumistas, conduzindo a uma generalizada mediocrização. O debate produz uma constatação alarmante: querem dar cultura ao povo, mas popularizando por baixo, quando o povo merece o melhor. Essa negligência quanto à melhoria do padrão da informação e da educação deve ser entendida como uma prevaricação cultural, porque tendo condições de fazer o melhor, dá-se o pior. Estamos perdendo o referencial autêntico da nacionalidade: a memória. E como diz o saudoso Octávio Paz, "se a memória se dissolve, o homem se dissolve".

Vale lembrar a recente passagem pelo Brasil do escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura, que, em instigante palestra em S. Paulo, abordou tema tão momentoso. Tido como ateu convicto, no entanto nunca esteve alheio às emulações do espírito, sempre com uma preocupação em relação ao futuro da humanidade, com o destino dos povos ditos civilizados, mas inexoravelmente colonizados pela modernidade. Ele nos alerta para o perigo do alheamento de que estamos sendo vítimas: "estamos esquecendo que a nossa preocupação com o outro é fundamental, pois hoje o mundo está repleto de pessoas amputadas não fisicamente, mas amputadas de alma". Nesse sentido arrastam a cultura, a identidade, o caráter nacional, que, de roldão, misturam-se aos oba-obas da mídia e seu condicionamento operante.

Com toda razão Cassiano Nunes, Professor da Universidade de Brasília e conferencista agudíssimo, que vem se opondo a essa onda de inversão (e criminosa invasão) cultural que grassa por aí. E parafraseando esse lúcido mestre, "se Paris está lendo Paulo Coelho, eis minha vingança: vou ler Proust em Cataguases!"



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