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Contos-->Aparência e Essência -- 22/05/2001 - 16:09 (Pablo Rodrigues) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eram exatamente seis da tarde e o sino da Catedral estava sendo badalado pelo sacristão, chamando os fiéis para a missa. Sino esse que para todo o bom devoto significa a voz de Deus a chamar, desconhecendo os limites da razão. Fé e razão, eis um tema interessante.
Os mais fervorosos se aproximavam da igreja já aberta para o terço rezado diariamente às seis e dez da tarde. Lá, nesse mesmo horário sempre se encontravam aos olhos dos homens três distintas e honradas senhoras, todas com muito mais em comum do que agora podemos imaginar. Além de viúvas, nutriam elas um desejo imenso pelo Padre Mário Buonnviso, sacerdote vindo há anos de Florença, região da Toscana na Itália.
Ecco i suoi nomi: Alda, Alberta e Severina.
Alda era a mais irrequieta de todas e não poupava esforços para impressionar Pe. Mário. Também era ela a que mais tinha conhecimentos sobre doutrina e fé cristã, o que verdadeiramente impressionava o santo pároco.
Alberta, invece, era calma e serena como as águas de um profundo lago no interior de uma densa floresta. Suas investidas contra nosso santo eram mais comedidas. Limitava-se ela a fazer-lhe simples elogios sobre os sermões que lá no fundo de sua anima só a tornavam mais consciente do tamanho de sua culpa e da falta de candura em seus pensamentos.
Severina. Ah! Severina odiava a frustração, pois era obcecada pela vitória. Era a mais patusca de todas as mulheres, também a mais bela e elegante. Severina não se importava com o que os outros pensavam a seu respeito, achava que só devia explicações a Deus, embora também Dele tentasse fugir certas horas. Falando em horas são seis e trinta. A missa já vai começar. Então, vamos a ela.
Levantaram-se todos os presentes na Igreja. Não havia mais do que cem. Falo não mais do que cem, devido à capacidade de nossa Catedral que poderia calmamente suportar mil pessoas. O Pároco estava executando os ritos iniciais, proclamava:

- Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

O Padre continuava a falar, enquanto as três senhoras que sempre sentavam no primeiro banco à direita do altar, olhavam-no com prudência, admiração e desejo. Naturalmente que nenhuma delas sabia do desejo em comum que nutriam. Simplesmente cada uma sabia de si. Certas horas algo transparecia de uma para outra e rapidamente era sufocado pela consciência. Freud se as tivesse conhecido, certamente as teria adorado. Minto! Tê-las-ia analisado.
Certa vez Alda foi ter na sacristia com Pe. Mário.

- Pe. Eu gostaria de lhe fazer algumas perguntas, posso?
- Prego Alda.
- Pe. Pode realmente o homem perdoar o seu irmão setenta vezes sete como está escrito em Mt. 18, 21?

Aquela pergunta intrigara nosso santo por alguns instantes até que...

- Sim, obviamente que sim. Pois também está escrito em Mt. 6, 12 : “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam”. Essa é parte de nossa principal oração, não crer então que podemos perdoar setenta vezes sete é não poder rezá-la. Quem não perdoa não é digno de receber o perdão. Não obter per...

Enquanto Pe. Mário falava de costas para Alda e folheando o missal, ela imaginava-se acariciando a face dele, beijando-lhe a boca eternamente com tanta maciez e paixão como se fosse o primeiro amor de uma adolescente. Alda, sem perceber se pôs a caminhar em direção a Mario. Sim, Mário, pois nesse instante ela não o via mais como um sacerdote, mas sim como um homem. E o que é pior de tudo: morria de desejos por esse homem.
Ele falava. Ela surdamente caminhava. Chegando até ele, deu-lhe um forte abraço e no mesmo instante um beijo na nuca. O Pe. percebendo a malícia dos gestos de Alda, afastou-se e para ela virou-se com o rosto cheio de assombro, dizendo:

- Por que fizestes isso? Sabes muito bem dos votos que fiz e do quanto me é necessário honrá-los.
- Vou embora!

E sem dizer mais nenhuma palavra, colocou-se Alda porta afora, assustada com o que tinha feito, mas também com um certo orgulho pela coragem que tivera. Deixou lá nosso santo consternado com o ocorrido e pensando consigo:

- Que loucura! Nunca dei sequer uma gota de liberdade a ela para que isso fizesse. Deus meu me socorra e não me deixa cair em tentação.

Tenho um compromisso com a verdade nestas linhas que escrevo. Então, cabe a eu dizer que mesmo chocado com tudo aquilo, nosso santo por alguns instantes sentiu um pouco de prazer carnal. Instantes esses que quase o fizeram ceder aos impulsos de Alda.
Durante muitas noites o santo pároco sonhou com o que teria acontecido se tivesse ele cedido aos apelos sexuais de Alda. Sonhava com os dois se beijando e se acariciando, sonhava com a nudez dos dois rolando pelo chão da sacristia e sempre acordava no mesmo ponto do sonho quando ainda no chão e abraçado a Alda, olhava para a parede e via um crucifixo de prata refletindo a luz do sol.
Aquilo para Pe. Mário era uma tortura psicológica. Sua cabeça estava confusa, sua fé estava sendo abalada. Freqüentemente, via-se perdido no meio da missa. Seus sermões, outrora tão vivos e tocantes, tinham-se transformado para ele em meras palavras entornadas ao vento, porque já não conseguia mis vivê-las.

...guardar os mandamentos não é simplesmente ouvi-los, mas sim vivenciá-los. É procurar viver cada vez mais santamente os nossos dias. Todo cristão pode errar, porém não pode é acostumar-se com os seus erros. Arrepender-se sinceramente diante de Deus á assumir o firme propósito de lutar contra o pecado. Professemos nossa fé:
Creio em Deus Pai, Todo Poderoso, criador do céu e da terra e em Jesus Cristo Seu único Filho...

Essas palavras nos ouvidos de Severina entravam sem o menor significado, porque estava ela com o pensamento muito longe dali. Severina lembrava-se do dia em que oferecera uma festa em sua casa para seus irmãos de caminhada.
A casa de Severina era bastante grande – e diga-se de passagem que muito bem decorada em um estilo colonial inconfundível. E como não podia deixar de ser, havia na casa muitas imagens sacras. Dentre elas a que mais chamava atenção era a de são Francisco de Paula, não só por seu tamanho e beleza, mas também pelo aspecto emocional comum a todos os presentes. Isso porque são Francisco é o santo padroeiro da suntuosa Igreja Matriz.
Estavam lá todos os fiéis assíduos à Igreja, o que automaticamente inclui Alberta e Alda, que conversavam despreocupadamente sobre as condições do tempo – aliás, se não houvesse variações de temperatura, as pessoas seriam muito mais antipáticas do que geralmente são.
Da janela da sala, Severina observa que alguém anda pelo seu jardim em direção à porta principal de sua casa. A dúvida sobre quem seria esse alguém durou pouco segundos, pois logo ela percebeu que se tratava do Padre Mário Buonnviso. E, em um gesto de muita sensibilidade, antes mesmo que ele batesse à porta, Severina abriu-a. Padre Mário respondeu prontamente a gentileza com um sorriso incomum.
Nem bem o pároco havia entrado e Severina já estava pedindo a atenção de todos, para que saudassem o santo homem que como ela mesma disse: “humildemente se faz presente nesta humilde casa”.
Todos os convivas o receberam muito bem, acolhendo-o prontamente e sinceramente, fato esse percebido sem o menor esforço, pois se via em seus rostos estampada a expressão de regozijo pela presença do Pároco.
Contudo, além da anfitriã outras duas pessoas estavam mais alegres e felizes do que as outras com a presença de Padre Mário. Alda e Alberta, que logo foram ao encontro dele para saudar-lhe:

- Padre, é tão bom vê-lo aqui! – Disse-lhe Alda, enquanto Alberta se limitava apenas a concordar sorrindo. Severina, ao lado de nosso santo, observava a tudo atentamente.
- Grazie! Fico surpreso com tanta gente aqui. – Respondeu Padre Mário.

Mal haviam terminado de se cumprimentar e Severina, sutilmente, como só uma mulher mal-intencionada sabe fazer, leva o pároco para longe das outras distintas e honradas senhoras de nossa sociedade, alegando que gostaria de se confessar.
Já afastados do murmúrio de vozes e dos olhos dos convidados, no interior de uma sala com um belíssimo altar, Severina viu Padre Mário sentar-se e logo se ajoelhou diante dele.
Realmente ela testemunhou vários de seus pecados ao santo homem, que os ouvia com um olhar terno e carinhoso. Digo vários de seus pecados, pois sabia ela que sua paixão por ele não poderia ser revelada através de uma confissão. Além de quê, ela não estava nem um pouco arrependida de seus pensamentos pecaminosos e pretendia tirá-los do Mundo das Idéias e transportá-los para a Vida Real.
Terminado o “milagre da multiplicação de palavras vazias” proferidas por Severina e Padre Mário começa seu tradicional aconselhamento ao confessado.

- Severina, a caridade é fundamental em nossas vidas. Sem ela, é-nos impossível vivenciar e por conseguinte testemunhar dignamente nossa fé. Vãs serão todas as palavras que saírem de nossa boca se simplesmente as dissermos. Vivenciar tais palavras é...

Oh! Cérebro maravilhoso. Capaz de efeitos tais que por vários instantes deixaram nossa parola senhora muda e surda. Cega? Cega não, jamais se privaria ela de vê-lo. Quanto mais ela o via falar, mais fixava o olhar em seus lábios. As palavras que ele dizia não significavam aos ouvidos dela, porém aqueles lábios... Aqueles lábios faziam-na sentir calafrios pelo corpo inteiro, chegando a tal ponto que Severina não teve mais como se conter. Subitamente ela levantou-se, para o assombro de nosso santo que pasmo parou de falar sendo beijado na boca fortemente. Severina realizara enfim seu desejo de tocar aqueles lábios! Porém, ela queria mais.
Padre Mário estava transtornado, fora de si. Empurrou-a energicamente, dirigiu a ela vários impropérios até que a despudorada fosse embora. E ela partiu mansamente, com uma paz tão grande que se alguém a visse acharia que a confissão tinha sido maravilhosa e que o perdão nela transbordava. Porém, no fundo de sua alma ela estava extremamente frustrada, por não ter chegado exatamente aonde queria.
Enquanto a festa transcorria normalmente, de novo com a presença da anfitriã, nosso santo chorava, flagelava sua boca, mordia-a até sangrar. Era novamente a luta da carne contra o espírito. Seu espírito clamava por Deus, mas sua carne era para ele o próprio Satanás. Via-se em seu ser a luta entre o Bem e o Mal, entre a Santidade e o Pecado.
Padre Mário perguntava-se por quê? Por que justamente ele que tão dignamente vivia o Evangelho era tentado ferozmente? Lembrou-se de Jó e sua paciência nas provações. Recitou o livro do Eclesiástico, capítulo dois, versículos de um a seis. Recordou-se do próprio Cristo sendo tentado pelo Demônio no deserto e resistindo sabiamente a este eterno perdedor. Finalmente, acalmou-se. Decidiu que iria embora da festa que na verdade para ele mais parecia um abismo rumo ao Inferno.

...Estando para ser entregue e abraçando livremente a paixão, ele tomou o pão, deu graças, e o partiu, e deu a seus discípulos dizendo: “Tomai, todos, e comei: isto é o meu corpo, que será entregue por vós”. Do mesmo modo, ao fim da ceia, ele tomou o cálice em suas mãos, deu graças novamente e o deu a seus discípulos, dizendo...

Alberta estava prestando atenção em cada detalhe da missa, tentando não deixar um sequer passar despercebido. Porém, não estava conseguindo, pois Severina estava irrequieta e freqüentemente se mexia ao seu lado, colocando a mão na parte interior do sobretudo que usava, parecia querer confirmar que não havia perdido nada do que ali havia.
Alberta, há dias vinha percebendo que Severina andava muito diferente do seu normal. Aquela chegou a perguntar para esta se algo lhe havia acontecido. Severina enigmática respondeu que a frustração a ajudara decidir. Decidir o quê? Frustrada com o quê? Alberta questionou-se, mas nenhuma resposta obteve.
Durante a missa Alberta não fazia um comentário sequer. Era verdadeiramente louca pelo Pároco. A louca mais normal do mundo. Pensava loucuras, insanidades, demências, mas seu comportamento era o mais reto possível.
Alberta buscava o Céu em cada ato, contudo o Inferno ardia em seus pensamentos. Porventura, não lhe parece loucura essa incoerência entre pensamentos e atos, nobre leitor? Deixemos de lado a filosofia de botequim e voltemos à missa.

... Eis o mistério da fé!
Anunciamos, Senhor, a vossa morte, e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde Senhor Jesus!

Começavam os presentes a pensar em se levantar da genuflexão quando Severina, em um gesto lépido, tira de seu sobretudo um pequeno revólver com o qual sem remorso nem escrúpulo algum, dispara dois tiros contra o nosso santo Pároco, que cai atrás do altar.
A confusão estava instalada na Igreja. Os gritos poderiam ser ouvidos a quilômetros de distância dali. O nosso santo havia sido atingido, seu ombro estava ensangüentado. Sua batina, antes branca, parecia naquele momento com o próprio Nilo atingido pela praga de Moisés. Arrastava-se o pobre homem em direção à sacristia, enquanto Alda e Alberta tentavam impedir Severina de consumar o que havia iniciado. Ouve-se mais um disparo. Alda cai e o sangue escorre por sua boca. Ela agoniza. Geme. Treme. Cospe e morre sem extrema unção, ou seja, na plena floração de seus pecados, portanto, com destino certo. Alberta ficara imóvel.
Severina, depois de haver matado Alda, corre ao encontro do Padre. A essa altura, a Igreja já se havia esvaziado. Ali só estavam: Alda, morta e incapaz; Severina frustrada e sanguinária; Padre Mário agonizando quase inconsciente e Alberta, única capaz de deter a obstinada Severina.
Os raros e dolorosos momentos de lucidez do santo Pároco, faziam-no arrastar-se à sacristia. Não me quero ater a pormenores, poupo-me a dor de relatar o sofrimento desse pobre homem. Sentia-se ele traído, abandonado por sua fé. Porém, algo fazia com que continuasse a se arrastar em direção à sacristia. Tão grande foi a insistência desse homem que mesmo exausto, chega a seu objetivo. Atrás de si um rastro de sangue e uma vida de dedicação.
Já na sacristia, caído no chão, o santo Pároco olha para a parede e lembra-se do sonho que o perseguira por muito tempo, pois vê nela um crucifixo de prata refletindo a luz do sol. A cabeça dele se torna um caldeirão preste a explodir. Em um gesto de amor ao sacerdócio e de amor a Deus, nosso santo, sentindo o abraço da Morte, reúne forças para ajoelhar-se e pedir perdão por todas as suas faltas. Digo reúne forças, porque o segundo tiro disparado por Severina contra ele, havia acertado o seu pulmão esquerdo, dificultando demais todo o seu metabolismo.
Enquanto nosso Pároco se humilhava diante de Deus, Alberta enfim tomava alguma atitude. Confesso eu que muito mais por amor ao homem Mário, do que por amor a Deus. Alberta corre atrás de Severina como nunca correra antes na vida e milagrosamente consegue alcançá-la. Puxando-a por seu sobretudo, Alberta derruba Severina. A pequena arma, com a queda, escapa das mãos da assassina. As duas senhoras iniciam uma verdadeira batalha ali mesmo em frente ao altar. Mordidas, unhadas, puxões de cabelo e tapas. Tudo era perfeitamente natural e insano.
Alberta consegue se desvencilhar de Severina e ir ao encontro do pequeno revólver. Tomando-o em suas mãos, vira-se para Severina e sem piedade alguma, mata-a, com um único tiro certeiro na cabeça. Sangue e pedaços do cérebro de Severina agora serviam de adorno para o altar.
Rapidamente Alberta vai para a sacristia encontrar o homem que ama. Morto, gelado e com o terço entre as mãos estava lá nosso santo. Alberta, vendo-o caído no chão, toca-o, beija-o e não obtém resposta. Recusa-se ela a acreditar, porém a frustração em segundos desfez o sonho. A frustração tornou-se a realidade e contra ela não houve como lutar. Alberta toma novamente o revólver em suas mãos, aponta-o para o seu peito e dispara. Cai, como todos caem.



Pablo Rodrigues






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