Interrompi a saudação
que fazia pro Zé Limeira
porque veio uma enfermeira
pra me dar uma injeção.
Disse: "a ver esse bundão",
e eu, que sou velho e arisco
respondi com um belisco
na parte que mais gostava,
que era ali, onde terminava
as costas com fundo risco.
"Vocè é um velho safado",
"Sou um velho moribundo,
e me despeço do mundo
assumindo ser tarado".
"Na vida foi arrojado?"
"Oh, não, fui tímido e fiel,
jamais ocultei o anel
que selou meu compromisso;
vivi a vida num cortiço,
jamais frequentei bordel".
"E esse tal de Zé Limeira,
do qual fala com seu neto?"
"Me desculpe, isso é secreto,
falar seria sujeira".
"O conheceu, ou é besteira
o que se diz por aí?"
"O conheci? Conheci
mas não vou falar mais nada,
o conheci numa estrada,
nunca voltei por ali".
"Fale velho, por favor"
"Só falo se tu...", "Aceito"
disse a moça e eu, com jeito,
lhe disse "Vem, minha flor"
"Com cuidado, meu senhor"
"Não se preocupe, querida,
que neste final de vida
virei doce e delicado,
do jeito que tou quebrado
não tenho outra saída".
Aquela linda enfermeira
que estou lhes apresentando
logo mais foi confessando
ser neta do Zé Limeira.
"Tu neta dele? Besteira!
tão lorinha e delicada!"
Que delicada nem nada!
O que essa moça me fez
não o faziam nem dez,
prostitutas nem drogadas.
Zé Limeira, Zé Limeira,
agora peço tua ajuda!
Que a minha memória acuda
lembrança da tua zoeira.
Essa menina faceira
só voltará a ser amada
se me ouvir, apaixonada,
as estórias do seu vô,
mas eu, velho gigolô,
ai! não me lembro de nada!
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