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Artigos-->Folha por Folha e Dente por Dente de Gabriel García Márquez -- 14/05/2001 - 10:16 (Bruno Freitas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tradução do artigo de Gabriel García Márquez, em resposta ao questionamento de vários leitores sobre a dificuldade encontrada na leitura de "O outono do patriarca", dada a extensão das frases. Alguém chegou a chamá-lo de uma novela escrita numa frase só. Inquiriam se não teria sido não apenas mais fácil para o leitor, como igualmente mais cômodo para o escritor, ter feito também uso de pontos finais, ao invés de vírgulas apenas?

__________________



A primeira versão do "O outono do patriarca" foi iniciada em Caracas em 1958. Era uma narração conformista e linear, em terceira pessoa, sobre um ditador imaginário do Caribe, construído a partir dos pedaços de muitos outros, mas tendo como modelo central o venezuelano Juan Vicente Gómez. Não tinha avançado muito ainda com a escrita, quando, como correspondente jornalístico, fui de viagem a Havana, para assistir ao julgamento público de um dos generais de Fulgêncio Batista, acusado, pela justiça revolucionária, de ter cometido toda sorte de crimes de guerra. Durou uma noite inteiro o julgamento, num estádio abarrotado, e com a presença de jornalistas de todo o mundo. Ao amanhecer, foi condenado à morte o general, fuzilado alguns dias depois.



Terrível lição de realidade, contra as vaidades fictícias, que me obrigou a trocar a forma convencional da novela por uma outra, tão destruidora e completa como a que vivemos naquela noite. Por exemplo: que o próprio ditador, decrépito, relatasse a sua vida inteira ao longo das dez horas que durou o julgamento. Foi o próprio réu quem me forneceu as primeiras linhas do livro, no momento em que ocupou o banco no alto e, cego pelos flashes brutais do fotógrafos, e com sua autoridade intacta, ordenou: “Coño, quítenme esas luces de la cara!” [entre colchetes, eu colocaria a tradução já existente para o português]. Logo me dei conta do erro que eu havia cometido. Pois um monólogo interior da personagem condenaria a novela, privando-a de autoridade, e deixando-a sem voz, tal como aconteceria com o ditador. O que fazer? Eram essas as dúvidas, quando fui tomado de assalto pelo cataclisma "Cem anos de solidão", e não me sobrou vida para nada mais.



Nessa mesma época, Carlos Fuentes tornara pública a sua idéia de cada escritor latino-americano escrevesse uma novela sobre um ditador de seu respectivo país, para uma série editorial cujo conteúdo comum seriam os "Pais das Pátrias". Alejo Carpentier publicou "O recurso do método" e Augusto Roa Bastos, "Eu, o supremo". Miguel Otero Silva anunciou uma biografia de seu compatriota Juan Vicente Gómez, que nunca chegou a terminar, enquanto Julio Cortazar preparava documento sobre o cadáver secreto de Eva Perón. Quanto a mim, eu mesmo havia dito a Carlos Fuentes estar preparando uma novela sobre Antonio López de Santana, o general que perdeu mais da metade do México e todo o ouro da Califórnia em suas guerras contra os Estados Unidos, ele que, com honras imperiais, acabou enterrando a própria perna, amputada por causa de uma ferida.



Meu único problema era retomar o fio de minha existência, porque o mais difícil em "Cem anos de solidão" não foi escrever a novela, mas tê-la deixado, pronta, nas mãos dos editores. E o problema não era meu, mas dos novos leitores, que de mim esperavam mais do que eu próprio esperava, eu que não pretendia senão o exatamente oposto, ou seja, não me repetir.



Buscando uma escapatória, escrevi, estando em Barcelona, uma série de contos que, na verdade, não passavam de experimentos técnicos, de estrutura e de estilo, em busca de uma fórmula própria para a novela do ditador. Dois destes contos – "Blacaman, o bom vendedor de milagres" e "A última viagem do navio fantasma"&
61482; - eram modelos já bastante elaborados, com a retórica que me faltava.



Reconheço que eram imitações descaradas do monólogo de Marion Bloom, em "Ulysses" de James Joyce. Mas o que eu pretendia não eram monólogos de uma só pessoa, e sim monólogos coletivos, das multidões, confrontados com o monólogo do ditador. Eis a resposta dos leitores: a pontuação abusiva usada no livro, "O outono do patriarca", era mínima, em meio à total transgressão da gramática. O melhor ditado é que um simples alívio respiratório nas frases ditas dos mais distintos pontos de vista dos personagens na multidão, com verbos que mudam de gênero, número, tempo e pessoa dentro da mesma frase, de acordo com a alternância dos personagens interlocutores.



Para quê? Para um trabalho de condensação e síntese, sem o qual o livro teria ultrapassado duas ou três mil páginas, e seria muito mais caudaloso e cansativo do que já é. Na primeira edição espanhola de Plaza y Janés – por um defeito de fábrica – desencadernavam-se as páginas à medida em que iam sendo lidas, o que deu origem a uma merecida piada: “Leiam o Outono do patriarca , folha por folha e dente por dente”. Foi um enorme fracasso de crítica e de público, até que uma nova geração mais complacente e compreensiva veio colocá-lo em seu devido lugar.





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*Incluídos em: "A incrível e triste história de Cândida Erêndida e sua avó desalmada".





Este artigo foi encontrado na internet no endereço: http://www.revistacambio.com/

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