ATO I
Escrever é marcar com símbolos o que só se sente com o pensamento, é dar vida à realidade de si, é delimitar sentimentos para dissecá-los pelo entendimento. Escrever é compartilhar, tecer em frases e palavras o que eram somente imagens fugídias dos sons e dos gestos, é se buscar entender e cuidar, ou mentir, calar, dissimular e iludir. É dar voz palpável, plastificar, dar forma, esculpir, decalcar o mundo que somos em uma página em branco, é representar o que de si era somente abstração. É abrir um diálogo coletivo a partir do monólogo sujeito-papel, escritor-leitor e abrir a possibilidade da reconstrução do primeiro pensamento e se fazer heterónimo ao olhar alheio e alheado. É recriar identidades de pontos de vista diferentes. É perpetuar-se no outro, enquanto for lido e relido.
ATO II
A palavra, depois de escrita e dividida, torna-se independente e autónoma, ganha nova roupagem em cada leitor e leitura, recria-se nas anteriores feitas, somam-se ao espaço literário íntimo, fornecem novas letras, vocábulos e sentidos à biblioteca da alma. Um poema, uma crónica ou um conto nunca serão produtos prontos e acabados. Refazem-se e ressignificam-se no outro e no nosso eu passado. Escrever é parar o tempo da voz, é perder-se no espaço infinito dos significados, é imortalizar-se. Escrever é ruminar, é roer, é manipular o que somos e o que o outro é. É libertar-se é prender-se.
ATO III
Escrever é a tentativa de revisitar o diálogo interno, e nele acrescentar, refutar, ratificar ou reafirmar crenças e idéias novas ou ultrapassadas. É partir em busca de um olhar próprio, é exteriorizar a si mesmo, como um fantasma que vê o corpo semi-morto e analisa as próprias feridas. Nada há de loucura na tentativa de se apreender, e como o pensamento é volátil e intangível, escrever é tomar a borboleta e espetá-la para análise.
ATO IV
Buscar-se no diálogo solitário das letras é buscar a si como causa, o motu proprio de existir enquanto ser que cria e é real. É não querer a superficialidade de ser só pensamento e sim a materialidade de ver-se nas linhas e nas entrelinhas do próprio discurso. Letras de mim, palavras do que sou, compreensão do que penso. Congelar pensamentos ao tempo da reflexão ou meditação; acomodar o tempo aos espaços dos conhecimentos. É não perder-se na própria efemeridade. É dar-se o caráter de princípio, meio e fim e permitir-se a auto-investigação, é criar vínculos com porções de si. É corrigir, alterar, adequar, reordenar o que se quer dizer, é superar a própria natureza de ser circunstància tangida pelo tempo, é obrigar-se a compor as músicas dos sentimentos, é convergir e redimensionar-se.
Escrever é ser Ser.
Daniel Viveiros® |