Mais uma vez eu chegava em casa depois da aula, com os neurônios fatigados e a vontade profunda de abraçar e beijar minha mulher. Dei a tocada habitual no interfone e subi as escadas. Não tenho paciência de pegar o elevador só até o primeiro andar. Enfiei a chave na fechadura e achei estranho ter de dar uma volta apenas para destrancar a porta, minha mulher dava duas quando estava sozinha.
A fresta entre a porta e o chão indicava que o apartamento estava às escuras. Abri a porta, liguei a luz e me deu uma dor no estômago. Meu cérebro inundava meu órgão digestivo de nor-adrenalina, o elemento químico que o senhor Nervosismo usa para provocar-nos sensações de sua presença. É que ali não era a minha casa. Na verdade era: mesmo endereço, mesma porta, mesma fechadura. Mas os móveis e todos os outros objetos não eram os mesmos. Outra família estava morando lá.
Anos de aula de matemática ("A gente não usa na vida o que aprende", reclamávamos os alunos, "Ela serve para desenvolver o raciocínio", respondia o professor Clóvis") não me ajudaram a entender tal situação. Logo lembrei-me daquela letra do Herbert Vianna ou do Teddy Corrêa (o que não escreveu a letra compôs a melodia): "Até que um dia qualquer/Eu vi que alguma coisa mudara/Trocaram os nomes da ruas/E as pessoas tinham outras caras/No céu havia nove luas/E nunca mais encontrei minha casa”. Duvidei que algum dia eu encontraria minha casa novamente.