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Cronicas-->Conexão S. -- 24/07/2007 - 20:33 (Erbon Elbsocaierbe de Araújo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

14.07.2007

Durante a conexão, na cidade S., quando ficamos por três longas horas aguardando o reembarque, me separei dos demais companheiros de viagem e me dirigi até uma cafeteria onde era servido chocolate quente. Por algum motivo, imaginei que naquela cafeteria o chocolate quente seria servido quente. Vislumbrei no frontispício, fixado na parte mais alta, o menu. Havia pouco que escolher; fui até o balcão onde me aguardava uma jovem garçonete. Havíamos marcado um encontro; lá estava ela sorrindo, feliz por ver o seu amado enfim comparecendo ao tão esperado evento, mas não se tratava de um encontro. Era apenas um gesto de simpatia frívolo e muito bem treinado oferecido gratuitamente a qualquer um que por ali passasse. Uma atitude mecànica e insensível, sem alma, sem essência a serviço da avidez puramente comercial. Uma ancora, o emprego: garantia do pequeno salário ao final do mês. Fiz o pedido; ela preencheu a comanda.
Com o olhar, a mocinha gentilmente guiou-me até a mesa mais próxima onde eu poderia aguardar o lanche. De bom grado aceitei o convite: fui ter-me à mesa, e, para ocupar o lapso de tempo que deveria transcorrer entre a efetivação do pedido e finalmente ser servido, resolvi dar uma olhada em volta, fazer uma revista.
Nada extraordinário. Tudo parecia cópia de alguma cópia, resultado de produção em série. A praça de alimentação compunha-se de lojas ordenadas em círculo tendo ao centro um largo repleto de mesas e cadeiras, muitas, bem dispostas e arrumadas de modo a facilitar a movimentação da clientela e do serviço. Era a mesma praça de alimentação vista nos shoppings e aeroportos, nenhuma criatividade. Cada peça de cada grupo de mesa e cadeiras estava de tal forma unida, presa uma às outras, e todos os conjuntos firmemente fixados ao chão, que deixava se ter a impressão de que houvera ocasião em que alguém surrupiou alguma daquelas muitas mesas e cadeiras e disfarçadamente, sem que se tenha notado ou de algum modo fugido do campo de captação de imagens das càmeras do sistema interno de vigilància, e, por algum sortilégio, conseguido enfiar na bolsa de mão levando com sigo à guisa de guardar como lembrancinha da viagem, um souvenir. Ah, alguma providencia teve que ser tomada! - Unam-se as mesas e cadeiras umas às outras e fixem-nas firmemente nesse chão dos infernos, e às favas o embaraço e as canelas da clientela; resolvido o problema!
Continuei aguardando o retorno da simpática mocinha que vestia um colete vermelho abotoado na frente e por baixo uma blusa de mangas e gola virada cor marfim. Usava-se a blusa passada por dentro da calça: uma calça comprida de cor preta com um vinco em cada perna e muito bem engomada. Poder-se-ia dar ao conjunto a aparência de perfeição caindo graciosamente naquele corpo esbelto e pequeno - uma bonequinha -, não fosse a feiúra de um avental sujo e amarrotado, p´ra que nada ali fosse, naquele exato momento, de todo só beleza e encantamento.
Finalmente servido, fui tomando o chocolate quente - como eu supusera, o chocolate foi servido quente; a casa era honesta, não havia mentiras, não fui vítima de propaganda enganosa, acompanhava o pão de queijo. Naquele momento, absorto naquele estado de coisas , como quem toma chocolate quente acompanhado de pão de queijo, fui tomando meu chocolate quente acompanhado de pão de queijo alheio a tudo em volta; não me ocorreu pensamento algum, se quer um só. A final de contas, eu estava me servindo de um dos santos linimentos para os males da existência humana. Todavia, me senti na obrigação de pensar algo, de pensar em algo, e nada me ocorria. Sentindo-me escravo daquela estranha necessidade, recorri ao meu precário gênio literário e ensaiei escrever qualquer coisa ainda que mentalmente, alucinando o registro das minhas idéias nalgum dispositivo eletrónico, ou simplesmente num caderno, ou numa folha de papel solta, ou solta no ar, na sutil, suspensa e rarefeita matéria mental; iniciei até: escrevi algumas poucas linhas, mas não consegui seguir em frente. O espectro de uma enorme borracha, hedionda imagem fantasmática, impedia que eu desse forma, corpo e vida à minha produção: apagava imediatamente cada oração, verso, frase ou palavra recém escrita; cada letra antes mesmo que uma só palavra fosse concluída. Lutei infatigavelmente contra esse fantasma até que, exausto, cedi àquela paralisante letargia que dominava o meu ser.
Um sopro de animo alentou-me devolvendo-me à vida: lá, diante dos meus olhos, sobre a mesa, ao lado de uma xícara quase vazia, um guardanapo de papel branco. Não parecia dos de melhor qualidade, mas, como todo guardanapo de papel, aparentava possuir maciez; meio desdobrado me olhava. Daquela furtiva troca de olhares resultou uma relação entre mim e o guardanapo de papel.
P´ra comemorar aquele encontro casual, decidi preencher seu corpo com os versos mais formidáveis; iniciei a caçada. Cacei-os, meus versos os cacei, os mais raros e formidáveis, nos recónditos escondidos, os mais escondidos, da minha alma, do meu espírito e da minha mente, e nada. Nada formidável ou arrebatador se me apresentava. O máximo que pude alcançar foi uma composição medíocre, um rabisco sem graça, pobre, esquálida , que desajeitadamente tatuei no corpo magro e triste do guardanapo. Decepcionado, permaneceu em silencio, imóvel, conformado. Fui tomado por uma ànsia enorme de expressar de qualquer jeito, modo ou maneira, o que quer que eram sentimentos tão fundos que não sabia certamente deles dar conta ou definição, inalcançáveis. Inalcançáveis na medida em que eram meus próprios, como eu, inalcançável para mim mesmo.
Não soube distinguir muita coisa mais, nem dentro nem fora de mim, além daquela aflição e a meia alvura do guardanapo de papel exortando-me p´ra que o enfeitasse ou o enfeasse com um escrito, qualquer coisa.
O mais, a garçonete que me serviu; duma certa distancia me olhava e sorria. Era o sinal. O incentivo, o pedido p´ra que eu fosse em frente, o ultimo esforço, a luz no fim do túnel. Retomei o controle da situação. Haveria de ser alguma coisa grande, um poema talvez, que ao final tivesse chocolate quente e pão de queijo. Assim, escrevi os dois últimos versos de um poema que não teve início, nem meio, somente um fim: chocolate quente e pão de queijo.
Recolhi-me ao estado de resignação final como os que se recolhem ao estado de resignação final ao término de uma luta inglória; era o que inda restava em meu espírito: o armistício, a rendição, aquela condição de impotência e angustia; reconfortei-me embevecido pelo riso da jovem que insistia.
Sorvi o que inda havia, resto de resto, de chocolate, ainda quase quente. Suspirei e estendi meu braço por sobre o encosto da cadeira ao lado, vazia, como se ali estivesse a companhia.


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