Apenas eles, do conjunto, destacam-se da sóbria roupa, das cores em pastel que a moça costuma usar a qualquer dia e hora. Mesmo que a ocasião seja de festa - aniversário, batizado, casamento- os tons permanecem iguais, variando um pouco para os azuis discretos, o marinho, exceto o preto, raramente investido sobre a pele clara, contrastando com os cabelos castanhos em anéis. Nesses momentos, o que altera na vestimenta é a qualidade e o tipo dos tecidos, apresentados ora como seda finíssima, como jeans especial, ou como uma peça de lã trazida de países onde o frio seguramente promove a elegància pessoal.
Quem a conhece não espera que ela vá surgir, certa feita, portando brincos ou um colar, como adereço. Não, não, não - a não ser que esse se origine de algum design excepcional e aí então é - lhe concedido o colo para ampará-lo e ele passa a ser o assunto do dia, tal sua beleza (comprovada) e tal a novidade da exceção aberta pela moça para o seu uso. Fora tais contadas situações, essa parte do corpo fica esquecida pela camisa que veste, invariavelmente, e as orelhas são exibidas arejadas e livres, inclusive dos cabelos amarrados em um só feixe na altura da nuca. Completando-se o traje com a calça comprida, que nunca foi substituída por saia ou vestido, fica muito fácil adivinhar a discreta figura que vai se desenhando em seguida ao anúncio de sua presença.
Uma vez, contudo, pude observar que a roupa de seus olhos avivou-se em demasia e as pupilas bailavam felizes, envolvidas por um azul que atingia seu limite, tal a injeção de cor havida à hora. Se bem me lembro, isso foi num instante privilegiado de seu habitualmente sereno manifestar-se, em que uma forma ou um material tomou conta de sua emoção, ocupando seus olhos que se encantaram junto ao sorriso de incontido gesto, regado por farta saliva que se assenhorou de pronto de sua boca.
De uns tempos para cá, ela tem se mostrado com tal pujança de espírito, que póde me propiciar uma visão em que se desenrola e se livra de faixas de cores que, abertas, estendem-se distantes, para um e para outro lado, colocando -se em posição de mediadora para um fazer-se que, com elas, haveria de vir. E veio. São paredes de cores vivas e harmoniosas, pintadas por quadros de expressivas formas, extraídas de imagens antigas e sinceras. Essa tinta depois desprendeu-se e fez-se hoje em pingos sólidos, contas em cordão que habitam a imaginação feminina e atam suas portadoras ao prazer, ao cingir-lhes o colo e o pulso.
Tenho reparado que seus olhos agora mudam de roupa com presteza, e podem ser vistos desvestindo-se e arranjando-se em novo look rapidamente, como se uma película de filme a eles sobreposta tomasse-lhes a íris para nela imprimir imagens pulsantes e sequenciadas de uma semente amazónica, de uma pedra preciosa das Gerais, de uma pérola cultivada nas doces águas de rios. O azul deles já hospeda com regularidade a sucessão suave de tons do espectro e a diversidade formal de matérias oferecidas pela natural riqueza, e os passa adiante - catados, combinados, produzidos - a quem, para eles, incondicional, possa também, como ela, ceder seus olhos.
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Brasília, março de 2007
Sandra Daher
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